“Sou eu”
Estás duas palavras repetiram-se em minha mente por pouco mais de dois minutos. Como assim, sou eu? Eu quem? A ideia de tê-lo, a minha frente e falando comigo, era irreal para mim, não só irreal, como absurda. Ele terminou o que quer, que seja, que tivemos nos meses em que ficamos trocando e-mails, e do nada, ele surgiu a minha frente, igual um príncipe encantado e maluco, me segurando como se eu fosse uma princesa indefesa.
— É você mesmo? — murmurei depois de um tempo quieta, olhando para ele — Não é um sonho? Uma alucinação? O que faz aqui? — minhas mãos passavam por seu rosto, eu contornei sua face, minhas mãos estavam trémulas e eu não conseguia me concentrar em nada, para além das tatuagens em todo seu corpo. Ali, eu entendi o porquê da minha amiga, ter rido tanto da minha cara, eu odeio tatuagens.
— Sim, sou eu mesmo, ao vivo e a cores — concordou sorrindo Ladino, o típico sorriso dos cafajestes. Ele parecia tão tranquilo, como se a cena fosse a coisa mais normal do mundo.
— Como? Não pode ser, deve ser uma alucinação — questionei abanando a cabeça, me negando a crer que, era realmente ele e não mais uma das minhas alucinações. Como aquilo podia ser real? Ele falou para deixá-lo em paz, então! Como justificar a presença dele a minha frente? Sem contar que, ele parecia outra pessoa do que imaginei, ele não podia ser meu Haru.
— Sou eu sim, quer ver como sou eu de verdade? — questionou chegando próximo de mim, antes que, eu dissesse mais alguma coisa, Haru colou seus lábios nos meus e o mundo a nossa volta, por um instante sumiu.
Assim que os nossos lábios se conectaram, senti como se, só existissemos nós dois e mais nada. A maneira como sua língua convidava a minha para aquela dança, um tanto quanto e*****a, foi ínfimo. O beijo dele não me deixava pensar com clareza, eu não estava pensando, eu não estava lá, é como se estivesse em órbita num outro sistema solar, fazendo jus a metáfora que, nunca pensei que, se aplicaria em minha vida. “Vou te levar a lua”, “ Vou te fazer tocar as estrelas”
Sim, por um instante, naquele frenesi de mãos bobas e línguas enroscadas, pensei mesmo que, estivesse na lua ou mesmo tocando as estrelas. Os lábios dele, tinham um sabor estranho, uma mistura de nicotina e cafeína, mas mesmo com esse sabor estranho, eu não consegui parar de beija-lo, eu queria mais daquela sensação, eu queria mais dos lábios frios dele, queria que ele passasse sua língua quente por todo o meu corpo. O pensamento depravado, despertou em mim, uma vontade de me fundir a ele, me conectar mais, como se fôssemos um. Devido a nossa altura que, era desproporcional, tive que pisar em seus sapatos para que, nossos lábios se encaixassem perfeitamente, mas não me pareceu o suficiente, eu queria mais, queria tudo dele. Mas eu tive que parar, em algum momento, um sino soou dentro da minha mente, me recordando de respirar, senti o ar me faltar aos pulmões e naquele momento lembrei-me que, provavelmente estivéssemos dando um show pornográfico grátis.
— Então! Agora as suas dúvidas foram sanadas? — disse ofegante devido ao beijo, recém trocado. Ele não pareceu ter um pingo de remorso, por ter me instigado a cometer um crime de atentando ao pudor de fronte a uma igreja. Ele sorria igual a um cafajeste, como se tivesse realizando uma fantasia secreta.
Ainda ofegante pelo beijo, atrevi-me a encara-lo por um breve momento, pensei em gritar de raiva, pois, ao invés de se sentir m*l por me corromper, ele tinha um sorriso ladino e extremamente convencido. Ele não se parecia nem um pouco com o meu Haru dos sonhos. No lugar das feições fofas e delicadas dos sonhos, ele tinha uma feição selvagem, com um cabelo desgrenhado, olheiras profundas de quem não dormia há dias. Ele parecia um gatinho pedindo por carinho. Eu me encontrava ainda presa em seus braços, nós dois nos encaravamos igual dois animais selvagens, nossos p****s subindo e descendo em simultâneo como se tudo entre nós estivesse sincronizado.
— Está louco? Por que me beijou? — gritei após empura-lo, é como se o beijo tivesse desperto toda a raiva que, fui acumulando após o e-mail, dei-lhe uma bofetada na bochecha esquerda, a bochecha ficou automaticamente vermelha. Aquela bofetada, foi a Soma de todas as minhas angústias, frustrações, medos, raiva e mágoa, principalmente isso.
Chorei de raiva e frustração, por mais uma vez ele estar estragando a minha vida, quando finalmente decidi dar um rumo a ela. Eu pretendia seguir em frente, pretendia começar um novo capítulo da minha vida, uma vida sem Haru ou Antônio, seria uma vida nova, uma nova Érica nasceria. Mas não, ele teve que surgir novamente, das profundezas de todos os meus sonhos e pesadelos, ele tinha que vir e estragar todos os meus planos novamente.
— Ei! Mia serena calma — Haru murmurou algumas palavras em italiano e tentou se aproximar de mim. Sua voz parecia meio grongue, uma mistura extremamente estranha entre sexy e a voz de um babado, mas ficava perfeito nele, com o rosto dele, com a tatuagem dele, com os olhos puxados dele, com tudo nele.
— Não! Fica longe de mim, você não tem esse direito — gritei furiosa, com ele e comigo mesma. Eu parecia uma louca histérica, chorando e gritando na rua. Se o deixasse chegar próximo de mim, seria o meu fim.
Eu estava com tanta raiva, raiva dele, de mim e do mundo. Com ele, por mais uma vez estar no controle do rumo da minha vida. Por perceber que, no final daquela loucura toda, ele sumiria igual fazia nos sonhos, por perceber que mais uma vez, no final da história terminaria só. Raiva de mim mesma, por perceber que, era fraca para resistir a ele, a aproximação tóxica dele, por perceber que, ele nem sequer era culpado, era eu quem estava sendo louca e colocando um estranho como o centro da minha vida.
— O que foi? Não está feliz por me ver? — questionou tentando chegar mais próximo. Enquanto ele tentava se aproximar, eu só sabia fugir do seu toque, eu sabia que, se o deixasse me tocar, tudo ruiria, todos os meus muros que, erguera com tanto sacrifício e trabalho, desabariam sem muito esforço e trabalho por parte dele.
— Feliz por te ver? Eu não conheço você! — falei mais furiosa que antes, ao me dar conta que fui enganada.
O meu Haru dos sonhos, era fofo e delicado, com olhos escuros como a noite, lábios carnudos e um queixo bem desenhado. O Haru que, me foi dado, estava bem longe disso. Ele não era nem sequer um terço do que, eu pedi. Ele era uma mistura de asiático e ocidental, resultando em um Mark Tau. No lugar dos olhos grandes e escuros como a noite, ele tinha olhos semi puxados, era alto como um poste e tinha tatuagens, muitas tatuagens. Naquele momento, só tive certeza duma coisa, aquele não era o meu Haru.
— Como assim, você não me conhece? Sou eu Alonso Haru Cassano — disse um pouco exaltado, começando a ficar irritado também. Aquilo começava a ser embaraçoso para ambos. Ele não estava mais com um sorriso nos lábios, ele estava bravo assim como eu. Eu me arrependi amargamente por ter mantido o mistério por trás de nossas identidades, se eu tivesse visto as fotos sozinha, nada daquilo aconteceria.
— Desculpe, é que, você me pegou de surpresa, eu não esperava que, fosses assim — falei sem jeito, ao me dar conta do quão, as minhas palavras eram ridículas, fúteis e s*******o.
— Você está surpresa? Perdão minha cara amante desconhecida, por não ser o que, vossa senhoria idealizou — debochou de mim, fazendo uma reverência por pura chacota, aquele lado debochado dele me estava irritando, na mesma proporção que queria bater nele, eu queria beijar ele.
— Escuta aqui, você leu as cartas, por que não desmentiu, as minhas afirmações ao falar que, tinha olhos azuis? — gritei irritada. Não foi daquele jeito que imaginei o nosso primeiro encontro, nós dois parecíamos duas crianças mimadas.
— E por que faria isso? Para perder a sua cara de menina mimada que, pediu um Ken humano e foi dada um j**k Chen? Sem chance — retrucou com humor, como se estivesse adorando toda aquela situação embaraçosa — E pelo que, me lembro, eu te falei minhas redes sociais, sugeri que, visse minhas fotos para que isso — apontou a nossa volta — Não acontecesse, mas o que você falou? — ergueu uma de suas sombras — “ Não quero ver suas fotos, isso acabará com o romantismo” — acusou, numa falha tentativa de imitar a minha voz — Bom! Cá está o romantismo princesa — usou o mesmo tom acusatório de antes. Seu pomo de Adão, subia e descia a medida em que ele respirava, meus melhores olhos acompanhavam os movimentos do mesmo e foi impossível não imaginar coisas indecentes com ele.
— Olha, desculpa, está bem? Mas eu estou em choque, eu não esperava por isso, eu fiquei meses idealizando o que, você seria, eu não esperava que, fosse assim — assim que falei, percebi o erro que, cometi ao invés de resolver o problema, eu só piorei as coisas. Sua cara de irritação passou de raivosa á magoada. Numa única frase, eu consegui acabar com qualquer coisa que fosse acontecer entre nós dois.
— Olha, faz o que você quiser principesca — disse visivelmente derrotado. Ele deu de ombros, como se estivesse desistindo de mim e de nós, eu não sabia o que se passava na cabeça dele, mas eu podia imaginar que estivesse se arrependendo por ter vindo a Moçambique por mim.
A vergonha era tanta que, não conseguia sequer olhar para ele. Ficamos uns minutos
quietos, eu não consegui falar nada, para contornar aquela situação. Ficamos em silêncio até que, ele quebrou o silêncio
— Olha, você tem o meu e-mail, tem minhas redes sociais, ficarei em Moçambique, por algumas semana — ele respirou fundo e passou as mãos no rosto, ergui meu rosto para encara-lo — Então! Vá para casa e pense, se os aspectos físicos são realmente importantes nessa coisa esquisita em que, nos metemos — disse com o mesmo sorriso ladino de antes, sem um pingo sequer da mágoa de minutos atrás.
— Eu, eu, eu...— não sube o que falar, nem sequer tive tempo de pensar em algo,pois, ele me interrompeu.
— Lembra, quando falou que não nos conhecíamos? — concordei abanando a cabeça de cima a baixo — Você tinha toda a razão — Haru sorriu nasal e enfiou as mãos no bolso, me encarou como se não me reconhecesse, como se eu fosse uma estranha para ele.
Mas sendo franca, nós dois éramos estranhos, o facto trocar e-mails por meses, não nos tornava melhores amigos ou amantes.
— Porque eu saí da Itália, só para conhecer você, chego aqui, e está dando um chilique por eu ser um asiático, e não, um Ken humano. Então, me responde, quem surpreendeu quem? Princesa — Após soltar a bomba, Haru me deixou, como costumava fazer em meus sonhos. Diferente dos sonhos, em que, sua partida costumava ter sabor de saudade e quero mais. Aquela partida, teve um sabor amargo e ácido.
Eu consegui partir o coração de um fantasma, fantasma têm coração?
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Mia serena: Minha sereia;