Voltando ao caos

1200 Words
O som dos sapatos de Rafael ecoava pelo saguão do edifício, o espaço tranquilo e organizado contrastando completamente com o caos que reinava do lado de fora. As portas automáticas se fecharam atrás dele e de sua assistente, Luciana, e o barulho de sirenes, gritos e motores acelerados foi abafado instantaneamente. Dentro daquele prédio, tudo era sereno e controlado, como se estivessem em uma bolha separada do mundo caótico. A luz suave das lâmpadas de teto refletia nas paredes de mármore, criando um ambiente sofisticado e frio. O ar-condicionado mantinha o lugar em uma temperatura perfeita, fazendo com que o calor e a fumaça do acidente lá fora parecessem distantes. Rafael respirou fundo, seus nervos ainda tensos após os eventos recentes. Ele estava sempre no controle, sempre frio e calculista, mas o acidente, a visão dos feridos e o risco iminente haviam mexido com ele de uma maneira que ele não esperava. Sua assistente grávida estava segura ao seu lado, o que deveria ter sido motivo de alívio. Mas havia algo incômodo crescendo dentro dele, uma sensação de que não havia terminado. Luciana, ao seu lado, estava pálida e trêmula. Seus dedos apertavam a alça da bolsa com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. Rafael lançou-lhe um olhar de esguelha. Normalmente, ela era uma mulher segura, capaz e organizada, mas os últimos momentos haviam visivelmente a abalado. Ela parecia prestes a dizer algo, mas hesitava. De repente, Luciana parou bruscamente no meio do saguão, os olhos arregalados e a respiração acelerada. Rafael notou sua mudança imediata de postura e franziu o cenho. "O que foi agora?" ele perguntou, irritado, virando-se para encará-la. Luciana mordeu o lábio, claramente nervosa. Seus olhos verdes estavam cheios de pânico. "A pasta..." ela começou a dizer, a voz trêmula. "A pasta com os documentos... Eu deixei no chão lá fora, onde estávamos." Rafael sentiu um surto de raiva subir pelo peito. "Como ela pôde ser tão descuidada?", pensou, enquanto seu maxilar se apertava de frustração. Ele sentiu vontade de gritar, de chamá-la de estúpida por ter esquecido algo tão importante no meio de um caos como aquele. Aqueles documentos eram confidenciais, cheios de informações que não podiam ser perdidas ou, pior, caírem nas mãos erradas. Ele já imaginava as manchetes se aquilo viesse à tona, os prejuízos monumentais para a empresa e para sua reputação. Mas antes que ele deixasse a raiva escapar, algo no olhar de Luciana o fez hesitar. Ela estava apavorada, seus olhos fixos nele como se esperasse o pior. O tremor em suas mãos não passou despercebido. Rafael respirou fundo, tentando conter seu temperamento, e em vez de explodir, ele murmurou, a voz firme, mas controlada: "Vai para dentro. Eu vou buscar a pasta." Luciana parecia surpresa, mas aliviada. Ela assentiu rapidamente e se virou, quase correndo para o elevador. Rafael a observou se afastar antes de virar para a porta de vidro. Ele cerrou os punhos e soltou um palavrão baixinho. "Droga", murmurou, antes de se dirigir de volta para a rua, onde o caos ainda reinava. A sensação de segurança dentro do edifício contrastava tão fortemente com o que esperava do lado de fora que o impacto quase o fez recuar. Assim que cruzou a porta, o barulho e o cheiro de fumaça e gasolina voltaram a tomar conta de seus sentidos. Pessoas ainda estavam gritando, paramédicos corriam de um lado para o outro, e as luzes das ambulâncias e dos carros de bombeiro iluminavam o cenário como flashes de câmera. O acidente havia causado um estrago imenso, com pedaços de metal retorcido e vidro espalhados pelas calçadas. Rafael sentiu uma sensação incômoda de mau pressentimento se instalar em seu peito. Não era apenas o caos que o incomodava; era como se algo estivesse prestes a acontecer, algo que ele não conseguia identificar, mas que o deixava em alerta. Ele olhou ao redor, tentando ignorar a confusão ao seu redor e se concentrar na tarefa que tinha em mãos. Precisava encontrar a pasta. Nada mais importava agora. Ele começou a caminhar em direção ao local onde ele e Luciana haviam estado antes, seus olhos varrendo o chão em busca do objeto. A cada passo, o sentimento de desconforto crescia, como se o ar estivesse carregado de uma tensão invisível. Rafael odiava não estar no controle, e aquele sentimento de incerteza o irritava profundamente. Finalmente, seus olhos pousaram na pasta, exatamente onde Luciana havia deixado. Ela estava intacta, jogada no chão ao lado de uma parede de concreto. Por um breve momento, Rafael sorriu, sentindo o alívio lavar seu corpo. Ele acelerou o passo, aliviado por estar tão perto de resolver mais um problema. Mas, ao se aproximar, o mau pressentimento em seu peito se intensificou. O ar ao seu redor parecia mais pesado, como se algo estivesse prestes a desmoronar. Ele se abaixou para pegar a pasta, mantendo seus olhos atentos ao redor, tentando identificar a origem de sua inquietação. Assim que suas mãos tocaram o couro frio da pasta, um som agudo e ensurdecedor de metal retorcido ecoou à sua esquerda. Rafael m*l teve tempo de reagir antes de ver, com o canto do olho, um dos carros danificados começar a deslizar lentamente pela rua. O que sobrou de sua estrutura estava instável, pendendo para o lado. Sem controle, o veículo começou a avançar em sua direção, derrapando pelo asfalto sujo. Rafael sentiu o coração acelerar. O instinto de sobrevivência tomou conta de seu corpo, e ele se jogou para trás, evitando por pouco ser atingido pelos destroços que caíram à sua frente. O carro finalmente parou, bloqueando o caminho de volta para o prédio. Rafael se levantou rapidamente, respirando fundo enquanto a adrenalina corria por suas veias. Ele apertou a pasta contra o peito, o alívio de tê-la resgatado misturado ao choque de quase ter sido esmagado por um carro descontrolado. O caos ao seu redor parecia ainda maior agora. Pessoas gritavam por socorro, sirenes ecoavam por todos os lados, e ele sentiu o peso da situação cair sobre seus ombros. Mas, por mais que quisesse voltar para o refúgio seguro de seu edifício, algo dentro dele o mantinha ali, uma estranha conexão com o caos ao redor. Talvez fosse o remorso, ou talvez fosse uma parte de si que ele raramente permitia vir à tona, mas, naquele momento, Rafael soube que ainda não havia terminado. Ele começou a caminhar em direção aos paramédicos, decidido a ajudar de alguma forma, mesmo que fosse contra todos os seus instintos. Algo dentro dele estava mudando, e pela primeira vez em muito tempo, Rafael não lutou contra essa mudança. Rafael estancou diante do quebra-molas de metal e do caos à sua frente. Cada grito e cada sirene vibrava como um chamado para algo que ele jamais considerara plenamente: a fragilidade da vida. Seu estômago girou, e a sensação dele, sempre tão controlada, esvaiu-se como água entre os dedos. Ele não era apenas um homem rico; era um ser humano que podia se ferir e ser ferido. A avalanche de emoções colidiu em sua mente, e pela primeira vez ele realmente se viu como era: não um deus, mas um mortal perdido em uma tempestade de confusões.
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