Amigos na Escuridão

1830 Words
Rafael se sentia desmoronar à medida que a noite caía, envolvendo-o em uma escuridão impenetrável. O quarto, uma suíte luxuosa no hospital, estava imerso em um silêncio que parecia quase opressivo. Os únicos sons que preenchiam o ambiente eram os apitos regulares dos monitores que acompanhavam seus sinais vitais e o murmúrio distante da televisão ligada em um canal de notícias, a presença constante de um mundo que ele não podia ver. Ele se sentia preso em um abismo de solidão que o consumia lentamente. “Por que eu voltei para pegar aquela maldita pasta?” pensou, amaldiçoando-se por sua imprudência. A pasta, agora perdida em meio ao caos que se instaurara em sua vida, era uma lembrança amarga de sua imprudência. Ele se lembrava da pressa, do descuido, do jeito como a assistente havia tropeçado e desencadeado toda a confusão. A frustração se acumulava em seu peito como uma tempestade prestes a explodir. A raiva crescia dentro dele, um fogo que parecia se alastrar por cada canto de sua mente. Ele estava bravo com tudo e todos — com a vida, com o destino, com a própria escuridão que o aprisionava. “Que sorte a minha,” refletiu amargamente, “estar preso nesse corpo que não responde mais, nesse mundo que não vejo.” O sentimento de impotência era esmagador. Ele desejava chorar, mas não conseguia. Desde criança, aprendera a engolir suas emoções, a esconder suas fraquezas. “Engole o choro, homens não choram”, era o mantra que seu avô repetia. E assim, com o tempo, ele perdera a habilidade de chorar, como se tivesse selado um pacto de silêncio com sua dor. De repente, ouviu a porta se abrindo, e a expectativa de descobrir quem entrava era uma tortura. Rafael manteve os olhos fechados, como se isso pudesse protegê-lo da realidade que o cercava. Então, reconheceu a voz familiar de Renato sussurrando: “Ele está dormindo.” A voz de Douglas interveio: “Está fingindo. Ele faz isso desde criança quando queria nos evitar.” Rafael bufou e, mesmo sem abrir os olhos, fez questão de mostrar que estava acordado: “O que estão tramando, seus idiotas? Como é que vocês vão zuar um cego?” resmungou, sua voz soando mais fraca do que gostaria. “Estou pensando em fazer uma limpa na sua coleção de Rolex”, respondeu Renato, o tom sério e despretensioso. “E eu vou levar sua Ferrari para dar uma volta”, completou Douglas, sua voz transbordando ironia. “Afinal, o que os olhos não veem, o coração não sente, não é mesmo?” Um silêncio tenso tomou conta do quarto por um instante, até que, em seguida, os três amigos caíram na gargalhada. Rafael sorriu mentalmente. Era disso que ele precisava — de normalidade, de risos, de não ser tratado com pena. A vida ainda continuava, mesmo que em uma nova e estranha configuração. Renato, sempre o mais provocador do grupo, começou a narrar uma história engraçada de uma viagem que fizeram junto: . “Lembram-se daquela vez que tentamos escalar a montanha e você, Rafael, caiu em um lamaçal? O que foi aquilo? E ainda tentou se fazer de descolado, falando que estava só testando as condições do terreno!” Rafael riu em sua mente, recordando a cena. Ele sempre fora o primeiro a se arriscar, mas aquele dia fora um desastre total: “E vocês ainda me deixaram lá, enfurnado naquela lama, enquanto riam como uns idiotas!” disse ele, sua voz levemente divertida. “Mas você também não ajudou, gritando que estava sendo atacado por uma criatura mística”, Douglas retrucou, rindo. “Acho que você convenceu alguns turistas que eram caça-fantasmas a nos ajudar.” “A vida é melhor com amigos como vocês”, Rafael respondeu, mais relaxado. Era reconfortante lembrar que, apesar de tudo, ele ainda tinha um lugar no mundo. Enquanto continuavam a conversa, Rafael percebeu que a presença de seus amigos, suas vozes e a leveza do momento eram um antídoto para a escuridão que o envolvia. Era um lembrete de que, apesar de tudo, ele ainda tinha apoio. Eles falavam de negócios, atualizando Rafael sobre o que acontecia no mundo externo, e ele não hesitou em dar ordens, delegando decisões como sempre fizera. “E quanto àquele projeto com o novo edifício? O que você decidiu?” Renato perguntou, curioso. Rafael, sempre confiante em suas decisões, começou a expor suas ideias. “O investimento deve ser feito na parte comercial, mas não podemos esquecer da sustentabilidade. Precisamos de energia renovável, painéis solares, algo que nos coloque na vanguarda.” “Perfeito. Vou começar a trabalhar nos contatos para isso”, Douglas afirmou, sentindo-se motivado. Rafael se sentiu no controle, mesmo em meio à escuridão. Ele queria que eles continuassem a agir como antes, sem pity party, sem choros, sem a sensação de que sua vida havia sido tirada dele. “Continuem me atualizando, por favor. Quero que tudo siga conforme o planejado”, pediu, sua voz firme, apesar da fraqueza que sentia. A conversa fluiu, entre risos e recordações. Cada história contada, cada lembrança compartilhada, formava uma barreira contra a solidão que o ameaçava. Eles estavam ali, dispostos a ajudá-lo a manter sua sanidade. Por fim, Renato se levantou e disse: “Vou buscar algo para comer. Você deve estar com fome, certo?” “Cozinhar não é o forte dele”, Douglas brincou, “mas se você conseguir não queimar a cozinha, será uma vitória.” “Que tal uma pizza? Aposto que ele não consegue errar isso”, Rafael sugeriu, desejando um momento mais leve, mais divertido. “Você sempre pensando nas coisas boas da vida. Vou trazer uma pizza, mas se eu queimar, você pode me demitir como seu chef pessoal”, Renato respondeu, saindo do quarto. “Isso não vai acontecer, mas você vai ter que se esforçar um pouco mais”, Rafael disse, sentindo-se mais animado. Enquanto aguardava o retorno dos amigos, Rafael refletiu sobre como, mesmo na escuridão, ainda havia espaço para a amizade e a risada. Essa luz era tudo o que ele precisava naquele momento, enquanto lutava para se encontrar em meio à tempestade que se abatera sobre sua vida. Ele sabia que o caminho à frente seria difícil, mas com amigos como aqueles, talvez ele pudesse enfrentar o que quer que viesse. O futuro era incerto, mas naquele momento, cercado por risos e memórias, Rafael se permitiu sonhar que poderia reconstruir sua vida, um dia de cada vez. À medida que a noite se adensava, Rafael sentiu que a presença de Renato e Douglas o havia revigorado. As risadas e as conversas tornaram-se um bálsamo para a dor que o consumia. Ele não poderia ceder, não poderia se deixar abater. Ele era o CEO Demônio, e essa identidade precisava ser mantida a qualquer custo. Mesmo que estivesse em um estado vulnerável, Rafael sabia que precisava mostrar ao mundo que ainda era forte, que ainda estava no controle. Agora, com a perna quebrada e o fêmur comprometido, tinha um ótimo motivo para se manter em casa, longe dos olhares curiosos que poderiam julgá-lo ou sentir pena. Ele poderia trabalhar dali, longe do burburinho que o cercava. Mas para isso, ele precisava de alguém em quem pudesse confiar, alguém que o conhecesse e estivesse disposta a ajudá-lo em todas as suas necessidades. Lucia, sua assistente de longa data, estava prestes a sair de licença maternidade, e Rafael sabia que não poderia contar com ela. Ele precisava de uma nova assistente, mas não apenas alguém para organizar sua agenda ou atender chamadas. Ele precisava de uma mulher excepcional, alguém discreto, que pudesse ser seus olhos e ouvidos no mundo enquanto ele enfrentava a escuridão. Alguém que não apenas o ajudasse nas tarefas diárias, mas que também tivesse conhecimentos médicos suficientes para lidar com qualquer emergência que pudesse surgir. Enquanto pensava em suas exigências, Rafael se viu em um dilema. Uma enfermeira seria a escolha ideal. Elas eram treinadas para lidar com situações críticas, sabiam como agir em emergências e, muitas vezes, eram mais do que capazes de tomar decisões rápidas e eficazes. Mas isso significava que ele também precisava encontrar alguém que fosse inteligente, astuta, capaz de lidar com sua personalidade forte e exigente. Ela teria que ser alguém que pudesse entrar em sua vida sem hesitação, que não se deixasse intimidar pelo seu histórico ou pela aura que o cercava. Rafael se deitou na cama, os pensamentos rodopiando em sua mente. “Onde eu encontraria tal tesouro em forma de mulher?”, questionou-se. Era uma busca que parecia quase impossível, como procurar uma agulha em um palheiro. Ele precisava de alguém que não só tivesse as habilidades necessárias, mas que também tivesse a sensibilidade de entender sua situação. Um desafio e tanto, considerando que ele agora se via limitado pela cegueira e pela fragilidade da recuperação. Seus pensamentos começaram a divagar, e, enquanto a noite avançava, Rafael se permitiu sonhar um pouco. Ele imaginou uma mulher que pudesse ser sua aliada, alguém que não apenas o ajudasse fisicamente, mas que também o compreendesse em níveis mais profundos. Uma conexão que transcendesse a relação profissional. Ele fechou os olhos e visualizou essa mulher — alguém forte, destemida, mas ao mesmo tempo empática e compreensiva. “Talvez eu precise entrevistar algumas enfermeiras”, pensou, considerando a ideia de buscar alguém que pudesse ocupar esse papel vital em sua vida. Essa mulher deveria ser capaz de lidar com a pressão, estar atenta às suas necessidades e ser capaz de agir rapidamente em qualquer situação de emergência. Ele começou a formular uma lista mental das características que essa pessoa deveria ter: inteligência, discrição, capacidade de liderança, e, acima de tudo, um espírito resiliente que não se deixasse abalar pelas dificuldades. Rafael se pegou pensando em como essa nova assistente poderia mudar sua rotina. A ideia de ter alguém ao seu lado que não apenas o ajudasse, mas que também estivesse disposta a desbravar as incertezas de sua nova realidade era confortante. No entanto, a busca por essa mulher não seria simples. Ele precisava ser criterioso, pois a confiança era fundamental. Conforme os minutos se arrastavam e a noite se aprofundava, Rafael sentiu seu corpo relaxar lentamente. A combinação do desgaste emocional e físico o levou a um estado de sonolência. Antes de adormecer, ele sussurrou para si mesmo: “Amanhã é um novo dia, e a busca por essa mulher começa agora.” A escuridão que o cercava parecia um pouco menos opressiva, pois ele sabia que tinha um objetivo a perseguir. Ele não estava apenas aceitando seu novo destino; estava se preparando para enfrentá-lo com todas as suas forças. E, com esse pensamento, Rafael mergulhou em um sono profundo, determinado a encontrar a parceira ideal que o ajudaria a se reerguer, a continuar sendo o CEO Demônio que sempre fora, mesmo em meio à escuridão.
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