Voltando a realidade

1314 Words
Três longos dias se passaram desde que Rafael havia sido colocado em coma induzido. O hospital particular de Nova York, conhecido por seus serviços de primeira linha, abrigava Rafael em um dos quartos mais luxuosos e bem equipados. O espaço, amplo e decorado com tons neutros e sofisticados, contrastava com a quantidade de aparelhos médicos que monitoravam constantemente seus sinais vitais. Os bipes ritmados e o som suave dos ventiladores enchiam o ambiente, enquanto o corpo de Rafael permanecia imóvel na cama, sua mente ainda vagando nas profundezas de um sono sem sonhos. Dentro do quarto, Getulio, seu avô, caminhava de um lado para o outro, sua inquietação visível a cada passo pesado. Ele resmungava palavras abafadas, a impaciência marcada em seu semblante. O velho homem, de postura rígida e voz forte, não era do tipo que gostava de esperar. Ele já estava farto de ouvir os médicos explicarem que o despertar de Rafael poderia demorar. Para ele, a lentidão do processo era inaceitável. "Quanto mais tempo ele vai demorar?", rosnou Getulio, os olhos disparando de volta para a cama do neto. "Esses médicos dizem que ele está fora de perigo, mas ainda assim, ele não acorda." Belle, por outro lado, se comportava com a graça e obediência com as quais havia sido criada. Ela estava sentada ao lado da cama de Rafael, suas mãos pequenas e delicadas segurando uma das mãos dele com cuidado. Não havia expressão de desespero em seu rosto; ao contrário, Belle exalava calma e paciência. Seus olhos escuros estavam fixos em Rafael, acompanhando cada pequena mudança em sua respiração, cada mínimo movimento. Ela sabia que a vida de Rafael havia sido salva, mas, como os médicos haviam alertado, ainda havia o risco de sequelas. Eles só descobririam o verdadeiro estado de Rafael quando ele finalmente abrisse os olhos. Se ele os abrisse. A possibilidade de Rafael não voltar do coma havia sido mencionada com seriedade. O coágulo retirado de seu cérebro era grande e pressionava áreas importantes, incluindo o nervo óptico. Qualquer dano nessa região poderia ser devastador. Getúlio, é claro, recusava-se a aceitar tal resultado. Ele havia ordenado aos médicos que fizessem o impossível, que utilizassem os melhores recursos, e não toleraria falhas. Enquanto Belle mantinha sua postura serena e Getúlio continuava a reclamar, no fundo da mente de Rafael algo estava acontecendo. Ele não estava completamente inconsciente, embora sua mente parecesse presa em um lugar escuro e profundo. Era como se ele estivesse submerso em um rio escuro, de águas lamacentas. Ele sentia como se lutasse contra algo, como se algas o envolvessem e tentassem mantê-lo no fundo. Mas, determinado, ele lutava para subir, para emergir. Sua vontade de voltar à superfície era instintiva, uma necessidade visceral de respirar novamente, de sentir o mundo à sua volta. Com o passar do tempo, ainda de olhos fechados, Rafael começou a se dar conta de pequenas coisas. Primeiro, ele sentiu o toque de uma mão sobre a sua, uma mão pequena, macia e quente. Esse toque parecia ancorá-lo de alguma forma, trazendo-o de volta lentamente para a realidade. Mesmo sem abrir os olhos, ele podia sentir a presença de alguém ao seu lado. Era um toque reconfortante, quase familiar, embora ele não soubesse exatamente quem estava ali. Estranhamente, a imagem da enfermeira com os grandes olhos verdes veio à sua mente. A lembrança dela, com seu rosto suave e seus olhos que ele havia vislumbrado apenas por um instante, o fez desejar saber mais sobre ela. Quem era aquela mulher? Como se chamava? Era uma pena não ter perguntado o nome dela, pensou ele, enquanto sua consciência flutuava entre a escuridão e a luz. Então, um som familiar o trouxe ainda mais para a superfície: o resmungo grave de seu avô. Getúlio, sempre impaciente, sempre presente, mesmo quando Rafael preferia distância. Ele sabia que a única maneira de Getúlio ir embora, de voltar para a Itália e deixá-lo em paz, era acordar. Ele não podia adiar mais. Por mais que sua relação com o avô fosse marcada por uma mistura de amor e ressentimento, Rafael sabia que a única coisa que acalmaria Getúlio seria vê-lo abrir os olhos. A relação de Rafael com seu avô sempre fora complicada. Getúlio havia sido uma figura de poder e controle em sua vida, moldando muitos de seus caminhos e decisões. Embora Rafael o amasse e respeitasse, havia também uma constante sensação de sufocamento. O desejo de manter distância, de criar seu próprio caminho longe da sombra do avô, era algo que sempre existira em sua mente. Mas agora, naquele momento, ele sabia que precisava acordar. Se não por ele mesmo, pelo menos para tranquilizar Getúlio e fazê-lo voltar para a Itália, onde ele não teria tanto controle sobre sua vida. Respirando fundo, Rafael começou a preparar-se para o que sabia que viria a seguir. Era como se sua mente e corpo estivessem em sintonia novamente, e ele sentiu o peso familiar de seu corpo na cama, o ambiente ao seu redor se tornando mais claro em sua percepção. Ele podia ouvir o leve zumbido dos aparelhos, o som suave da respiração de Belle ao seu lado e, claro, os resmungos incansáveis de Getúlio. Finalmente, Rafael respirou fundo, sentindo que o momento de abrir os olhos estava se aproximando. Ele sabia que o que o aguardava do lado de fora daquele sono profundo poderia ser incerto, mas estava pronto. Afinal, o que mais ele poderia fazer? Rafael estava à beira de abrir os olhos, sentindo o mundo ao seu redor se tornar mais nítido. Ele sabia que precisava acordar, sabia que Getúlio estava ali, esperando por ele, e que o seu despertar era inevitável. Mas, por algum motivo, ele protelava. Talvez fosse o resquício da briga interna entre sua necessidade de tranquilidade e o incômodo que a presença constante do avô trazia. Aquele momento de paz, mesmo na escuridão, era algo que ele queria esticar por mais alguns segundos. Os resmungos impacientes de Getúlio, no entanto, continuavam preenchendo o quarto, como sempre. Finalmente, Rafael soltou um suspiro baixo, quase imperceptível, e, sem abrir os olhos, murmurou com a voz rouca e fraca: "Vovô, sua voz está me dando dor de cabeça." Por um instante, um silêncio ensurdecedor tomou conta do quarto. Era como se o mundo tivesse parado de girar, e o único som que restava era o bip rítmico dos aparelhos que monitoravam seus sinais vitais. O silêncio foi tão denso que Rafael quase se arrependeu de ter falado. Ele podia sentir a atenção dos dois — Gertulho e Belle — voltada completamente para ele. De repente, como se a tensão tivesse sido cortada com uma faca, Belle se lançou sobre ele, lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto ela soluçava desesperadamente: "Ah, Rafael, eu senti tanto medo", disse ela entre lágrimas, sua voz embargada de alívio e emoção. Rafael gemeu de dor. O movimento brusco de Belle, junto com seu toque insistente, fez com que a dor em seu corpo se intensificasse. Sua cabeça latejava, e os músculos rígidos protestavam contra o súbito contato. "Menina, não seja i****a", a voz autoritária de Gertulho cortou o ar. "Ele está ferido. Se comporte." Belle se recompôs imediatamente, afastando-se de Rafael, enxugando as lágrimas com as costas das mãos. Mesmo sem abrir os olhos, Rafael podia sentir a vergonha e o constrangimento na postura dela. Aquele era o tipo de reação que Getúlio esperava — controle absoluto, sem espaço para fraqueza. Rafael soltou outro suspiro baixo, tentando ignorar a dor e a rigidez de seus músculos, preparando-se mentalmente para o que estava por vir. Ele sabia que o momento de abrir os olhos era inevitável, mas não queria lidar com isso agora. Ainda assim, o silêncio se prolongava, e então ele ouviu a voz grave e imponente de Gertulho novamente, agora com um toque de desafio. "E aí? Não vai olhar para o seu avô?"
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