Micaela Sánchez, sentiu na pele o que era ser deixada para trás ainda na sua infância, a primeira vez que lhe vivaram as costas ela tinha apenas 8 anos, Micaela sentiu cedo o peso da rejeição e do abandono seus pais a deixaram plantada na frente do orfanato Madre Constantino, largada como uma mercadoria com defeito ao qual o fabricante pudesse descartá-la.
Os anos que viveu dentro daquelas paredes sem cores e opacas, Micaela sentiu, mas uma vez, a dor de ser deixada. Sua única amiga foi adotada. Layla era uma garota alegre e cheia de sonhos, sonhos que eram compartilhados entre ambas na calada da noite, duas garotas que sonhavam além das paredes do orfanato.
— Layla e eu adorávamos cozinhar e falávamos todas as noites em abrir um restaurante com preços acessíveis para a comunidade. O sonho de duas garotas ingênuas demais! E sonhadoras como dois pássaros prestes a alçar voo.
Mas a realidade atingiu Micaela e Layla foi adotada, e Micaela, mas uma vez, estava sozinha com os barulhos noturnos sussurrantes que lhe diziam constantemente: “Ninguém nunca, vai querer você”.
Micaela tentava ignorar as vozes, mas elas eram persistentes, ecoando em sua mente como um lamento sem fim. O orfanato, com suas paredes frias e janelas empoeiradas, era um lugar onde os sonhos pareciam se desvanecer. Cada novo casal que visitava o local a fazia sentir uma expectativa intensa, seguida pela desilusão quando os olhares se desviavam dela, buscando outra criança.
Ela se agarrava às pequenas coisas: um livro velho encontrado na biblioteca empoeirada, os momentos em que ajudava a cozinhar na pequena cozinha do orfanato. Nesses momentos, Micaela se sentia um pouco menos invisível. Mas ao cair da noite, quando a solidão se tornava insuportável, as lembranças da rejeição voltavam, mais vívidas e dolorosas.
Certa noite, enquanto os outros dormiam, Micaela decidiu explorar o sótão do orfanato, um lugar que sempre a fascinou. A luz da lua entrava por uma pequena janela, iluminando caixas cobertas de poeira. Dentro delas, encontrou objetos esquecidos, brinquedos quebrados e cartas amareladas, vestígios de vidas que haviam passado por ali.
Entre os objetos, uma caixa pequena chamou sua atenção. Ao abri-la, Micaela encontrou um diário. As páginas estavam em branco, mas algo naquele caderno a fez sentir uma onda de esperança. Era como se aquele diário a estivesse chamando, prometendo um espaço onde ela poderia escrever sua própria história, longe das vozes de rejeição.
A partir daquele dia, Micaela começou a escrever. A cada página preenchida, ela dava vida a seus sentimentos, suas dores e suas esperanças. O diário se tornou seu confidente, um lugar onde podia expressar o que realmente sentia, sem medo de ser julgada. Com o tempo, a escrita se tornou uma forma de resistência. Através das palavras, ela começou a acreditar que, mesmo se os outros não a quisessem, ela ainda tinha o poder de criar sua própria narrativa.
Enquanto os anos passavam, Micaela crescia. As visitas ao orfanato diminuíam, mas em seu coração, uma nova determinação surgia. Ela não seria definida pelo abandono; ao invés disso, ela se tornaria a autora de sua vida, capaz de moldar seu futuro.
Quando completasse 18 anos, Micaela tomaria uma decisão corajosa: deixaria o orfanato e partiria em busca de um lugar onde pudesse se sentir completa.
Querido diário. (Esperança)
Esperança, e o seu nome diário, todos os anos eu mudo, me perdoe por isso. Você já teve, mas nomes do que posso imaginar ou contar.
—MÃE, PAI, FAMÍLIA, AMOR, TRISTEZA, SOLIDÃO, ALEGRIA, ABANDONO e ADOTADA!
Sou muito grata por me ouvir e grata pela Madre Maria, que me compra diários e canetas, tenho tantas que posso me demoninar uma colecionadora, não sei como suportaria viver sem escrever além das linhas azuis.
E agora, Esperança, amanhã completarei 18 anos, e não consigo conter a mistura de emoções que me invade. A expectativa é alta, mas, ao mesmo tempo, sinto um frio na barriga. O mundo além dessas paredes é desconhecido, e não posso deixar de pensar nos medos que me assombram. O que acontecerá comigo? Será que serei capaz de enfrentar tudo isso sozinha?
Durante todos esses anos, sonhei com uma família que me aceitasse, que visse além da minha aparência diferente. Um olho azul como o céu e outro n***o como a noite... Às vezes, sinto que esses olhos contam minha história: um reflexo da luz e da escuridão que sempre carreguei dentro de mim.
No orfanato, aprendi a esconder minhas vulnerabilidades, a ser forte. Mas agora, à véspera da minha liberdade, percebo que ser forte não significa não sentir. Ao contrário, é aceitar as inseguranças e ainda assim seguir em frente.
Espero que, ao sair daqui, encontre alguém que veja beleza em minha singularidade. Quero acreditar que existe um lugar onde eu possa pertencer, onde serei amada por quem sou, não apenas pela aparência. Amanhã, ao soprar as velas do meu bolo, farei um pedido: que a vida me surpreenda de maneira doce e que eu encontre meu caminho, mesmo que ele seja repleto de desafios.
Hoje, escrevo essas palavras como um lembrete de que, apesar do medo, estou pronta para escrever um novo capítulo da minha vida. Que comece a jornada!
Com esperança e amor, de um futuro brilhante.
Micaela.
Assim, com seu diário debaixo do braço e uma nova perspectiva, ela deu os primeiros passos em direção a pequena cama com lençóis velhos e desgastados, aquele orfanato parecia ter sido esquecido pela sociedade, a verba já não entrava e as crianças que ali chegavam não tinham os cuidados mínimos não em requisito carinho, mas na necessidade como alimentos e medicamentos.
Necessidades básicas de sobrevivência de um ser humano , carinho, atenção e aconchego não matam a fome real, a fome que dói e faz a barriga roncar e estremecer.
Micaela fecha os olhos e viajar no mundo dos sonhos. A expectativa que os seus 18 anos lhe trarão, é uma pergunta que ela descobrirar assim que seus pés pisarem fora do Orfanato Madre Constantino.
Continua...