Capítulo 02

1471 Words
Clara Oliveira 20 de outubro de 2023 | São Paulo, Brasil  O som do despertador me arrancou de um sonho agitado. Acordei com o coração disparado, ainda meio perdida entre as imagens desconexas que haviam povoado minha mente durante a noite. Leonardo estava lá, claro. Ultimamente, parecia impossível tirar aquele homem da minha cabeça. Suspirei, sentando na cama e passando a mão pelos cabelos desgrenhados. Era apenas uma semana desde aquele jantar, mas parecia que minha vida tinha virado de cabeça para baixo. Pedro estava cada vez mais presente, mais carinhoso, e eu? Eu me sentia uma impostora, fingindo que nada tinha mudado, que aquele jantar não tinha deixado uma marca profunda em mim. Eu tentava ser racional. Ele é o pai do meu namorado. Essa frase ecoava na minha cabeça toda vez que a imagem de Leonardo surgia, o que acontecia com mais frequência do que eu gostaria de admitir. Na faculdade, durante as aulas, enquanto tomava café com as amigas... Era como se ele estivesse em todos os lugares, mesmo estando tão longe. — Clara! — Minha colega de apartamento, Luísa, bateu na porta. — Você vai se atrasar se não sair da cama agora! — Já tô indo! — gritei de volta, me arrastando até o banheiro. Eu não podia me dar ao luxo de perder a cabeça agora, ainda mais com a semana de provas se aproximando. Me vesti rapidamente e desci para tomar café. Luísa estava na cozinha, como sempre, com o celular em uma mão e uma torrada na outra. — Noite difícil? — ela perguntou, levantando uma sobrancelha ao ver minha cara amassada. — Nem me fale... — murmurei, servindo-me de uma xícara de café. Se ela soubesse o que estava acontecendo na minha cabeça, provavelmente me diria para procurar ajuda psicológica. E talvez estivesse certa. — Alguma coisa com o Pedro? — A preocupação no rosto de Luísa era genuína, o que só aumentava minha culpa. Ela sabia o quanto eu gostava dele, ou pelo menos pensava que sabia. — Não... Quer dizer, tá tudo bem com ele. Só... Coisas da faculdade, sabe? — menti, tentando dar um sorriso tranquilizador. — Sei como é, semana de provas é um inferno. — Ela voltou a atenção para o celular, me dando um alívio temporário. O dia passou em um borrão de aulas e conversas superficiais. Tudo que eu fazia parecia automático, como se meu corpo estivesse no controle, enquanto minha mente vagava por lugares que eu não deveria estar explorando. A última aula do dia foi com o professor Mauro, que tinha a habilidade especial de transformar qualquer assunto interessante em uma palestra monótona. Era um tédio só, mas eu estava grata por isso. Pelo menos ali, minha mente não tinha espaço para vagar. Quando saí da sala, Pedro estava me esperando do lado de fora. Ele sorriu ao me ver, aquele sorriso que sempre me fazia sentir segura, mas que agora trazia uma pontada de culpa. — Ei, amor, como foi o dia? — ele perguntou, me puxando para um abraço. — Cansativo... — murmurei contra seu peito, tentando aproveitar o conforto que ele me oferecia. — Quer fazer algo diferente hoje? Podemos sair para jantar, ou ver um filme. Que tal? — Ah, eu adoraria, mas tô tão exausta. Acho que só vou para casa e estudar um pouco. — Tudo bem, eu entendo. — Ele me deu um beijo na testa, como sempre fazia quando queria mostrar que estava ali para o que eu precisasse. — Se precisar de ajuda, me liga, tá? — Pode deixar. — Sorri, sentindo um peso no peito. Pedro era incrível, e eu me odiava por estar tão distante, por ter aqueles pensamentos sobre outra pessoa, ainda mais sobre seu pai. Enquanto voltava para casa, o telefone tocou. Era Pedro, como sempre, checando se eu tinha chegado bem. Conversamos um pouco, e, como sempre, ele foi doce e atencioso. Mas, em vez de me sentir melhor, me senti ainda mais dividida. Eu o amava, não havia dúvida disso, mas como poderia explicar a mim mesma essa atração inexplicável por Leonardo? Já em casa, me joguei no sofá e tentei estudar. Os livros estavam abertos na mesa de centro, mas as palavras não faziam sentido. Tudo o que eu conseguia pensar era na última vez que vi Leonardo. O jeito como ele me olhou, como se pudesse ver através de mim... Isso estava me deixando louca. — Clara, o Pedro tá aí? — A voz de Luísa me arrancou dos meus pensamentos. — Não, ele deve estar ocupado com o trabalho — respondi, sem levantar os olhos dos livros. — Que estranho... pensei que ele tinha dito que ia passar aqui. Isso era novidade. Eu não lembrava de ter combinado nada, mas também, minha cabeça estava uma bagunça, então era possível que eu tivesse esquecido. Alguns minutos depois, a campainha tocou. Luísa correu para atender, e eu ouvi sua voz animada. — Clara, tem uma surpresa pra você! Levantei-me, curiosa, e caminhei até a porta, esperando ver Pedro com um sorriso e talvez algumas flores na mão. Mas quando cheguei à porta, quem estava ali era Leonardo. Meu coração disparou, e eu fiquei completamente sem reação. Ele estava impecável como sempre, usando um terno escuro que o fazia parecer ainda mais imponente. — Clara, desculpe aparecer sem avisar, mas estava por perto e pensei em passar para pegar uns documentos com Pedro. — Sua voz era firme, mas havia uma suavidade nela que eu não esperava. — Ah... claro... — gaguejei, tentando esconder o choque. — Ele está? — Leonardo perguntou, olhando ao redor como se esperasse ver o filho surgir a qualquer momento. — Não, ele... ele deve estar no escritório. — Minha mente estava em um turbilhão, tentando entender o que ele estava fazendo ali. — Entendo. Vou ligar para ele então. — Ele tirou o celular do bolso e começou a discar, mas eu não conseguia parar de olhar para ele, hipnotizada pela sua presença. Quando ele terminou a ligação, olhou para mim com uma intensidade que fez minhas pernas ficarem fracas. — Ele pediu para eu esperar aqui até que ele volte. Você se importa? — Claro que não... Pode entrar. — Meu coração batia tão rápido que eu temia que ele pudesse ouvir. Leonardo entrou, e Luísa, percebendo o clima estranho, se despediu rapidamente, dizendo que tinha um compromisso. Agora estávamos sozinhos, e o ar parecia mais denso do que antes. — Quer um café? — perguntei, desesperada para quebrar o silêncio que se formava entre nós. — Aceito, obrigado. Fui até a cozinha, tentando me concentrar na tarefa simples de fazer café, mas minhas mãos tremiam levemente. Leonardo estava na sala, e eu podia sentir sua presença, mesmo sem vê-lo. Quando voltei com as xícaras, ele estava sentado no sofá, folheando um dos meus livros. — Literatura clássica? — ele perguntou, sem levantar os olhos do livro. — Sim, é para a faculdade... — respondi, sentando-me na poltrona oposta a ele. — Sempre achei que os clássicos têm uma maneira única de nos fazer refletir sobre nossas próprias vidas. — Ele fechou o livro e me olhou com aqueles olhos penetrantes, fazendo meu estômago dar voltas. — É verdade... — respondi, minha voz soando mais fraca do que eu gostaria. O silêncio se instalou novamente, mas dessa vez, parecia cheio de coisas não ditas. Meu coração estava em um turbilhão de emoções, e eu sabia que não podia continuar assim. Mas como lidar com o fato de que, a cada minuto que passava, eu me sentia mais atraída por ele? Antes que eu pudesse formular uma resposta, a porta se abriu e Pedro entrou, trazendo consigo uma energia leve que quebrou a tensão do ambiente. — Pai! — ele exclamou, surpreso ao ver Leonardo. — Não sabia que você vinha hoje. — Passei para pegar uns documentos, mas já estou de saída. — Leonardo se levantou, seu olhar rapidamente cruzando o meu antes de se voltar para Pedro. — Vejo você amanhã no escritório. — Claro, te vejo amanhã. — Pedro respondeu com um sorriso. Leonardo acenou e se despediu, mas antes de sair, seus olhos encontraram os meus uma última vez, deixando-me com uma sensação de que algo maior estava por vir. Depois que ele saiu, Pedro se jogou no sofá ao meu lado, me puxando para perto. — Tudo bem, amor? — ele perguntou, percebendo meu silêncio. — Sim... só cansada. — Menti, como tantas vezes fiz nos últimos dias. Mas enquanto Pedro falava sobre o dia dele, minha mente estava longe, pensando em Leonardo e em como minha vida se complicou desde aquele jantar. E mais do que nunca, eu sabia que estava caminhando em uma linha muito tênue, uma linha que podia se romper a qualquer momento.
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