Minha vida na outra vida

9 - Teimosia

A manhã raiou e eu já estava de pé. Apesar do corpo clamar mais um pouco de descanso. Eu estava ansiosa, não conseguiria ficar na cama mais tempo.

Fui direto para a cozinha ver se Conceição já havia preparado o café. E estava tudo pronto e posto em cima da mesa. Café fresquinho, frutas, suco e pães. Parecia essas mesas de casa de gente rica.

Chamei por Conceição, mas nada dela. Procurei pelos outros cômodos da casa e nada. Abri a porta da frente e fui olhar lá fora. Ouvi o som do riacho novamente.

A vontade de ir até lá era gigantesca. Tanto que me peguei caminhando na direção daquele som. Devia estar bem perto quando senti uma mão repousar em meu ombro. Isso fez com que eu parasse rapidamente.

_ Você não deveria estar aqui! Não ainda.

_ Conceição! Eu fui te procurar, eu juro! Mas quando ouvi o som do riacho, me vi andando na direção dele.

_ Ele vai te atrair sempre. Assim como todas as grandes tentações. A mente humana é curiosa. Quando existe tentação, m*l conseguem se manter firmes. São poucos os que conseguem, na verdade.

_ Mas por que eu me sinto tão atraída por esse riacho?

_ Tudo a seu tempo. Por hora, vamos voltar. Você precisa tomar seu café.

Conceição era sempre tão gentil e bondosa. Mas eu precisava de respostas.

Enquanto caminhava de volta para a casa da floresta, pensava no tempo que já estava lá. Eu sei que ali o tempo seria relativo. Mas eu ansiava por respostas e urgente.

Como se adivinhasse meus pensamentos, Conceição parou e me olhou de maneira séria. Era a primeira vez que eu via ela assim.

_ Rafaela a ansiedade é uma má companheira e uma amiga pior ainda. Se você não aprender a acalmar seu coração e sua mente, você não terá paz. Eu sei que quer respostas. E você terá. Mas precisa aprender a ouvir seu próprio coração para conseguir as respostas de que precisa.

_ Eu sempre fui tão ansiosa. m*l esperava para ver as coisas acontecerem. E criava várias expectativas em cima de todas elas.

_ E sempre se frustrava! É por isso que a ansiedade é uma má amiga e companheira. Ela te faz pensar em mil possibilidades para que o outro haja exatamente como você deseja. E jamais vai ser assim. Talvez uma ou outra vez de certo. Mas quase sempre, você vai se frustar. O outro não tem obrigação de realizar nossos desejos.

Eu me calei. Fiquei absorvendo tudo aquilo que ela disse. Conceição tinha razão. Como sempre. Ter ansiedade é esperar que o outro faça e haja exatamente como queremos. E, se demora, vamos lá e fazemos nós mesmos. Depois, vivemos com a frustração achando que o outro não nos ama ou não se importa o suficiente.

Não do jeito que pensamos. Mas é não mesmo. Nunca é do jeito que pensamos. Mas isso não significa que o outro não nos ame ou se importe com tudo que ele possui e é.

Entramos na casinha e fui direto para a cozinha tomar meu café. Fiz toda a refeição em silêncio, ainda pensando nas coisas que Conceição me disse.

Ela percebeu e ficou em silêncio. Conceição já havia me dito que eu precisava dominar meus pensamentos e meus sentimentos. Eu ainda não havia nem tentado.

Como faria se não começasse a agir e logo? Havia muito mais sobre meus sonhos a descobrir. Mas era hora de dominar a mim mesma.

_ Terminou? - Conceição me olhava com um sorriso. Ela estava de pé já, encostada na pia da cozinha.

_ Sim! Estava tudo ótimo, obrigada!

_ Não falei do café. Olhe, eu já tirei a mesa e você nem percebeu! Perguntei se terminou com seus pensamentos. Rafaela, venha comigo, por favor!

Ela saiu na direção oposta ao barulho do riacho. Caminhou por pouco tempo até que eu não ouvi mais a água. Ali havia apenas o barulho dos pássaros e de alguns insetos.

Estávamos em um belíssimo jardim. Daqueles que fariam inveja em qualquer pessoa rica. Mas, de repente, eu não ouvi mais o barulho dos animais ali.

Era como se não ouvisse mais nada. Me preocupei. Parecia que eu estava surda. Olhava em volta e não havia som de nada. Tentava me concentrar e, nada.

Só pensava em como eu faria para ouvir novamente. O que estava acontecendo comigo! Nem mais a beleza do jardim, eu via.

Estávamos em plena luz do dia e nada de eu ouvir um som sequer. Nem mesmo a voz de Conceição.

Eu olhei para ela e ela parecia estar falando, mas eu não ouvia e não entendia. Já estava ficando desesperada quando senti as duas mãos de Conceição irem diretamente para meu rosto.

Ela segurou minhas bochechas como se quisesse me passar calma. Aí eu entendi que eu deveria me acalmar.

Ela respirava profundamente como se quisesse me ensinar a fazer o mesmo. E eu a segui. Deixei meus pensamentos de lado e passei a respirar profundamente.

Fechei meus olhos e apenas senti as mãos de Conceição em meu rosto. Não levou mais que alguns instantes para que o barulho dos pássaros e dos insetos voltasse.

Procurei manter assim minha mente. Apenas ouvindo, sem me concentrar em pensamento algum.

Por mais que viessem a minha mente vários pensamentos e perguntas sobre o que teria acontecido. Eu não me concentrava em nenhum. Apenas no sentido de ouvir.

Foi então que Conceição resolveu falar.

_ Abra os olhos, minha filha! Isso que te aconteceu foi apenas uma amostra de como é viver dentro de você e do quanto você mesma atrapalha o seu caminho. Não é preciso que ninguém te fale nada. Você mesma faz as coisas por você. Você chegou aqui observando a beleza do lugar e tudo que podia ver e ouvir. De repente, sua mente e seus pensamentos começaram a sair do seu controle e você não ouviu mais nada. Apenas o barulho constante e incessante da sua cabeça. Apenas quando se dominou e dominou seus pensamentos fazendo com que eles passassem sem deixar marcas, quando se concentrou em seus sentidos, foi que ouviu novamente. Assim é na vida. Se não aprender a ouvir, jamais vai conseguir entender nada. Você vive no labirinto que sua mente e seus pensamentos criam. Isso não é vida! Isso não é viver. É apenas existir, sem contemplar de verdade a beleza que existe na criação!

Eu entendi absolutamente cada uma daquelas palavras. E, pela primeira vez, apenas fiquei absorvendo tudo aquilo. Como se cada palavra fosse um doce saboroso que deveria ser apreciado até o fim.