**Capítulo 2 - Yan Narrando**
Eu desço as escadas e encontro minha mãe na cozinha, debruçada sobre a mesa, onde estão espalhadas fotos antigas minhas e de Antônio. O olhar dela é um misto de tristeza e nostalgia, fixo nas imagens que falam de um tempo distante e de um filho que, apesar de todos os erros, nunca deixou de ser seu filho.
— Você poderia pelo menos descobrir onde está o corpo dele enterrado para mim? — Ela fala, a voz embargada pelo choro contido. — Ele era seu irmão. Deveria pensar em mim, na dor que eu sinto.
Eu olho para ela, a raiva e a dor misturando-se dentro de mim.
— Ele sempre te humilhou — eu respondo, tentando não deixar a frustração transparecer. — Quando você foi atrás dele na escola onde ele trabalhava, ele te tratou como um lixo. Você mesmo disse que o viu saindo com a esposa, e ele nem te apresentou a ela.
— Mas ele também é meu filho, Yan. Eu o amo da mesma forma que te amo. Um filho pode deixar de amar sua mãe, mas uma mãe jamais deixará de amar um filho — Ela fala, a voz cheia de desespero. — Eu te peço, pelo menos o corpo, para que eu possa dar um enterro digno a ele.
Eu olho para ela, meu coração apertado.
— Vou tentar descobrir algo, mas não te prometo nada. — Eu falo, a frustração evidente na minha voz. — Já se passaram meses desde a morte dele e nunca mais ouvimos nada.
— Yan, você sabe onde ele está. — Ela me encara intensamente. — Eu sinto que você sabe.
— A única coisa que eu sei é o que todos sabem, o que vimos nas reportagens e ponto final. Antônio sempre humilhou o morro e a senhora. Nunca deu valor à família, nunca procurou informações sobre nós. Só estou indo atrás disso por sua causa. Para você ter uma noção, nem para a esposa, que nem sabemos quem é, porque ele nunca teve coragem de te apresentar a ela, deve saber da nossa existência.
— Obrigada, Yan — Ela diz, a voz cheia de um misto de gratidão e tristeza. — Eu sei que seu irmão não valia nada, mas ambos são meus filhos. — Eu aceno com a cabeça, aceitando o peso das palavras dela.
— Vou para a boca, preciso resolver um carregamento que está chegando — digo, preparando-me para sair. — Volto para o jantar.
Eu entro na boca e encontro Pedro e Caio conversando. Pedro tem um envelope na mão, o olhar sério e preocupado.
— Difícil te ver por aqui, Pedro — eu digo, tentando aliviar o clima. — Sua mulher te liberou? Sempre preso na gaiola.
— Vim trazer a ficha da professora e da nova moradora — Pedro responde, a voz neutra. — Ela perdeu o marido e parece que precisa respirar novos ares.
— Ah, entendi — Caio diz, rindo. Pedro me entrega o envelope, e eu olho para a ficha. A foto da professora e seu nome não me são estranhos, mesmo que eu não saiba exatamente por quê. Fico encarando a foto por alguns segundos até que Caio me chama de volta à realidade.
— Já se apaixonou? — Caio ri. — A professora é bonita, vi ela mais cedo na escola. Loira, cabelos longos, olhos verdes. Uma mulher muito atraente.
— Não me apaixono tão fácil. Aliás, posso dizer que me apaixono por todas aqui dentro — eu respondo, rindo também. A atmosfera descontraída me ajuda a escapar um pouco dos pensamentos pesados.
— Só pega, mas não se apega — Pedro ri junto.
— Preciso de ajuda — eu falo, voltando ao assunto sério. — Minha mãe quer saber onde o corpo de Antônio está enterrado, se é que ele está enterrado em algum lugar.
— Achei que você não iria atrás disso — Caio observa. — Mudou de ideia?
— Minha mãe quer saber — eu digo, olhando fixamente para Pedro. — Não posso negar esse pedido a ela. Entendo que é filho dela também e que ela está sofrendo com a perda.
— Se eu encontrar qualquer informação sobre ele — Pedro diz, com um tom de seriedade. — Eu te passo na mesma hora. Mas não posso garantir nada, mas vou tentar.
— Valeu, Pedro, confio em você! — Eu agradeço, sentindo um peso sendo tirado dos meus ombros, mesmo que apenas um pouco.
Pedro sai para resolver suas questões, e Caio segue com suas tarefas. Eu olho para a ficha da professora, o nome e a foto ainda me causando uma estranha sensação de déjà-vu. Seus olhos, de alguma forma, me parecem familiares, como se eu já tivesse cruzado com eles antes.
Saio da boca e dou uma volta nas imediações da escola, tentando avistá-la pessoalmente. Mas o burburinho dos alunos entrando e saindo é tudo o que encontro. Uma sensação inquietante permanece, e algo me diz que preciso descobrir mais sobre essa professora, sobre o motivo pelo qual seus olhos despertam em mim uma sensação de reconhecimento.
Vou voltar aqui para investigar mais, por enquanto, a inquietação me segue.