Capítulo 2

2862 Words
Eu acordei às seis da manhã no dia seguinte com New Rules da Dua Lipa martelando na minha cabeça como o sino da capela cistina e eu me forcei a sair da cama pra desligar aquele inferno, antes que minha cabeça resolvesse pular do pescoço. Maldita tequila! Tomei um longo banho quente e fui para o meu closet me arrumar. Coloquei uma calça social preta, uma blusa perolada de botões e um sapato preto envernizado de salto. Deixei meus cabelos soltos e fiz uma maquiagem leve. Peguei meu sobretudo marfim, minha bolsa e desci, meu destino era a cozinha. Onde eu sabia que Joana já me esperava. Assim que desci um cheiro de café me invadiu e minha cabeça pareceu latejar mais ainda. - Bom dia, menina. - Joana disse assim que me viu entrar na cozinha. - Preciso de um analgésico forte, Jo. - falo e me sento em um banco em frente ao balcão. - Me desculpa... bom dia. - sorri pra ela. Ela balançou a cabeça enquanto ria e andou em direção a porta. - Vou pegar o remédio. Tome seu café. - disse já saindo da cozinha. Eu me servi com uma caneca de café e duas torradas. Isso seria o suficiente para me manter em pé e ao mesmo tempo não me fazer vomitar na frente de todo mundo, no meu primeiro dia de trabalho. - Cristo! - ouço a voz de Alice e olho para a porta. - Parece que lutei com um rinoceronte a noite toda. Eu gargalhei, quase me engasgando com a torrada que eu mastigava. - Você está h******l! - falei o óbvio. Alice estava com o cabelo embolado no topo da cabeça, com uma roupa qualquer e seus olhos m*l abriam, porque ela não parava de coçá-los. - Obrigada. - ela sorriu sem humor algum e sentou-se ao meu lado. Empurrei a garrafa de café na sua frente, ela pegou e se serviu em uma das xícaras que ficavam penduradas em um suporte no balcão. - Como você consegue estar assim às seis e meia da manhã? - me perguntou e deu um gole em seu café. - Não estou muito melhor que você. - ela riu. - Porque está acordada a essa hora? Você nem está de plantão hoje. - Meu maldito sistema que se acostumou com essa m***a de horário. - disse irritada. Eu ri de novo. Alice era extrovertida, a mais animada das meninas da faculdade, por isso que vê-la de m*l humor era tão divertido. - Que boca mais suja, menina Alice. - Joana disse voltando a cozinha. - Toma menina Samantha, vou pegar água para você. - Alice murmurou um "foi m*l aí, Joana" me fazendo gargalhar de novo. Joana me entregou o comprimido e foi até a geladeira, serviu um copo de água e me entregou. - Preciso contar uma coisa pra vocês. - disse assim que dei o último gole na minha água e coloquei o copo sobre o balcão. Alice se ajeitou no banco pra me olhar e Joana, que estava lavando a louça, se virou pra minha direção recostando-se na pia. - Sobre ontem? - Alice quis saber e eu assenti. - Ah meu Deus, você dormiu com o Kevin! Ela não me perguntou, ela afirmou. Da onde ela tirava essas teorias? Estava vendo CSI demais, só pode. - Está maluca, Alice? - esbravejei. - Você viu quando saí sozinha do bar. Ela colocou o dedo indicador no queixo, talvez pensando e tentando se lembrar da noite passada. Coitada. - Sim, é verdade. - ela finalmente disse. - Mas ele saiu logo depois e acho que gostou de você. Eu revirei os olhos mordendo mais um pedaço da minha torrada. - Deveria dar uma chance a ele. - ela assentiu. - Ele é um cara legal, sem contar que metade do hospital daria o braço direito pra t*****r com ele. - ela riu. - Ele é quente. - Menina! - Joana a repreendeu e ela murmurou um "desculpa, Joana" de novo. - Eu fico bem confortável em ver que você me empurra para um cara que já dormiu com metade do hospital. - nós rimos. - Obrigada, Alice. Ele deu de ombros os sacudindo com desdém enquanto murmurava um "mas ele é gostoso ué". - Nos diga o que queria falar, menina Samantha. - Joana veio até nós e se encostou no balcão. - A menina Alice não vai mais te interromper, né menina Alice? - perguntou a olhando. Alice assentiu a olhando por cima da xícara. - Bom... - comecei e me ajeitei no banco, esticando minha coluna. - Lembram daquele meu namorado do colegial? Joana se sobressaltou com a menção da pessoa em questão e Alice deu um pulo no banco. - O... - eu a cortei antes que pronunciasse o nome do maldito. - ALICE! - gritei. Ela levou a mão no peito e gritou junto comigo. - p**a que pariu, Sam! Que susto! - ela disse exasperada. - Caramba! Você sabe que o nome dele é proibido. - a lembrei irritada. - E você quase falou. Não podemos falar coisas ruins em casa, atrai. - Desculpa, que m***a. - ela pediu chateada. - Esqueci, credo... - Continua menina. - Joana pediu se aproximando mais. - O que tem esse bastardo? Eu ri. Joana era cristã e não xingava ou desejava m*l a ninguém, mas me lembro bem a vontade que ela teve de matá-lo quando ele me destruiu por inteiro. Não é à toa que ela era como uma mãe pra mim. Só uma mãe faria o que ela fez e faz por mim até hoje. - Eu o vi ontem. - mordi meus lábios com agonia. - Lá no bar. - fitei Alice. - Você não me disse nada. - ela disse surpresa. - Eu estava indo embora. - expliquei. - Ele estava entrando com uma mulher, acho que era namorada dele. Elas ficaram em silêncio alguns minutos até Joana o quebrar. - E você está bem com isso, menina? - a mão da Joana pouso sobre a minha em cima do balcão e ela a afagou. - Acho que sim. - eu assenti. - Sei lá, foi esquisito vê-lo depois de tanto tempo. - Porque você ainda o ama. - Alice suspirou me olhando com pesar. Fiz uma carranca pra ela. Como ela tinha a audácia de pensar uma coisa dessa? - Não seja absurda Alice. - pulei do banco irritada. - Você não vai querer me irritar logo hoje, não é mesmo? - Samantha. - Joana estava me repreendendo. Quando ela estava séria me chamava só de Samantha. - Tenho certeza que não foi isso que ela quis dizer, não é menina Alice? Alice deu de ombros e desceu do banco. - Você precisa de alguém, Sam. - ela disse triste, provavelmente pela nossa pequena discussão. - Alguém que te faça esquecer seu passado, de verdade. - ela deu um beijo na minha bochecha. - Boa sorte no trabalho hoje. Alice saiu da cozinha, tenho certeza que está chateada comigo, mas ela precisa parar com essas teorias fantasiosas onde todo mundo se ama ou está transando. Não estamos mais na faculdade. Não devemos mais ser inconsequentes, devemos medir as coisas, até porque sabemos o que é certo e o que é errado. E pensar naquele i****a, definitivamente, não é certo. Muito menos dizer que ainda tenho algum sentimento por ele. Sentimentos bons, claro. Os ruins tenho todos, sentimentos esses que me fazem querer arrancar suas unhas com alicate quente. Misericórdia! - Perdoe a menina, filha. - Joana disse quando me abraçou. - Ela quer seu bem. Retribuo o abraço e pego minha bolsa. - Preciso ir. - falei olhando meu relógio de pulso. - Tenho vinte minutos pra chegar ao hospital. Dei um beijo em sua bochecha e sai do apartamento em direção a garagem do prédio. Coloquei o endereço do hospital no GPS e durante o trajeto rápido fiquei tentando memorizar as ruas pra não depender mais da tecnologia para chegar ao trabalho. Estacionei meu carro na primeira vaga que achei, peguei minha bolsa e atravessei a rua. O prédio do grande John Hopkins era imenso, um complexo de prédios, na verdade. Tinha uma cor que lembrava tijolo e muitos vidros espelhados, que sob o sol com certeza dava pra cegar alguém. Respiro fundo e fecho meus olhos. Uma sensação boa percorre meu corpo e eu sinto que ali é meu lugar. Tirei meus cabelos de cima dos ombros, os ajeitando já que o vento havia os bagunçado e abri o sobretudo. Quando entrasse, provavelmente, eu o tiraria. Entrei no prédio principal, onde estava escrito emergência bem grande em cima da porta e me dirigi a recepção. - Com licença. - chamei atenção do homem que estava atrás do balcão. - Bom dia. - disse assim que ele se virou para mim. - Bom dia, senhorita. Em que posso ajudá-la? - seu sorriso era como ele, largo e sincero, com certeza não tinha menos que 1.90 e, provavelmente, uns 110kg. - Meu nome é Samantha Collins. - eu disse nervosa. - Hoje é meu primeiro dia de trabalho. O homem deu a volta do balcão e parou ao meu lado, estendendo sua mão pra mim. - Seja bem-vinda, Samantha. - apertei sua mão e ele deu um pequeno sacolejo. - Meu nome é Jerry, trabalho na recepção da emergência, vou te acompanhar até o auditório. Eu sorri em agradecimento e o segui quando começou a se mover. Eu olhava o hospital encantada com cada detalhe e tremi ao constatar o quanto a emergência era grande. Jerry me deixou em uma espécie de auditório, o agradeci assim que entrei no local e me sentei em uma das poltronas perto da porta. Havia umas 30 pessoas no local, o processo seletivo deve ter sido grande. Com certeza não tinha só enfermeiros aqui. - Bom dia. - uma mulher linda e ruiva disse ao microfone. Ela estava numa espécie de palco, apenas uns 30 centímetros mais alto que o chão. - Em primeiro lugar quero dar boas vindas a todos, sei que não foi fácil chegar até aqui. Ela puxou uma salva de palmas e todos que estavam presentes a seguiu. - Meu nome é Nicole Delyon, tenho 30 anos e sou diretora do programa de residentes e de novos contratados. - ela continuou. - Sou cardiologista e especialista no setor de hemodinâmica. Vamos fazer uma pequena chamada e quero que vocês se apresentem como eu fiz, tudo bem? Eu não podia estar mais nervosa. Nunca tive problema em falar em público, eu era ótima com oratória, mas aquela mulher me intimidava. Mesmo sabendo que ela não podia me ver da onde estava, ela me amedrontava. - Temos várias especialidades aqui. - ela disse. - Quando acabarmos as apresentações vocês deveram seguir o diretor da sua especialidade até o seu futuro local de trabalho. Alguma pergunta? Ninguém parecia ter dúvidas, pois ninguém se prontificou com a sua pergunta. Eles chamaram um por um e conforme o nome era chamado, a pessoa levantava e se apresentava, no seu próprio lugar. Minhas mãos suavam, provavelmente minha axila também. Eu não estava mais de sobretudo, ele agora estava jogado na poltrona ao meu lado, mas eu ainda estava sentindo um calor infernal. - Samantha Collins. - Nicole me chamou e me levantei num sobressalto. - Se apresente pra nós, Samantha. Limpei minha garganta e decidi não passar vergonha na frente dos outros. - Meu nome é Samantha Collins, tenho 22 anos. Sou enfermeira, recém-formada. Sou habilitada em ACLS pela associação americana de cardiologia e especialista em pacientes críticos. Sobrevivi... pensei me sentando novamente. Duas ou três pessoas ainda se apresentaram depois de mim. - Por favor, peço que os enfermeiros se juntem ao meu redor. - uma mulher n***a de meia idade pediu ao microfone. Acredito que seja a diretora da enfermagem. Logo em seguida as diretoras das outras especialidades também se pronunciaram. Peguei minha bolsa e meu sobretudo sobre a poltrona e me dirigi em direção a mulher. Mais umas 8 pessoas fizeram o mesmo caminho que eu. - Por favor, me sigam. - nós o fizemos. Andamos atrás dela, em silêncio, enquanto ela andava a passos curtos, provavelmente por ter menos de um metro e meio. O trajeto foi curto e entramos por uma porta assim que ela a abriu e nos deu passagem. - Meu nome é Adeline Petterson, sou a gerente geral de enfermagem do hospital John Hopkins. - o nome John Hopkins saiu da sua boca com tanto orgulho que já estou admirando essa mulher. - Entrei aqui como vocês, por um simples processo seletivo. Fui me aperfeiçoando e crescendo até chegar onde cheguei. - ela sorriu convencida. - Foi fácil? Não foi, mas consegui sem precisar pisar em ninguém no processo e isso já é uma vitória. Eu e meus 8 colegas de trabalho olhávamos a mulher com admiração enquanto ela falava e andava de um lado para o outro atrás da sua mesa. Suas mãos estavam unidas atrás do corpo e sua feição era de seriedade. - Agora vou dizer para onde cada um vai. - ela pegou uma folha em cima da mesa e nos fitou. - Levem seu trabalho a sério, caso tenham problemas com o setor escolhido procurem seus coordenadores, cada plantão tem um, tudo bem? Assenti um pouco nervosa e engoli seco. Só conseguia pensar... emergência, por favor. Me coloque na emergência. - Cristian? - ela chamou e um menino loiro levantou o dedo. - Hemodiálise. - Claire? - uma mulher beirando seus 35 deu um passo a frente. - Centro cirúrgico. April? - ela se ergueu um pouco e uma menina nova com a pele n***a levantou a mão. - Emergência. Droga! Ela chamou um por um dos oito novos empregados, o meu foi o último, claro. Obrigada por isso, Charlie. - Samantha? - eu levantei um dedo meio trêmulo. Emergência, por favor. - Emergência. O que? Obrigada, universo! - Vamos fazer um tour pelo hospital e vou deixá-los nos seus setores, me acompanhem. - ela saiu da sala e o pequeno grupo a acompanhou. Fizemos o trajeto em silêncio e conhecemos alguns setores do hospital. Estivemos no centro cirúrgico, hemodiálise, hemodinâmica, pediatria, unidades de internação e por último a emergência. - April e Samantha, essa é a emergência. - ela apontou pro largo e amplo cômodo. Cheio de boxs, cada um com a sua cama, separados apenas por uma cortina de lona bege. Visitamos a sala de medicação, o trauma... e cada passo que dávamos a adrenalina era ejetada nas minhas veias. Se isso fosse um sonho eu nunca mais queria acordar. Era uma sensação de estar em casa, maravilhosa. - Daremos um treinamento a vocês durante essa semana. - Adeline disse me resgatando. - Vocês virão de 7 às 16h até sexta-feira e após isso a escala será 12x36 diurno. - eu e April assentimos juntas. - Vocês serão coordenadoras do seu turno. - o que?! - Estejam preparadas para serem meus olhos e ouvidos durante todo o tempo que estiverem aqui e - ela levantou o dedo indicador. - Nunca, eu disse nunca mesmo, deixem de atender o telefone. - ela voltou a andar e nós a seguimos. - Estejam sempre disponíveis. A vida de vocês agora é isso aqui. - ela fez um gesto com a mão mostrando o lugar. Puta que pariu! Eu não via a hora que começar. Pensar em ser coordenadora fez meu estômago embrulhar, mas afastei a sensação porque, com toda convicção, eu nunca estive tão pronta. - Vou apresentar a equipe a vocês. - ela parou onde tinha um pequeno grupo de pessoas atrás de um balcão. - Pessoal... - eu vi as pessoas se calarem e enrijecerem assim que ouviram sua voz. p**a m***a, a mulher devia ser o cão. - Essas são April e Samantha, as novas coordenadoras dos plantões diurnos. - eu dei um breve aceno junto com um sorriso a todos. Ela nos apresentou todos os 10 técnicos de enfermagem de plantão e os 4 enfermeiros plantonistas. - O diretor médico do trauma estará ausente durante essa semana, ele está em um congresso. - eu assenti quando ela me encarou e ignorei o gosto amargo na minha boca. - Dr. Steve é o diretor da cirurgia geral, anotem esse nome, vão solicitá-lo com frequência. - ela gesticulou na direção de um casal atrás de outro balcão e disse. - esses são o Dr. Robert e a Dra. Amanda, são os clínicos daqui da emergência. Eu cumprimentei a cada um deles e voltei minha atenção a Adeline que continuou andando. - Vou levá-las até a Cristina. Ela é a enfermeira da educação continuada. Vai treinar vocês. - paramos na frente de uma porta e ela disse antes de abri-la. - Ouçam o que ela disser com atenção. Suguem ela como esponjas, absorva o máximo que puderem dela. Se em três meses vocês não se adaptarem colocaremos outras no lugar. - Ela abriu a porta. - Não me olhem assim, o sistema é cruel... entrem. Outch! Essa doeu! - x -
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