Castelo Scorpius.

1787 Words
Capítulo três.  Leonard Scorpius. Joguei o cigarro dentro da lareira, sentindo o olhar de Keimon sobre mim. Ele estava na sua forma de lobo, analisando-me silenciosamente sentado pouco à frente com uma postura impecável como se fosse um cão adestrado. Até parece. Vira-lata dos infernos, a sua obediência equivalia a de uma miniatura humana, birrenta e pavorosa, popularmente conhecidas nessa dimensão como crianças. Não havia muitas delas no inferno. Eram entediantes demais para pararem lá. — O que você quer? Está começando a me incomodar! — resmunguei, ajeitando as luvas curtas de couro sobre as mãos. Ele latiu e saiu do ambiente, deixando-me, finalmente, em paz. Não precisava dos seus julgamentos. Eu sabia o que estava fazendo. Ajudar os humanos não fazia parte da minha tarefa. Eu sei. Nunca os ajudaria de bom grado. Keimon devia saber. Eu os condenava ao fogo eterno, não os poupava. Ninguém que cruzava meu caminho era poupado, nunca. Mas esses demônios estúpidos não me deram alternativa quando tiveram a brilhante ideia de usar Astryd para garantir a condenação de Seth ao vale dos torturados. Oh, sim. Existia um lugar muito especial no inferno reservado para crimes de tortura e violação s****l. E é claro que eu adoraria vê-lo por lá, mas não as custas da sanidade de Anghel. Ela não teria nenhuma utilidade para mim com a mente doente. Poderia dizer que estava enfeitiçado pelo seu belo par de s***s, mas eu não era um homem comum, muito menos, um homem capaz de ser manipulado por desejos sexuais mundanos. De onde eu venho, sexo é tão natural quanto andar, falar e matar. E de acordo com Keimon, eu estava obcecado. Não posso desmenti-lo. Criaturas como nós não são capazes de desenvolver sentimentos humanos de alta elevação, como amor e empatia. Por outro lado, obsessão era bem comum. Essa era a nossa forma de amor ou quase isso. Seth já estava condenado, de qualquer forma. Aquilo não era necessário. E se Astryd morresse nas mãos dele sua alma nunca seria minha. O que significava: sem recompensas de Lucifer. Notei as vibrações do castelo mudarem com a presença de um humano. Sorri de canto, reconhecendo o cheiro de imediato. O frio morto do castelo, que imitava uma das vastas dimensões do inferno, transformou-se, adequando-se ao ambiente da Romênia naquela manhã. — Temos visitas. — Anunciou o homem deformado, materializando-se na porta. Ele teve um dos olhos arrancados numa das suas brigas violentas com Izevel. O outro, estava para fora, mantido por um pedaço de tecido morto, fino e comprido. Só o d***o podia dizer se ele era capaz de enxergar com aquela merda. Devia arrancá-lo de vez. Sua língua, dividida ao meio, não atrapalhava a fala que saía da garganta, grave e projetada. Havia também ferros nas suas bochechas, abertos, que davam para ver a arcada dentária e a sua saliva espessa. Ele era terrivelmente nojento, detestava encará-lo, então o fazia usar uma capa n***a que cobria principalmente a cabeça. Não o queria assustando aos humanos que vez ou outra, surgiam pelo castelo. Não seria bom para a reputação de um duque. Esses mortais imbecis eram cheios de preconceitos, poderiam me acusar de bruxaria. E isso não seria bom para os negócios. Me teleportei para a sala de estar no andar de baixo e caminhei até o meio do vasto cômodo, me deliciando com o aroma fresco e puro de Astryd contaminando todo o ambiente. Seu olhar estava perdido pelo castelo, parecia curiosa e muito encantada com o ambiente extravagante ao redor. Pigarreei, ganhando a sua atenção. Ela virou depressa na minha direção, demonstrando susto com a minha presença. — Oh, não te ouvi chegar. — Disse tímida. Era esse o propósito, meu amor. — O que faz aqui? — Perguntei. — E-eu... Não sei ao certo. — Suspirou. E eu arqueei as sobrancelhas, atento. Percorri o olhar por seu rosto e pescoço, conferindo o meu presente ali. Sorri vitorioso. É claro que ele a traria para mim. — O que houve ontem? — Ela perguntou de uma vez, segurando o broche receosa. — Tenho certeza de que não apaguei sua memória. — Respondi sarcástico. Ela apertou os olhos e mordeu o lábio inferior, revelando nervosismo. — Acordei muito confusa. Não sei ao certo o que aconteceu noite passada. — Mentiu. — Bem, eu duvido muito que uma situação como aquela tenha sido completamente esquecida. — Por que não apagou a minha memória? — Idangou. — Por que acha que sou capaz de fazer isso? — Rebati com outra pergunta. Ela apertou os olhos. — Sei que faz coisas... diferentes. — Sibilou a última palavra. — Sim, você sabe. — Estalei a língua no céu da boca, atento em Astryd. — Então por que está aqui? — Você não respondeu a minha pergunta. — Relembrou desafiadora. Sorri de canto e concordei, afundando as mãos dentro dos bolsos da calça social. — Porque eu não quis. — disse. — Você queria que eu viesse até aqui? — Perguntou incerta. Concordei novamente. Eu queria que ela se lembrasse de quem a salvou. Ela teria que ser grata a mim. É importante que fosse. Não foi fácil invadir a cabeça de Astryd para drenar os ataques demoníacos transferidos por Seth como uma doença contagiosa. Ela enlouqueceria em dias, se eu não interviesse e banisse os demônios agarrados à sua mente. Mas uma limpeza como aquela era profunda. Não é surpresa que se sentisse dispersa e estranha. Todas as emoções foram arrancadas. Voltariam com o tempo. Seres humanos era recarregados com estímulos e emoções durante toda a sua existência. O que não voltaria, eram os traumas. Bem, a não ser que ela arrumasse novos... Seth não era um demônio, mas estava obsediado por centenas deles desde os dezoito anos, quando assinou o livro do inferno. Ele possuía livre arbítrio, é claro. Mas uma mente psicótica era a moradia perfeita das criaturas do submundo. Em outras palavras, ele podia ser possuído por qualquer demônio. A qualquer momento. Isso não fazia dele inocente, não. Ninguém decente podia ser influenciado a cometer um crime hediondo por qualquer razão que fosse. E Seth Dimitri não havia cometido somente um. Ele tinha uma lista extensa deles. Astryd ficou em silêncio por um breve momento enquanto me observava com curiosidade, só então, tomou coragem para vir na minha direção, lenta e hesitante. — Você... — começou com a voz insegura, parecendo inquieta — É um feiticeiro ou algo assim? — Percebi seu desconforto ao perguntar aquilo. Foi divertido. Ela sentia-se ridícula pela própria indagação. — Algo assim. — respondi com humor. Ela certamente não estava preparada para lidar com isso agora. Talvez nunca estivesse. — Veio me agradecer pessoalmente? — sondei convencido. — Acho que sim... — Abaixou o olhar. — Na verdade, preciso da sua ajuda outra vez. Apertei os olhos, atentando-me. Sabia que esse dia chegaria, mas não imaginei que fosse tão rápido. — O que posso fazer por você? — Disse com a voz calma. — Não posso me casar. — Respondeu aflita. — Não posso me casar com Seth. Estreitei os olhos e curvei os lábios num sorriso fino, mas sarcástico. — Imagino que o seu pai não concorde com o encerramento do seu noivado. Ela ficou em silêncio. Seu olhar perdeu-se pelo meu, vago, disperso. Astryd estava longe. — Me sinto melhor do que já me senti em toda a minha vida. — Suspirou. — É estranho dizer isso depois do que houve, mas não sei se isso vai durar se eu me casar com ele. — Ele irá matá-la. — Afirmei frio. — E não precisa mentir que está bem. Você está apática. Astryd mordeu o lábio inferior com força, refletindo sobre isso. Minha voz ecoou na sua mente. Ela era fácil de manipular, com certeza. Mas, eu não havia mentido, não sobre isso. Ela subiu o olhar ao encontro do meu, gostava dos seus olhos, eram avelãs esverdeados, muito brilhantes e bonitos. A energia pura daquela mortal me atraía bem mais do que o normal. Eu sei que devia evitá-la. Alguém como Anghel devia ser vigiada por espíritos de luz e anjos que não permitiriam que eu me aproximasse tanto. Entretanto, era ela quem estava a minha procura. E eu não podia negar um pedido de ajuda de quem quer que fosse. — Contei ao meu pai o que Seth fez. — Astryd confessou, de repente. — E ele... — Suspirou, soltando uma risada nasal, amarga. — Ele fez o que eu achei que faria. Nada. Arqueei as sobrancelhas, atentando-me na garota. — Quer a cabeça do seu noivo? — Ofereci. — Faria isso? — Seus olhos brilharam. Deixei escapar uma risada surpresa. Ora, o que temos aqui? Talvez não seja tão pura quanto pensei, Astryd. — E entregaria numa bandeja de prata. — disse diabólico. — Leonard. — Astryd suspirou ao falar meu nome, segurando meu braço com força. — Me ajude. E eu faço o que você quiser. Interessante. Muito interessante. — Tem uma coisa que eu quero. — Disse, descendo o olhar para os seus dedos. Ela então me soltou, rápida e tímida. Arqueei as sobrancelhas, sentando-me confortavelmente no sofá, sem quebrar nosso contato visual. A garota me olhou com atenção, parecia hesitante agora. — O que? — Sussurrou. — Entregue-se para mim. — O que quer dizer com isso? — Ela arregalou os olhos. — Sabe exatamente o que eu quero dizer. — Sorri sarcástico. Astryd semicerrou os olhos e mordeu as bochechas. Depois suspirou, assentindo. — Me salve desse casamento e eu serei sua. — Ela estendeu a mão para mim, como se fechássemos um negócio. — Preciso de mais do que a sua palavra. — Apertei a mão da garota e puxei abruptamente, trazendo Astryd para o meu colo. — Por quê? — Ela tentou levantar, mas não deixei, envolvendo sua cintura com meus braços. — Pode ter a mulher que quiser. — Começou a argumentar, mas desistiu, relaxando o corpo sobre o meu. — E eu quero você. — Entrelacei os dedos nas madeixas de Astryd e puxei pela nuca, encostando meus lábios no pescoço dela. O perfume adocicado inundou minhas narinas, junto ao aroma dos cabelos ondulados. Ela cheirava a baunilha e floral. Rocei a língua sobre a veia saltada da pele macia da garota, e quando notei seus batimentos cardíacos acelerarem, escondi as presas que começavam a aparecer. Tive de conter a necessidade absurda de fincar os dentes naquele pescoço delicado e provar o sabor do seu sangue quente. — Por f-favor. Ainda não consigo. — Implorou. Soltei seu pescoço, resmungando. — Não quis assustá-la. — Me corrigi, levantando a garota. Às vezes me esquecia de que pessoas eram mais complexas do que demônios.
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