O Pacto.

1498 Words
— Como disse, preciso de mais do que somente a sua palavra. Digamos que eu não posso conceder favores de graça. — Informei. E eu poderia. Mas eu não quero. Não existe razão pela qual eu faria isso. Ela me olhou com mais atenção. Astryd apertou os lábios e assentiu, abraçando os cotovelos enquanto me olhava. Ela parecia mais indefesa do que nunca. — Eu... Tudo bem. — Suspirou, parando na minha frente. — Onde quer que eu assine? Me levantei, guiando Astryd para a próxima ala do castelo e subimos alguns lances de escada. Ela estava atenta em tudo, seu olhar entregava o encanto com a decoração estrategicamente escolhida para despertar desejo e cobiça. As dimensões eram divididas por pecado, sendo assim, o castelo aflorava os sentimentos mais destrutivos em cada alma que nela pisava, na vida e após a morte. Milhares de almas eram condenadas todos os dias. E quanto mais cheio o inferno ficava, mais o castelo crescia. Tranquei a porta da última sala do corredor. Estávamos na zona umbralina. Lá, vagavam as almas que ainda não tiveram seu julgamento ou foram rejeitadas do paraíso. Não havia melhor lugar para levar Astryd. E todos que me procuravam. — O que estamos fazendo aqui? — Ela quebrou o silêncio, caminhando lentamente pela sala iluminada por velas pretas. Os castiçais eram peculiares, realmente. Feitos com pele, dedo, mãos, unhas e osso. Cada objeto era repleto de energias infernais densas. E serviam como canalizadores poderosos, sendo possível realizar qualquer tipo de magia, especialmente magia n***a e feitiços voltados para destruição e desordem. — Fechando nosso acordo. — Respondi tirano, sumindo pelo canto mais escuro da sala. As chamas diminuíram. Senti o medo de Astryd preencher o ambiente. Conjurei o livro n***o nas mãos e reacendi as velas com magia, todas ao mesmo tempo, soltando o objeto de 5 mil páginas sobre o altar de Lucifer. — O que é isso? — Minha garantia. — Sorri. Ela engoliu em seco. Oh, Anghel, se você soubesse quão valiosa se tornou para mim desde o momento que coloquei meus olhos em você, correria o mais longe possível. Notei o seu desconforto com a minha proximidade; os músculos tencionados, a agitação, os batimentos cardíacos acelerados. Para onde havia ido a sua coragem? Ela tentou dar passos para trás e fugir, mas não permiti, a cercando. — Nem pense nisso. Não haverá uma segunda oportunidade como essa. — Alertei. Quase ri do seu transtorno. Astryd era transparente como água. — Isso devia ser fácil. — Sussurrou num fio de voz. — Pare de ter medo de viver, Anghel. Garanto que a vida é bem mais divertida fora dos portões da casa dos seus pais. A não ser que prefira uma vida de arrependimentos, como a sua mãe. — Disse, entrando na sua mente. Ela estava prestes a me perguntar como eu sabia daquilo, mas se calou ao perceber quão estúpida seria sua pergunta. Não havia uma única criatura da Romênia que eu não conhecesse as aflições, os medos, os traumas. Eu era capaz de sentir a agonia de toda uma nação, apenas por colocar os meus pés nela. Mas isso nem de longe era um dom, apesar de poder me beneficiar dele às vezes. Pousei a mão sobre o livro, folheando-o pelas milhares de páginas assinadas sem sequer tocá-lo. Havia muitos nomes. Alguns conhecidos por Astryd, outros nem tanto. Ela observou curiosa. Imaginei se questionaria do que se tratava, mas não disse nada. Sua respiração era o único som alto do ambiente. Tirei a adaga do protetor preso ao cinto e fiz um sinal para que Astryd me dessa sua mão. Ela encarou-me receosa, mas, com alguma lentidão, colocou a mão sobre a minha. Posicionei-a por cima do livro e risquei a lâmina da adaga sobre a palma dela, abrindo um pequeno corte. As gotículas de sangue escorregam para baixo, pingando sobre a página em branco. Conjurei uma pena na outra mão e a coloquei entre os dedos de Astryd, direcionando-a para baixo. Molhei a ponta da pena no seu sangue e indiquei o local para ela assinar. A garota me encarou por cima do ombro com hesitação, como se esperasse por algum conforto. Então eu dei isso a ela. Sorri fraco e acariciei seus ombros, posicionando meu corpo por trás do dela. — Não há nada com o que se preocupar. Eu prometo. — Menti. Não garanto que soei convincente, mas ela obedeceu mesmo assim, assinando o seu nome no livro do inferno. Os meus lábios encurvaram-se num sorrisinho vitorioso. Tinha sido fácil demais. Imaginei que alguém fosse interceder por ela, mas pelo visto, o reino dos céus não fazia questão de manter os seus. — E agora? — ela disse com a voz baixa. Todas as chamas das velas apagaram-se simultaneamente. Astryd se encolheu nos meus braços. E eu sorri com diversão. Ela não devia sentir-se tão segura próxima a um demônio. Ainda mais agora. — Agora você é minha. — Sussurrei perto do seu ouvido, percebendo o seu arrepio intenso. Ela entrelaçou os dedos, tentando esconder que tremia, e afastou-se sutilmente. — Isso é apenas uma garantia. — Garantia do que? — Franziu o cenho, unindo as sobrancelhas. — De que nós dois teremos o que estamos buscando. — Respondi sombrio. Eu devia mesmo explicar que ela pertenceria ao inferno se cedesse aos seus instintos mais primitivos que agora ficariam aflorados? E que milhares de demônios e situações infernais a tentariam todo o tempo, até que pecasse e sua alma fosse condenada? Não, eu não devia. Ela descobriria, eventualmente. Talvez ficasse mais tranquila ao saber que mais da metade das pessoas que conhecia teriam o mesmo fim. O inferno seria tão familiar quanto a sua própria casa. Caminhei em direção das prateleiras do canto e retirei duas taças de prata de dentro do vidro antigo. Coloquei-os sobre a mesa e fiz o livro desaparecer. Cada mínimo feitiço que exibia para Astryd, ela ficava impressionada. Notei a garota brincar com os cabelos e morder a pele dos lábios ao ponto de sangrar. Quão sádico eu era por me divertir com o seu fascínio inocente por tudo aquilo que eu mostrava? Humanos não eram permitidos a essa exposição descarada. Mas demônios também não eram conhecidos por respeitar regras. Raspei a lâmina sobre a minha mão e apertei, cerrando os punhos para preencher a taça com o meu sangue. Chamei por ela novamente, com um gesto. E ela se aproximou. Repeti a exata mesma coisa com Astryd e cortei a sua outra palma, enchendo a taça vazia com o sangue dela. Inverti as taças e bebi a que continha o sangue da garota. Ela arregalou os olhos, incrédula. Seu gosto era suave, tinha um gosto bom, leve como um bom vinho. Lambi os lábios ao terminar, sentindo seu olhar preso em mim. — Beba! — Avisei, empurrando a taça para a sua boca. Ela fez uma careta, quase me arrancando uma risada. — Faça um pedido. Pense no que mais quer. Não precisa pedir a cabeça de Seth, isso já está garantido. — Expliquei. Ela não questionou mais nada. Anghel levou a taça para a boca e bebeu o meu sangue do recipiente. Aparentemente, o sabor não era tão terrível quanto ela pensava, já que o seu rosto suavizou, quase como se apreciasse o que tomava. Ela terminou a taça e colocou-a sobre a mesa. — Pediu para todas essas pessoas se entregarem a você? — Perguntou ardilosa, apontando para o livro. — Não. Você é especial. — Respondi sacana. E antes que eu tivesse a chance de explicar o que aconteceria, o castelo começou a tremer. Passei a me preocupar quando todos os livros e objetos foram lançados ao chão de uma vez, quase nos acertando. As chamas das velas aumentaram até o teto. Astryd se encolheu, encostando-se na cômoda mais próxima, buscando apoio enquanto tudo ao redor tremia, inclusive o chão. — O que você fez? — apertei os olhos, encarando a garota com desconfiança. — Nada! — respondeu assustada. Fui surpreendido por uma pontada forte no peito, como se uma lança me perfurasse. A segunda, foi mais profunda, me derrubando ao chão. Grunhi de dor, sentindo meu sangue ferver por inteiro. Minhas veias saltaram, principalmente as dos braços e pescoço, atingindo uma coloração vermelha intensa. Arregalei os olhos, assustando-me ao ver serpentes pequenas caminharem por dentro dos meus braços. O sangue de Astryd voltou pela garganta e eu vomitei, apoiando as mãos no chão ao lado do corpo. — O que você fez, p***a? — gritei, subindo o olhar na direção da garota ainda encostada na parede. — Eu juro! — ela gritou de volta, cobrindo a boca com as mãos. — Não sei o que está acontecendo! Minha visão embaçou e, quando pisquei, lágrimas de sangue escorreram pelas minhas bochechas. Ela correu depressa na minha direção e se abaixou na minha frente, só então percebi que os seus olhos também estavam ensanguentados. — O que está acontecendo? Estamos morrendo?
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