24/10/201X - O HOMEM VENUSIANO.

1981 Words
Hoje não é um dia legal para mim, pois acabei de saber que um amigo meu muito querido, faleceu cometendo suicídio. Eu e ele praticamente crescemos juntos, com a diferença de que morávamos a três quadras de distância um do outro, aq1ui na Bourbon. Como eu conheci de perto o drama dele e muita coisa me foi contada durante o velório, vou contar para vocês toda a história, pois pessoas assim merecem ter suas histórias de vida conhecidas por outros, para que seus erros não possam ser cometidos novamente e tomados como exemplo. E por favor, não sintam pena desta que foi amiga de um ser humano maravilhoso. Desde pequeno, Ewan fora amado, idealizado e criado por Roxane, sua mãe, para ser o modelo de homem perfeito. Extremamente educado, não xingava palavrões, não gostava de assistir futebol americano, não se misturava com os outros meninos da rua e o melhor de tudo: não se aproximava das meninas apenas pelo interesse físico e carnal. Tanto bem criou, que para a felicidade de sua genitora, ele era sempre rodeado pelas amigas da mãe, pelas filhas delas e pelas coleguinhas da escola, tratando-as sempre bem e nunca olhando-as com malícia. O pai, Christian, cuja esposa havia pedido o divórcio ainda na gravidez, alegando ser incompreendida pelo mesmo, nunca deixou de visitá-lo e dar-lhe toda e qualquer tipo de assistência. Mas desde os quatro anos que Roxane já havia envenenado a cabeça do menino, para que o mesmo não se espelhasse nele. Tanto que quando perguntavam a ele pelo pai, ele repetia com todas as letras, o que a mãe sempre falava: - Aquele cafajeste é tudo o que as mulheres detestam nos homens! Ewan, nunca, em hipótese alguma, seja como ele! A infância passou, chegou a adolescência e foi aí que começou a fase crítica, mais para o pai, do que para a mãe. Ewan não era feio, mas só se aproximava das meninas para fazer amizades. Christian já estava extremamente preocupado com isso. Mas a mãe dele mimava-o fazendo-lhe todos os gostos, se ele continuasse assim, do jeitinho que ela queria. O garoto até se interessava por algumas garotas da escola. Mas infelizmente acostumou-se a ouvir delas a terrível frase: - Eu te conheci como amigo. Se começarmos a namorar, vai estragar a nossa amizade. Então para evitar esse tipo de constrangimento, a amizade continuava. O pai tentava aconselhá-lo, ensinar-lhe as coisas boas da vida, mas o garoto repreendia-o severamente: - Homem de verdade, pai, não frequentam bares, não enche a cara e muito menos se utiliza das mulheres como um produto descartável, para usar e depois jogar fora! Enfurecido com tamanha lavagem cerebral, Christian discutia com Roxane em vão, pois o filho a defendia com unhas e dentes. Um dia, cansado de dar murros em ponta de faca, o pai deixou a criação de Ewan para a mãe, e foi viver a sua vida de bares, bebidas, mulheres baratas, como o filho idealizava, e cuidar de seu emprego, numa concessionária de veículos. Não demorou muito e, para raiva e ódio de Roxane, ele arrumou outra mulher, casou-se e constituiu nova família tendo outro menino: um irmão onze anos mais novo para o primeiro chamado Jack. Quando soube da notícia (eu estava com ele nesse dia), Ewan riu ironicamente como que por desprezo. - Tenho pena desse meu irmãozinho, pois vai ser criado como o homem que mulher nenhuma vai querer ter por perto. O tempo foi passando e chegou a juventude. Roxane já estava preocupada, pois Ewan já havia se tornado um homem feito, e não tinha apresentado a ela nenhuma namorada. Mas amigas ele tinha aos montes. Muitas até frequentavam sua casa. Mas de amizade isso nunca passava. Ela até tentou sentar com ele e aconselhá-lo, mas era sempre em vão, pois mesmo tendo interesse nas garotas, Ewan sempre fazia amizade com elas. Porém, o que ninguém sabia, era que essa preocupação exagerada de Roxane para com seu filho, tinha apenas o puro interesse de ostentar a beleza e o status de ser avó. Suas amigas da alta sociedade de Noiva Orleans, ficavam sempre se gabando nas conversas, falando que as filhas e filhos estavam lhes dando netos e, quando perguntavam para Roxane sobre Ewan, ela inventava sempre uma desculpa, pois o jovem ainda não havia começado a se relacionar com o sexo oposto, sem o interesse da amizade. Ewan chega então aos trinta anos sem arrumar uma namorada sequer. Roxane até que tentou apresentá-lo a algumas filhas de suas amigas. Mas o que elas mais faziam e o que ele permitia, era que entre eles despertasse a mais pura amizade entre um homem e uma mulher. Sua mãe, aflita, recorre a Christian, seu ex-companheiro e pai do rapaz. Quando ele escuta toda a história, Christian dá uma enorme gargalhada. - Venha aqui Jacek. Venha conhecer a mãe do seu irmão. O jovem, que era a cara do pai, entra na sala com duas crianças num carrinho de bebê. - Olhe para ele Roxane: dezenove anos e já me deu esse lindo casal de gêmeos. Mas você tem que ficar feliz por ter criado Ewan, pois todas as vezes em que eu tentei mostrar as coisas boas da vida, ele vinha com sete pedras na mão para me ofender. Exaltando a voz e apontando o dedo para ela, falou: - E sempre que ele falava, eu só enxergava você e seu feminismo burguês, no lugar dele! Envergonhada por ouvir aquilo, com a cara no chão e sem perder a pose, Roxane saiu da casa de Christian e vai para casa, contendo as lágrimas do arrependimento de querer ser avó e agora não poder mais desfrutar do gosto de poder falar para as amigas que seu filho havia lhe dado um neto ou uma neta. Ao chegar em sua residência, ela escuta gemidos que estavam vindo do quarto de Ewan. Curiosa, pensou até que ele estivesse passando m*l. Sem avisar, ela abriu a porta e tomou um tremendo choque emocional, ao ver seu filho de quatro, sendo penetrado por outro homem: um moreno alto, forte, aparentando ter entre trinta e cinco e quarenta anos. Aquela cena a revoltou, fazendo-a colocar o homem para fora de sua casa, seminu, causando o maior barulho na vizinhança. Ainda possessa e, após esse vexame, Roxane aponta o dedo para Ewan e fala aos berros, com todo o ódio de uma pessoa que acabara de ser traída pelo grande amor da sua vida: - Arrume suas malas e vá embora dessa casa Ewan! Eu não pari, alimentei, dei banho, dei roupas e nem criei filho para ser um homossexual! Ewan, possesso com tudo aquilo, começa a chorar de raiva, gritando nos ouvidos da mãe, esbravejando: - Do que você está reclamando? Foi assim que você me criou. Me criou só para ser uma versão masculina sua! Eu sou sua versão homem, mamãe! Enfurecida, sem reação e com um turbilhão de sentimentos girando em frenesi por todo o seu corpo, Roxane, pela primeira vez desde que dera luz ao seu filho, dá um enorme tapa em seu rosto. O tapa, além de estridente, deixa uma grande marca vermelha no rosto dele. Atônito e desorientado, Ewan corre para dentro do próprio quarto e se tranca por quase dois dias, perdendo todo o contato com o mundo exterior. Várias pessoas tentaram fazê-lo sair. Mas as tentativas sempre foram em vão. A mãe dele convocou todas as amigas, para expor a elas, toda a situação que estava passando. Muitas delas já se diziam solidárias com a situação. - Estamos todas com você, Rox. Eu tenho até uma sobrinha psicóloga, a Drª Marie Rouget, que pode oferecer a ele, ajuda especializada. De repente a porta do quarto se abre e todas pararam de conversar. Era Ewan, todo descuidado, barba por fazer, unhas sujas e fedendo a algo podre. Ele caminha descalço até a mãe, sem pronunciar nenhuma palavra. Chegando até ela, ele entrega a mesma seu celular e fala: - Gravei um depoimento em vídeo pra senhora ver, dando todas as explicações sobre a situação, a revolta e o nojo que estou sentindo, toda vez que olho pra essa sua cara lavada! Ewan então dá-lhe as costas e retorna a seu quarto. Curiosas, Roxane e as amigas resolvem assistir ao vídeo. Nele, o rapaz conta o quanto sofreu nas garras da mãe, por ela querer que ele fosse tudo o que ela queria encontrar em um homem. Disse também no quanto invejava Jacek, por ele nunca ter sido criado por ela, tendo ao seu redor todas as mulheres que sempre quis, namorando e se relacionando do mesmo modo que o pai havia se relacionado com ela. Ele também falava no quanto queria tentar uma aproximação com o pai, mas era constantemente impedido pela autoridade dela. Ele expressou no vídeo, toda a raiva e ódio que sentia da mãe e até exibiu uma arma que havia adquirido para matá-la, pois acreditava que só assim poderia ser feliz sendo aquilo o que ela sempre sonhou: um homem que tivesse uma alma feminina. Assustada, ela parou o vídeo que estava vendo no celular de Ewan, começou a ligar para a polícia, temendo por sua vida e pela vida de suas amigas. Só que antes mesmo que Roxane completasse a ligação, um forte estampido fora ouvido dentro do quarto de seu filho. Em estado de pânico, ela e as amigas correm para ver o que era. Quando abrem a porta, encontram Ewan morto, com o rosto maquiado e com um tiro na cabeça. Ele havia aproveitado a distração da mãe com o vídeo, para carregar a arma, colocá-la apontada para o céu da boca e tirar a própria vida, com um tiro certeiro. Em prantos, Roxane se joga ao chão, abraça o filho morto e pede perdão entre lágrimas por não ter ensinado a única coisa que poderia ter salvo sua vida: a ser homem. Suas amigas chamaram uma ambulância mas fora em vão, pois Ewan não tinha mais nenhuma chance de sobrevivência. Christian, quando soube da notícia através de Roxane, foi correndo até a casa da ex-esposa. Ao chegar e se deparar com o corpo do filho estendido no chão do quarto, lágrimas involuntárias começaram a rolar em seu rosto. Revoltado com tudo aquilo, ele se volta para a ex-esposa e fala: - Vou cuidar de todo o velório dele. Não se preocupe com nada, pois nunca tive vergonha de gastar nada com Ewan, e não vai ser agora que isso vai acontecer. Após falar isso, Christian passa por Roxane e vai em direção à porta, cuidar dos preparativos para o velório do filho. Sua ex-esposa tenta ir atrás dele, se desculpar ou pedir perdão, mas a culpa que pesa em sua consciência a impedem de pronunciar qualquer tipo de lamentação. Ela então segue-o até a porta de entrada da sua casa. O silêncio dele é como uma sessão de tortura para ela e cada passo dele naquele assoalho de madeira, lhe soavam como uma facada no peito. E antes de sair, Christian para, olha para ela e com um olhar de profundo desprezo pela ex-companheira, e com uma voz fria e ríspida diz: - E meus parabéns: você ensinou muito bem o Ewan a ser igual a você. A maquiagem dele está perfeita. O pai de Ewan não foi ao velório do filho, que aconteceu num velatório particular daqui da Louisiana, já que ele tinha plano funerário. Ele vai esperar o caixão chegar ao cemitério St. Louis, onde vai ser enterrado no mausoléu da família de Christian. Agora estou aqui entre lágrimas, terminando de escrever essas palavras, pensando no quanto de aventuras ainda poderíamos ter vivido ainda mais, se meu amigo não tivesse passado a vida toda sendo sufocado pelas garras da mãe. Uma mulher que tentou provar ao mundo que existia homem perfeito, mesmo sabendo que nem ela e nem ninguém, o é.
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