Capítulo 4

1858 Words
Continuação... — Isso é muito gentil da sua parte, senhorita Samantha. Por enquanto, o melhor que podemos fazer é continuar trabalhando com o que temos e esperar que as oportunidades apareçam. Enquanto conversávamos, sentia uma nova energia surgindo dentro de mim, um desejo de fazer a diferença e contribuir para o bem-estar dos outros. Aquele primeiro dia, apesar das circunstâncias inesperadas, estava se revelando como um início promissor, cheio de novas oportunidades e descobertas. Com o mingau quente aquecendo meu corpo e a conversa da irmã Clara aquecendo meu coração, estava começando a sentir que, talvez, este fosse o lugar onde poderia realmente encontrar um novo propósito. Irmã Clara No dia seguinte A manhã avançava tranquilamente na Casa das Teresinhas, estava ocupada com as tarefas diárias quando fui chamada para uma reunião com a Madre Superiora. Fiquei um tanto apreensiva, pois não era comum ser convocada para tais encontros, especialmente logo após ter oferecido ajuda à nova hóspede, Samantha. Quando entrei no escritório da Madre, a atmosfera era tensa. A Madre Superiora, uma mulher de postura imponente e olhar incisivo, me fez um sinal para que eu me sentasse. A sensação de que algo estava prestes a acontecer não me deixou em paz. — Irmã Clara, — começou a Madre com um tom que não admitia contestação, — tenho ouvido rumores sobre sua recente hospitalidade, transformando essa casa de Deus numa mera pensão. Ora bolas. A moça, Samantha, não deveria estar aqui. O choque que senti foi quase palpável. Eu tinha me esforçado para garantir que Samantha se sentisse bem-vinda e segura, e a ideia de que minha ação estava sendo questionada me deixou inquieta. — Madre, — tentei defender-me, — Samantha não tem ninguém. Ela está aqui por necessidade e eu pensei que poderíamos ajudá-la. Ofereci a ela um lugar na Casa das Teresinhas, onde ela poderia se restabelecer. A Madre Superiora franziu o cenho, claramente descontente com a minha resposta. — Este abrigo é destinado apenas para os sem-teto, Irmã Clara. Samantha, apesar de sua situação atual, é jovem e bonita, portanto tem a capacidade de se sustentar sozinha. Ela pode procurar uma casa de família para limpar, por exemplo. Ou, se desejar, pode se dirigir a qualquer lugar onde possa trabalhar para ganhar o sustento. — Sugeriu de forma que deixava claro o toque malicioso daquelas palavras. — E, para ser sincera, sua beleza pode até causar ciúmes desnecessários em uma esposa do lar. Mas isso já não é da minha ossada. Suas palavras me atingiram como um golpe. Sempre considerei a Madre Superiora como uma figura de sabedoria e compaixão, e ouvir tais julgamentos frios e impiedosos me fez questionar tudo o que eu acreditava ser certo na nossa missão. Não esperava ouvir que a beleza de alguém pudesse ser um impedimento para a caridade e a assistência. — Madre, eu… — minha voz falhou, e uma sensação de dúvida e desânimo tomou conta de mim. A Madre Superiora não parecia disposta a ceder, e suas palavras seguintes foram ainda mais duras. — E quanto à situação de outra pessoa que já tenho aqui na casa? A única razão pela qual aceitamos essa pessoa… — colocou ênfase em “pessoa” com bastante determinação nos olhos. — foi por pena, devido ao risco de morte iminente que ela enfrentava. Mesmo assim, estamos cientes das suas complexidades. Você precisa entender que o abrigo deve seguir certas diretrizes e não pode ser uma casa para todos que precisam. O impacto dessas palavras foi devastador. A menção a essa pessoa, cuja situação eu sabia ser complicada e repleta de desafios, serviu como uma pedrada no meu coração. A realidade c***l de nossas próprias limitações e o fato de que até mesmo as boas intenções podem ser afetadas por preconceitos e normas rígidas me deixou em choque. Engoli em seco, a sensação de derrota e confusão pesando sobre mim. A Madre Superiora me observou com um olhar que parecia dizer que a conversa estava encerrada. Me levantei, com a cabeça baixa, e fui até meus aposentos, tentando processar a dureza das palavras que acabara de ouvir. Fechei a porta atrás de mim e me sentei na beira da cama, sentindo a tensão acumular-se em meu peito. Minha mente estava uma tempestade de pensamentos contraditórios. Tinha tentado fazer o certo, mas agora sentia-me perdida, questionando se as regras e doutrinas que seguíamos eram realmente justas. Será que eu estava na direção certa? A sensação de dúvida era avassaladora, e eu precisava de um tempo para refletir e encontrar meu equilíbrio novamente. Enquanto me recolhia em silêncio, a realidade de que o mundo nem sempre se alinha com nossos ideais mais puros pesava sobre mim. Havia tentado oferecer um abrigo a Samantha, mas agora enfrentava a dura verdade de que até mesmo a compaixão pode ser limitada pelas rígidas estruturas da doutrina. Samantha Os sinos da manhã soaram como um despertar forçado. Apesar da paz e da segurança do abrigo, não pude evitar sentir um aperto no coração ao ouvir a conversa entre a Madre Superiora e a Irmã Clara. Decidi que precisava ir embora. Deixei uma carta para Irmã Clara, expressando minha gratidão e meu pesar por ter que partir. Ela havia sido uma luz em um momento tão sombrio, e eu queria que soubesse o quanto sua bondade significava para mim. Saí da Casa das Teresinhas e me encontrei vagando pelas ruas da pequena cidade. Era uma manhã ensolarada e tranquila, e eu me perdi na contemplação das lojas e departamentos. Tentei procurar algum trabalho, mas sem currículo, não consegui vaga em nenhum lugar. A cidade estava cheia de pequenas oportunidades, mas nenhuma delas parecia se abrir para mim. Enquanto caminhava, sentia o peso das palavras da Madre Superiora e a frustração crescente. Estava tão absorta em meus pensamentos que não percebi quando tropecei em alguém. Levantei os olhos para pedir desculpas, mas o sol estava tão intenso que quase me cegava. A mão de alguém surgiu, cobrindo a luz do sol e aliviando a minha visão. Quando consegui ver, reconheci o Padre Vergas. A surpresa foi imediata, e o choque de nossos corpos me fez sentir um calor inesperado. Ele estava tão perto, com seus olhos fixos em mim, e o contato inesperado entre nós foi elétrico. Senti uma mistura de alívio e curiosidade ao vê-lo novamente. — Parece que todos os meus caminhos me levam a você, Padre. — Minha voz saiu quase como um suspiro, tentando lidar com a intensidade do momento. Ele engoliu em seco, sua expressão tornando-se mais tensa, fechada. A proximidade era quase palpável, e o momento se estendeu por um instante que pareceu eterno. Então, uma bicicleta passou rente a nós, e o Padre Vergas, com um reflexo ágil, me puxou para mais perto. Nossos corpos se chocaram novamente, e pude sentir a sua respiração quente contra a minha. Fiquei ali, olhando para ele, com o coração acelerado e a mente girando. A sensação do seu toque e o olhar que trocamos foram intensos. O mundo ao nosso redor parecia ter se desvanecido, deixando apenas o peso e a sensação daquele instante. Ele parecia tão sério, e eu, por outro lado, estava atordoada e encantada ao mesmo tempo. O Padre Vergas e eu permanecemos ali, no meio da rua, com a tensão entre nós crescendo. O contato físico, embora breve, foi carregado de uma carga emocional que não consegui ignorar. Cada respiração parecia uma conexão entre nós. Padre Vergas A proximidade com Samantha foi um choque inesperado, contradizendo com as minhas ideias virtudes sacerdotais. A intensidade do momento me deixou atordoado, perdido até, e eu precisei dar um passo para trás para me recompor sem permitir transmitir tal emoção a moça de cabelos escuros à minha frente. Porém segundos depois recuperei facilmente o equilíbrio. Mas não conseguia controlar meu principal órgão, o coração batia rápido, e eu estava ciente de cada batida, algo que não deveria estar acontecendo. Com um esforço, recuperei minha compostura e limpei a testa suada com o dorso da mão. O calor da manhã e o peso da batina contribuem para a sensação de desconforto. A necessidade de distanciar-me um pouco me fez desejar um ambiente mais fresco, e uma ideia me ocorreu. — Bom dia, Samantha. — Falei, tentando manter a voz o mais natural possível. — Bom dia, padre. — Sorriu ela enquanto foca os olhos, que se estreitaram novamente devido a luminosidade solar. A chamei discretamente para uma sombra ali perto. A moça veio junto comigo, os dois sem sequer mover os olhares um do outro. — Fui te visitar na Casa das Teresinhas, e a irmã Clara me disse que… Ela simplesmente bufou, cruzando os braços. Então deixei a pergunta incompleta para não perturbá-la. Retornei ao plano que tive minutos atrás. — Se não se importa, gostaria de convidá-la para um café em uma cafeteria próxima. Ela olhou para mim com um sorriso que parecia iluminar o dia. — Na verdade, preferiria um sorvete. Senti um leve alívio ao perceber que sua resposta era alegre e despreocupada. Talvez um sorvete fosse uma escolha mais leve, e o tempo estava perfeito para isso. — Então, vamos lá. — Concordei, tentando esconder minha própria inquietação enquanto começamos a caminhar. Enquanto nos dirigimos para a sorveteria, conversei com Samantha sobre o que havia acontecido na Casa das Teresinhas. Ela mencionou a conversa da Madre Superiora com a noviça, e as suas razões para querer partir. Senti um impulso de proteger Samantha de qualquer injustiça, e por isso planejei conversar pessoalmente com a Madre. — Vou falar com a Madre para esclarecer a situação — disse completamente decidido, tentando tranquilizá-la. Ela hesitou, e eu pude perceber a preocupação em seus olhos. — Não, por favor. Não quero ser uma causadora de intrigas ou causar problemas desnecessários para ninguém. Se não sou bem-vinda, prefiro me retirar de cena. Havia uma sinceridade em sua voz que me tocou profundamente. Samantha não queria causar transtornos e estava disposta a recuar se isso significasse menos problemas para os outros. Decidi mudar o assunto e oferecer a ela uma alternativa mais agradável. — Se estiver disposta a ouvir, haverá uma festa de beneficência na cidade na próxima semana. Talvez seja um bom lugar para se familiarizar mais com a comunidade. Gostaria que fosse minha convidada. Ela parecia pensar na proposta por um momento, e então seu sorriso retornou. — Uma festa parece interessante. Aceito o convite, Padre. Enquanto entrávamos na sorveteria, o clima leve e alegre fez com que a tensão do encontro anterior parecesse uma lembrança distante. Sabia que precisávamos conversar mais sobre a situação dela e garantir que ela se sentisse segura e bem-vinda. A decisão de convidá-la para a festa era uma tentativa de oferecer-lhe uma nova perspectiva e talvez ajudar a encontrar seu lugar na cidade. Samantha parecia animada com a ideia, e eu esperava que essa pequena mudança de ambiente pudesse ajudar a resolver as questões que pairavam sobre nós. O sorvete estava saboroso, e a conversa fluiu com facilidade. Sentia-me mais calmo agora, e a presença dela ao meu lado era, de certa forma, reconfortante. *****
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