Continuação...
Caminhamos juntos até o meu carro, um veículo modesto, mas confiável. Samantha colocou sua pequena bagagem no banco de trás e se acomodou no banco do passageiro. Enquanto dirigia pelas ruas silenciosas da pequena cidade, iluminadas apenas pelas luzes amarelas dos postes, percebia que a tensão em Samantha começava a se dissipar.
Ao chegar à Casa das Teresinhas, estacionei em frente ao portão e desci do carro. Samantha me seguiu, seus olhos avaliando a construção simples, mas bem cuidada. As paredes brancas refletiam a pureza e a paz do lugar, e as flores ao redor da entrada davam um ar acolhedor.
Toquei a campainha, e não demorou muito para que uma das freiras atendesse. O portão se abriu, revelando a figura serena da irmã Clara, que me saudou com um sorriso amável.
— Boa noite, padre Vergas — disse a irmã, com sua voz suave. — O que o traz aqui a esta hora?
— Boa noite, irmã Clara. Esta jovem precisa de um lugar para passar a noite. Será que poderia ficar aqui com vocês? — perguntei, indicando Samantha ao meu lado.
A irmã Clara olhou para Samantha com um sorriso acolhedor e assentiu prontamente.
— Claro, padre. Será um prazer recebê-la.
Samantha
Assim que a porta da Casa das Teresinhas se abriu, fui recebida por um sorriso acolhedor da irmã Clara. A jovem que estava diante de mim era diferente do que eu esperava. Era quase da minha idade, talvez até mais jovem. Havia algo em sua expressão serena, porém, que transmitia uma sabedoria além dos seus anos.
— Seja bem-vinda — ela disse com uma voz suave, que imediatamente aliviou parte da tensão que carregava desde que saí daquela maldita casa.
Agradeci timidamente, tentando esconder o alívio que inundava meu peito. A irmã Clara fez um gesto para que eu a seguisse para dentro, e não pude deixar de notar o quanto ela se movia com uma graça tranquila, quase como se flutuasse. O ambiente era simples, mas limpo e bem cuidado, com móveis austeros e poucas decorações além de alguns crucifixos e imagens de santos.
— A senhorita pode ficar aqui quanto tempo precisar — ela continuou, guiando-me por um corredor estreito. — Não temos muitos hóspedes no momento, então há bastante espaço.
— Muito obrigada — murmurei, ainda tentando entender por que alguém tão jovem tinha decidido se tornar freira. Minha curiosidade era inevitável.
— Senhorita, por quanto tempo pretende ficar? — perguntou ela, sem me olhar diretamente, como se quisesse respeitar meu espaço.
— Eu... não sei ao certo — respondi, hesitando. — Só sei que preciso de um tempo longe de tudo.
Ela assentiu, como se compreendesse perfeitamente o que eu estava sentindo, embora não tenha perguntado nada sobre minha história. Havia algo misterioso nela, algo que espelhava minha própria necessidade de fuga e silêncio.
— A vida pode ser bem complicada às vezes — disse ela, de repente, sua voz suave mas cheia de entendimento. — E todos nós temos nossos segredos, não é?
Seus olhos, por fim, encontraram os meus, e por um momento, senti como se ela pudesse ver além da fachada que eu apresentava ao mundo. Não era comum encontrar alguém que me fizesse sentir exposta dessa forma, e aquilo me deixou desconfortável e fascinada ao mesmo tempo.
— Sim, acho que todos temos — respondi, sentindo que havia algo a mais nessa jovem freira do que se revelava na superfície. O que a teria trazido até aqui? Que segredos estaria escondendo atrás daquele hábito?
Chegamos a um pequeno quarto, simples, mas acolhedor, com uma cama estreita, uma mesa de cabeceira e uma pequena janela que dava para o jardim. A irmã Clara abriu a porta e indicou que eu entrasse.
— Este será o seu quarto. Se precisar de qualquer coisa, estarei por perto.
Agradeci novamente, e quando ela se virou para sair, não pude evitar perguntar:
— Desculpe, irmã Clara, mas... você parece ser muito jovem. Já fez os votos?
Ela parou por um momento, a mão na maçaneta, e então me olhou com um sorriso enigmático.
— Na verdade, sou uma noviça. Ainda estou em formação. — Seus olhos brilharam com algo que parecia ser tanto orgulho quanto incerteza. — Mas já sei que este é o caminho certo para mim.
Assenti, compreendendo um pouco mais sobre ela, mas ainda sentindo que havia muito mais escondido sob aquela superfície calma.
— Espero que você encontre o que procura, Samantha — disse ela antes de sair, deixando-me sozinha no quarto.
Fiquei parada por um momento, absorvendo a calma que o ambiente oferecia. A Casa das Teresinhas parecia ser um refúgio, um lugar onde poderia respirar e, talvez, encontrar um pouco de paz. Mas a irmã Clara, com sua presença enigmática, me deixou intrigada. Havia uma parte dela que ainda estava oculta, assim como eu, e de alguma forma, isso fez com que eu me sentisse menos sozinha.
Deitei na cama, exausta, mas não consegui dormir de imediato. Minha mente continuava a vagar, questionando o que viria a seguir, mas também sentindo um estranho consolo ao saber que não era a única com mistérios a esconder.
Padre Vergas
Dirigi de volta para a paróquia com a calma que o silêncio da madrugada me oferecia. A rua estava deserta, e as poucas luzes dos postes lançavam um brilho suave sobre as calçadas, refletindo meu estado de espírito. A jovem de cabelos negros que havia deixado no abrigo das freiras não saía da minha mente. Sua presença era uma mistura de fragilidade e força, algo que me tocou profundamente. Ela parecia tão perdida, mas ao mesmo tempo, havia uma determinação silenciosa em seus olhos que me fez querer protegê-la.
Pensei em como ela reagiu ao ser recebida pela irmã Clara, como se ali encontrasse um pouco de paz. A forma como seu olhar se encontrou com o da noviça revelou algo de vulnerável, uma parte de sua alma tentando se encontrar em meio ao caos. De certa forma, mesmo que indiretamente, me senti responsável por aquela jovem, mesmo sem conhecê-la bem. Era como se um instinto paternal me guiasse, desejando garantir que ela estivesse segura e bem cuidada.
Quando cheguei à paróquia, o relógio marcava quase três da manhã. Depois de uma noite de trabalho e preocupações, meu corpo estava pedindo descanso. Entrei no meu quarto, onde a serenidade e a simplicidade de minha cama pareciam acolhedoras, prometendo um sono reparador. Mas, à medida que me deitava, os pensamentos sobre Samantha Cruz continuavam a ecoar na minha mente, como um sussurro persistente.
Tentei apagar as imagens que surgiam, mas, quando finalmente fechei os olhos, elas persistiram em invadir meus sonhos. No escuro do meu quarto, as sombras tomaram a forma de fragmentos de memórias que eu não queria reviver. O rosto jovem de Samantha, com seus cabelos negros e olhos intensos, surgiu repetidamente em minha mente. Sua boca rosada, o jeito jovial com que se movia, e os poucos sorrisos que me ofereceu durante nossa conversa se misturavam com imagens perturbadoras. A lembrança do decote que brevemente se revelou me atormentava.
Despertar foi um alívio e uma tortura ao mesmo tempo. Suado e agitado, percebi que o sono não havia sido uma bênção, mas um campo de batalha onde minha mente lutava com desejos e lembranças que preferia esquecer. Sentado na beira da cama, senti uma onda de culpa e confusão me invadir. As imagens não eram apenas um incômodo; eram uma afronta ao voto que eu havia feito, ao caminho que eu tinha escolhido para minha vida.
Sem perder mais tempo, me ajoelhei no chão, a respiração ainda irregular. As palavras de minha oração saíam entrecortadas, um murmúrio de arrependimento e busca por purificação. O silêncio da paróquia parecia se intensificar à medida que eu implorava a Deus para limpar minha mente e restaurar minha paz interior.
— Senhor, purifique minha mente e coração. Livrai-me dos pensamentos que me atormentam e fortalecei minha fé para que eu possa seguir o caminho que me destinais.
Senti a presença divina ao meu redor, como um manto protetor que começava a acalmar o tumulto interior. As orações serão um ritual de refúgio, uma maneira de me reconectar com minha fé e lembrar-me do propósito maior para o qual havia dedicado minha vida.
Quando finalmente me levantei, o cansaço ainda estava presente, mas a sensação de clareza e propósito havia retornado, mesmo que temporariamente. A jovem Samantha Cruz havia despertado algo em mim que eu não esperava enfrentar, mas, com a graça de Deus, poderia superar essa provação e continuar a cumprir meu papel com dignidade e pureza.
Samantha
O som dos sinos me despertou. Era um timbre profundo e ritmado que, apesar de sua suavidade, parecia anunciar o início de um novo dia. Olhei ao redor do pequeno quarto que a irmã Clara me havia indicado na Casa das Teresinhas, observando o ambiente simples e acolhedor. A luz suave da manhã filtrava-se pelas cortinas, revelando o calor tranquilo daquele lugar.
Levantei-me com certa dificuldade, ainda um pouco sonolenta e um tanto atordoada com as novas circunstâncias. O despertar era um ritual que me lembrava da rotina das freiras, que se levantavam às 8 da manhã, mesmo no primeiro dia útil do ano. A ideia de entrar na rotina delas me fazia sentir que, de alguma forma, estava começando a encontrar meu lugar.
Enquanto me vestia, pondo um vestido solto para cobrir as peças íntimas, ouvi uma leve batida na porta e a voz suave da irmã Clara.
— Senhorita Samantha? Desculpe acordá-la, mas gostaria de informá-la que não precisa acompanhar as irmãs nas atividades de hoje. Está livre para descansar se desejar.
Agradeci, ainda um pouco confusa com a novidade, e, ao sair da cama, respondi com uma convicção que eu própria não esperava sentir.
— Na verdade, gostaria de ajudar. Não quero ser um peso para vocês, e sinto que trabalhar um pouco me fará bem.
Irmã Clara sorriu com uma expressão de compreensão e gratidão.
— Muito bem, então. Vou te mostrar onde pode ajudar.
Após um banho rápido, com a água fria me despertando completamente, vesti uma blusa simples e uma saia que havia trazido, tentando me adaptar ao ambiente. Na cozinha, a movimentação estava em pleno andamento. As freiras estavam ocupadas preparando refeições para os necessitados que vinham até o abrigo em busca de ajuda.
Entrei na cozinha e imediatamente me senti acolhida pela equipe que estava ali. Peguei alguns utensílios e comecei a ajudar a servir a comida. A atmosfera estava repleta de um espírito de camaradagem e serviço, e, à medida que servia, sentia-me cada vez mais parte daquele esforço coletivo.
Depois de algum tempo, a irmã Clara se aproximou e me ofereceu uma tigela de mingau quente que ela havia preparado especialmente para mim. Apreciando o gesto, aceitei com um sorriso.
— Por favor, sente-se. — ela disse gentilmente. — É importante que senhorita também cuide de si mesma enquanto ajuda os outros.
Enquanto comíamos, nossa conversa fluiu naturalmente. Irmã Clara explicou que havia um projeto em andamento para construir um novo abrigo, mas que estava temporariamente engavetado devido à falta de verbas. Era um projeto ambicioso, destinado não apenas a ajudar as pessoas, mas também a cuidar dos animais de rua.
— A ideia era construir um abrigo para os animais, um lugar onde eles pudessem encontrar refúgio e cuidados. No entanto, os recursos são limitados e, por enquanto, tivemos que adiar.
Ouvir sobre esses planos despertou um interesse genuíno em mim. Eu podia ver a paixão no rosto da irmã Clara quando falava sobre o projeto e a dedicação ao bem-estar dos menos favorecidos, tanto humanos quanto animais.
— Isso é maravilhoso — eu disse. — E há alguma maneira que eu possa ajudar? Mesmo que não possa fazer muito agora, gostaria de contribuir de alguma forma.
Irmã Clara me olhou com um brilho de esperança nos olhos.
Continue...