Padre Vergas
Depois de uma semana sem nenhum contato com Samantha, decidi ir à sua casa no domingo à noite, como havíamos combinado. A ausência de comunicação me corroía, deixando meu espírito em conflito. Quando ela abriu a porta, seu rosto estava diferente — a doçura havia dado lugar à mágoa e ao ressentimento. Seus olhos, normalmente acolhedores, estavam duros e frios. Ela cruzava os braços, seu corpo todo se fechando para mim.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Samantha interrompeu:
— Veio aqui na intenção de que eu faça outro favor daquele tipo para o senhor? — disse ela, com a voz firme e amarga. — Quer que eu te puna por me amar?
As palavras me atingiram como uma bofetada. Fiquei ali, parado, sem saber como responder. Minha boca secou, e o que quer que eu tentasse dizer parecia insuficiente. Como justificar aquilo que havia acontecido? Como falar sobre o amor que sentia, mas que agora nos torturava?
— Verdade que lhe amo, mas... — comecei, tentando justificar o injustificável, abrindo os braços como se isso pudesse me livrar da culpa.
Antes que pudesse continuar, Samantha voltou a falar, exaltada:
— Aquilo que me obrigou a fazer... aquilo me despedaçou, padre! — Ela colocou as mãos no peito, como se tentasse conter a dor que sentia. Seu rosto estava marcado pela aflição, pela angústia. — O senhor não me fez lhe punir, mas me fez me punir. Machucou-me... Feriu minha alma a cada ação que executei naquele momento!
Ela fez uma pausa, respirando fundo, tentando manter a compostura, mas o sofrimento era evidente. Cada palavra dela era um golpe no meu coração, uma verdade c***l que não conseguia negar. Eu tinha causado aquela dor.
— Se for para ser assim... — continuou ela, sua voz tremendo. — Eu não quero. Não posso.
Fiquei ali, paralisado, tentando absorver suas palavras, sentindo o peso de cada uma delas. O silêncio que se seguiu foi devastador. Olhei para Samantha, mas não consegui encontrar palavras para amenizar o que havia acontecido. Eu sabia que ela estava certa. Eu a machuquei profundamente, mesmo sem intenção. Havia cometido o maior erro ao colocar o peso dos meus próprios conflitos sobre ela.
— Samantha... — murmurei, com a voz baixa e trêmula. Minha culpa era evidente, e minhas palavras, vazias. Eu estava à deriva, sem saber como consertar aquilo que estava quebrado.
Ela me olhou, seus olhos marejados, mas as lágrimas não caíram. A dor estava lá, mas ela se segurava, tentando não desabar. Ela não queria demonstrar fragilidade, e eu sabia que seu orgulho a impedia de deixar as lágrimas rolarem. E, naquele momento, percebi o quanto a tinha magoado.
Dei um passo à frente, tentando me aproximar, mas ela recuou. Aquela distância parecia intransponível, e o abismo entre nós crescia. O peso da minha escolha, do que a havia feito passar, estava esmagando qualquer chance de redenção.
Dsesejava abraçá-la, pedir perdão, mas as palavras e os gestos já não bastavam. Eu a tinha perdido. Samantha estava ali, diante de mim, mas já se encontrava tão distante.
Samantha
Quando o Padre Vergas deu um passo à frente, algo dentro de mim gritou para recuar. E eu o fiz, quase por instinto. Afastei-me, sentindo o coração bater descompassado. Ele parou, confuso, o olhar carregado de perguntas que ele não ousava fazer. Era doloroso encará-lo, mas sabia o que precisava ser feito.
— Padre... nós precisamos dar um tempo nisso — disse, com a voz trêmula, minhas palavras mais frágeis do que eu gostaria. — Nesse sentimento... Se é tão precioso assim, por que deveria haver punição?
As lágrimas começaram a nublar minha visão, mas não podia desabar ali. Não na frente dele. Precisava ser forte, mesmo que isso me custasse a alma. Com as mãos trêmulas, levei o anel de compromisso ao alcance dos meus dedos, aquele que ele havia me dado com tanto significado, e o segurei por um momento, lutando para soltar.
— Eu não posso... — murmurei, minha voz quase um sussurro.
Estendi a mão, oferecendo-lhe o anel, mas o padre, com o rosto sério, não estendeu o braço para pegá-lo. Ficou parado, como se recusasse a aceitar o fim. Aquilo me cortou ainda mais. Ele não queria aquilo, e nem eu. Mas, no fundo, sabíamos que era necessário.
Com as mãos ainda mais trêmulas, me aproximei devagar e, hesitante, peguei sua mão pesada. A palma estava fria, rígida. Com delicadeza, e com uma força que me custou a última gota de coragem, abri sua mão. Senti a resistência dele, mas mesmo assim coloquei o anel no centro de sua mão, fechando-a com cuidado.
O tempo todo, eu o encarei. O olhar dele era uma tempestade, suas emoções conflitantes se refletiam no rosto sério. Eu podia ver a dor ali, a angústia. Era como se ambos estivéssemos despedaçando algo sagrado. E a culpa, pesando sobre nós como uma cruz invisível, era insuportável.
Quando observei uma lágrima solitária escapar do seu olho direito, algo em mim se quebrou de vez. Queria correr, abraçá-lo, pedir perdão por tudo... mas eu sabia que não havia mais volta. Me negaria continuar sendo a causadora do seu sofrimento.
— Me perdoa... — sussurrei, quase sem voz, minha garganta apertada, sentindo o peso de cada palavra como uma lâmina afiada.
Sem esperar resposta, virei-me e corri da sala. O nó no peito estava tão forte que achei que iria sufocar. Corri até a cozinha, minhas mãos cobrindo a boca para abafar o choro. As lágrimas vinham em cascata, e eu sentia que a qualquer momento meu corpo iria ceder.
Fiquei lá, escondida, chorando baixinho. Meu coração só começou a se acalmar ao escutar o som da porta se fechando. Ele havia ido embora. E junto com ele, toda a fantansia romântica criada.
Padre Vergas
Os dias que se seguiram ao término com Samantha foram um turbilhão de angústia e autopunição. Cada manhã, ao acordar, sentia um peso esmagador no peito, como se tivesse falhado não só com ela, mas com algo muito maior, algo que eu deveria ter protegido a qualquer custo. A dor da perda se misturava à culpa, e o silêncio que nos envolvia, um mês completo sem qualquer contato, ecoava dentro de mim como um abismo crescente.
Sabia perfeitamente onde encontrá-la, onde ela trabalhava, onde morava. A tentação de procurá-la era imensa, como uma voz constante sussurrando no fundo da minha mente, implorando para que eu a visse, apenas mais uma vez. Mas me recusei. Impor minha presença seria egoísmo puro, e o que restava do amor que sentia por Samantha precisava ser maior que o meu desejo de tê-la por perto. Amar é também permitir o outro seguir, mesmo que isso nos dilacere por dentro.
E eu a amava. Acima de tudo. Mais do que a mim mesmo, mais do que os meus próprios desejos egoístas. Ela merecia paz, longe do caos que havia se instaurado entre nós. Mas todos os dias, enquanto realizava minhas obrigações paroquiais, não conseguia evitar pensar nela. Sentir a falta dela em cada gesto, em cada momento solitário.
Então, em uma tarde amena, fui convocado para um evento especial, um chá de bebê que havia sido adiado algumas semanas devido a problemas de saúde da gestante. Vestido em uma batina azul celeste, uma cor diferente do habitual, fui recebido com admiração solene enquanto caminhava pelas ruas para o meu destino, cumprimentando as pessoas que me esperavam.
Ao chegar aos jardins nos fundos da casa espaçosa, deparei-me com algo que me tirou o fôlego. Lá estava ela. Samantha. Vestida na mesma cor que eu, azul celeste, um detalhe que me pareceu quase simbólico, uma espécie de sinal divino. Mas era muito mais do que isso. A cor não apenas destacava a beleza da sua roupa; ela realçava sua presença de uma maneira sublime. Os cabelos negros caíam em ondas soltas, devido ao babyliss que fizera, e seus olhos azuis brilhavam intensamente enquanto conversava, animada, com a gestante.
Fiquei ali, parado, contemplando-a. Perdido na órbita da perfeição que ela representava. Cada detalhe, cada gesto dela, me mantinha enraizado no lugar, como se o tempo tivesse parado. O mundo ao redor começou a desaparecer, e por dois segundos, só existia ela. Eu me perdi por completo.
As vozes ao meu redor, de mulheres que tentavam falar comigo, tornaram-se um zumbido distante. E então, de repente, como se pudesse sentir o peso do meu olhar, ela se virou. Nossos olhos se encontraram, e tudo o que eu havia cuidadosamente mantido reprimido durante um mês se despedaçava ali, diante dela.
Naquele instante, enquanto olhava para Samantha, soube que meu coração ainda pertencia a ela, inteiramente. E, por mais que tentasse, não havia como escapar do fato de que, com ela, meu mundo se desfazia e se reconstruía, sempre, apenas para ela.
Samantha
Quando vi o Padre Vergas se aproximando, depois de um mês sem qualquer contato, a saudade me invadiu com uma força que quase me tirou o ar. Era uma saudade pesada, densa, e a dor que vinha junto com ela me atravessava de uma forma que parecia impossível de suportar. O desejo de correr até ele, de abraçá-lo e implorar para voltarmos como casal, era tão grande que meus pés m*l conseguiam ficar parados. Havia sido a mentora daquele afastamento, fui eu quem colocou um fim temporário em tudo, mas, naquele momento, tudo o que eu queria era retornar ao caos que éramos.
Mesmo que nossa relação tivesse sido penosa para ele, eu sabia, no fundo, que ele me amava, e isso era suficiente para justificar a loucura. O amor entre nós era um erro, um fardo, mas, ao mesmo tempo, era a única coisa que fazia sentido. Concluí que eu era a sua cruz, seu carma. Algo que ele tentava resistir, mas, inevitavelmente, carregava consigo.
Enquanto ele se aproximava, sustentava o olhar preso ao meu, e o tempo parecia parar. A forma como ele me olhava, ignorando completamente as outras mulheres ao redor que falavam incessantemente sobre seus problemas com os maridos, me fez perceber o quanto ainda significávamos um para o outro. Era como se, naquele momento, eu fosse o seu mundo inteiro.
Aflita, tentei miserávelmente disfarçar, mantendo a conversa com Jessica, a gestante e dona da casa, que estava animada falando sobre o bebê. Mas, por mais que tentasse focar em suas palavras, minha atenção estava totalmente nele. A cada passo que ele dava em minha direção, meu coração acelerava, batendo descompassado. Senti minhas mãos começando a tremer levemente.
Jessica, no entanto, parecia perceber a tensão no ar. Seus olhos viajaram entre a minha pessoa e o padre, como se estivesse captando algo que as outras mulheres, ainda envolvidas em seus diálogos, não conseguiam ver. Havia uma troca de olhares silenciosa entre nós, uma comunicação que não precisava de palavras, mas que Jessica fisgou no ar. Ela interrompeu o que estava dizendo e, com um sorriso discreto, mudou de assunto, como se nos desse espaço para aquele encontro inevitável.
Ele finalmente estava a poucos passos, e o peso da saudade me atingiu com ainda mais força. O que aconteceria agora? Eu me perguntava. Tentava manter a calma, fingir que tudo estava bem, mas a verdade era que, naquele instante, só queria me jogar em seus braços e esquecer de tudo, de todo o sofrimento, da culpa, e de qualquer julgamento que o mundo pudesse fazer de nós.
O padre parou à minha frente, e o tempo pareceu suspenso entre nós, como se aquele momento fosse só nosso, mesmo cercados por outras pessoas.
Continua...