Padre Vergas
Ao chegar ao jardim, com o calor do evento e a energia contagiante das pessoas, fui imediatamente atraído para o grupo onde estavam Samantha e Jessica. A visão de Samantha vestida em um elegante azul celeste, a mesma cor que eu, foi um golpe direto no meu coração. Eu sabia que estava infringindo um silêncio doloroso que existia entre nós, mas a força do meu sentimento era maior do que qualquer medo ou constrangimento.
Diante desse cenário dirigi-me a elas com um leve sorriso e uma saudação educada. — Boa tarde, senhora Travares e senhorita Cruz — disse, tentando manter uma compostura que estava em frangalhos. Samantha e Jessica responderam com a mesma simpatia, embora o olhar de Samantha, furtivo e distante, demonstrasse o desconforto que eu sentia em meu próprio peito. Enquanto as mulheres ao meu redor continuavam a falar incessantemente sobre suas vidas e preocupações, mantive meu foco em Samantha, observando-a com a intensidade de um amante que não podia falar o que realmente sentia, em público.
Samantha, tentando escapar da situação desconfortável, pediu licença e se dirigiu para a mesa de doces do outro lado do jardim. Seus passos eram cuidadosos, quase hesitantes, como se estivesse fugindo de algo que não conseguia enfrentar. Vi-a se afastar com um certo grau de covardia, e isso me fez sentir um peso profundo no peito. O sentimento de culpa e dor se intensificou, e eu me questionava como havia chegado a esse ponto de sofrimento e arrependimento.
Jessica, sentada em sua cadeira branca adornada com tecidos azuis, cercada pela decoração delicada e elegante de sua festa, tentou acalmar a agitação ao nosso redor. Ela anunciou, com uma voz firme e compassiva, que o padre atenderia a todas na paróquia no momento apropriado. As mulheres, embora frustradas por terem sido dispensadas temporariamente, compreenderam que minha presença ali era para abençoar o bebê de Jessica, e assim saíram, reclamando um pouco, mas com a sensação de que a cerimônia estava em boas mãos.
Enquanto ali se esvaziava, Jessica virou-se para mim com um olhar esperançoso e me fez uma pergunta que fez meu coração acelerar.
— Padre, o senhor tem algo para dizer à senhorita Samantha? — Seu sorriso meigo e os olhos compreensivos pareciam querer interceder por mim, e eu me senti sobrecarregado por sua gentileza e preocupação.
Olhei imediatamente na direção de Samantha, que estava agora um pouco mais distante, perto da mesa de doces. Ela parecia em paz com o ambiente ao seu redor, mas havia um brilho de tristeza em seus olhos. O desejo de me aproximar dela e resolver as pendências entre nós era quase insuportável. Pensar em cada passo em direção a ela parecia um desafio, um embate entre o desejo e o dever.
Respirei fundo e, com uma voz que não escondia o nervosismo e a angústia que sentia, comecei a falar. — Samantha e eu... — O som da minha própria voz parecia estranho, quase insuficiente para transmitir o que realmente sentia. Desejava abrir meu coração novamente a moça que tanto amava, sem saber o que encontraria ao final dessa conversa, mas a necessidade de fazê-lo era mais forte do que qualquer dúvida que pudesse ter.
Eu sabia que o que quer que fosse que dissesse, precisava ser dito com a sinceridade e o amor que havia carregado em silêncio por tanto tempo. O que viesse a seguir poderia ser o início de uma nova fase em nossa complicada história, ou o fim definitivo de um relacionamento que eu nunca deveria ter começado, mas que, de alguma forma, me consumia completamente.
Samantha
Enquanto andava ao redor da longa mesa repleta de bolos, doces e petiscos variados, sentia a brisa suave do jardim tocando meu rosto. O espaço estava magnificamente decorado com tons de azul celeste e branco, e a atmosfera era de pura elegância e tranquilidade. A anfitriã, uma mulher simpática e atenciosa, havia escolhido com muito carinho cada detalhe. Eu a conheci dias atrás, quando acompanhava sua escolha de flores para a festa, e agora, vendo tudo montado, admirava o cuidado e a beleza do lugar.
A mesa estava organizada de maneira impecável, com arranjos florais elegantes e luzes florescentes que lançavam um brilho suave sobre o cenário. A pequena natureza era exuberante, parecia um lugar retirado de um conto de fadas, com árvores verdes e flores coloridas criando um ambiente sereno e encantador.
Ao me aproximar da mesa para pegar um prato e montar minha refeição da tarde, uma brisa mais forte passou por mim, fazendo o tecido leve e rodado do meu vestido levantar. Assustada, quase soltei o prato pesado das mãos. Mas, de repente, algo inesperado aconteceu. Um par de mãos surgiu, segurando o vestido que tentava se rebelar com o vento. Eu olhei para baixo, vendo um homem abaixado na minha frente, com uma expressão de gentileza e preocupação no olhar.
Quando ele se levantou lentamente, suas mãos ainda estavam ao meu redor, como se quisesse proteger-me até mesmo de um simples vento. Seus olhos escuros estavam cheios de uma ternura e uma profundidade que me deixaram sem palavras. A presença dele, inesperada e reconfortante, me fez sentir um misto de alívio e confusão.
— Cuidado com o vento — disse ele suavemente, mantendo o olhar fixo em mim. A maneira como ele falou parecia quase como uma promessa de p******o, e a sua proximidade foi um bálsamo para a saudade e a dor que eu sentia por causa do afastamento imposto a nós.
— Obrigada — respondi, ainda um pouco atônita. Não consegui desviar o olhar dele, que parecia ser uma âncora em meio ao tumulto das minhas emoções. A presença dele naquele momento, mesmo com um gesto tão simples, me fez reavaliar tudo o que havia acontecido entre nós.
A atmosfera ao redor parecia ter mudado. O jardim, as flores, e até mesmo o vento que antes era um desafio agora pareciam mais acolhedores com ele ali. Senti que, mesmo em um evento tão simples quanto uma festa, a complexidade dos meus sentimentos por ele não diminuía.
Padre Vergas
A interação com Samantha naquele jardim, no meio da festa, tornou-se um dos momentos mais inesperados e intensos que já vivi. Quando ela se assustou com o vento, eu me abaixei para ajudá-la a segurar o vestido, e nosso contato, embora simples, trouxe uma proximidade paradoxal que ambos sentimos profundamente. As suas mãos estavam tremendo levemente ao se agarrar aquele, e eu não pude deixar de notar como a sua timidez era adorável e, ao mesmo tempo, desarmante.
— Cuidado com o vento, Samantha — eu disse suavemente, tentando acalmá-la enquanto mantinha as mãos ao redor dela. Meu tom era gentil, e a intenção era protegê-la não só do vento, mas de qualquer desconforto que pudesse sentir. Eu a via se esforçando para se manter equilibrada, e a proximidade física entre nós parecia intensificar a tensão que havia entre nós.
Ela tentou se afastar, mas eu continuei ali, próximo, tentando garantir que ela não fosse pega de surpresa novamente. O vento soprava forte, e eu me posicionei de forma a bloqueá-lo, cercando-a com um cuidado quase instintivo. A situação era incomum, mas estava consciente do meu papel, mesmo enquanto brincava com a situação para aliviar um pouco a tensão.
— Tirando o senhor, nenhuma das convidadas se sentiriam m*l se o meu vestido subisse até a cintura? — Ela indagou, sua voz carregada de uma mistura de desconforto e curiosidade.
Olhei ao redor, notando que algumas mulheres estavam observando a cena com interesse, cochichando entre si. Sem me importar com o público, respondi com um olhar penetrante que a fez corar ainda mais.
— Faria m*l aos meus olhos, já que não posso tocá-la — disse eu, tentando manter a leveza na voz, apesar da profundidade das minhas palavras.
Samantha fechou os olhos por um momento, absorvendo a profundidade do que havia dito. Quando os abriu novamente, seus olhos estavam ainda mais intensos e, para minha surpresa, ela percebeu que eu havia removido o anel de compromisso que antes usava. Sua expressão mudou, e ela me confrontou com um tom de rancor.
— Vejo que já se esqueceu de mim, padre — disse ela, sua voz carregada de uma tristeza silenciosa.
Senti um aperto no coração ao ouvir suas palavras. Sem hesitar, puxei do meu pescoço o cordão que escondia por trás da batina, os dois anéis de compromisso, um gesto que havia encontrado em meio ao arrependimento, para sempre carregar uma parte dela comigo.
— Nem por um minuto sequer, senhorita — respondi, suspirando profundamente. Mostrei-lhe os dois anéis, o meu e o dela, pendurados no cordão. — Levo a senhorita comigo para onde eu for.
A expressão dela mudou ao ver os anéis, e eu percebi que minhas palavras e o gesto tinham tocado algo profundo nela. A tensão entre nós parecia diminuir, mas a conexão que compartilhávamos era palpável, carregada de sentimentos e promessas não ditas. Em meio à festa, com o som das conversas e a música ao fundo, aquele momento era uma espécie de ponto de virada para nós.
Ela me olhou com uma mistura de esperança e desconfiança, e eu soube que precisaríamos de mais tempo para lidar com o que sentíamos. O que viria a seguir seria decidido por ambos, mas o importante era que, naquele instante, a nossa conexão estava reafirmada, apesar dos desafios que enfrentamos, e ainda o que teriámos de enfrentar.