Samantha
Eu havia abaixado a cabeça, analisando cada palavra que ele dissera. A profundidade da confissão do Padre Vergas reverbera em minha mente como um eco distante, mas intenso. Quando voltei a olhá-lo, uma certeza cresceu dentro de mim, algo que precisava ser dito:
— Não haverá mais penitências, meu padre — falei suavemente, tentando alcançar seus olhos com os meus, como se procurasse alguma forma de absolvição mútua.
Ficamos assim por alguns segundos, imóveis, em um silêncio pesado, até que ele quebrou o contato visual, voltando-se para o curativo. Com uma precisão impecável, envolveu minha mão com a atadura, tão dedicado e focado como sempre, a imagem do sacerdote devotado. Era a sua vocação cuidar dos outros, uma vocação que o moldara e definia, mas havia muito mais nele que me intrigava.
— Padre, por que escolheu o Vaticano? — minha voz soou um pouco mais forte do que eu esperava, uma pergunta que há muito tempo estava presa dentro de mim.
Ele parou por um momento, tenso, e me olhou de maneira séria, deixando a minha mão repousar sobre a cama.
— Escolhi servir a Deus, senhorita — respondeu com a mesma seriedade que eu conhecia tão bem.
Aquilo não era suficiente para mim. Eu queria entender mais, queria tocá-lo de uma maneira que talvez ele nunca permitisse. Senti um riso escapando dos meus lábios, quase por impulso, enquanto tentava aliviar o clima pesado.
— Poderia servi-lo sem ter se tornado um padre, sabia? — provoquei, um leve sorriso brincando nos meus lábios. — O senhor é esperto, claro que sabia.
Mas ele não sorriu. Continuou a me olhar com aquela expressão rígida, cheia de algo que eu não podia decifrar. Depois, ele se levantou lentamente, guardando o medicamento na caixinha sobre a cômoda ao lado da cama. Não me olhou ao soltar um suspiro longo e pesado, como se carregasse um fardo antigo. O silêncio que se seguiu me fez perceber o peso das minhas palavras. Eu já estava prestes a pedir perdão por ter sido tão invasiva quando o vi passar por mim, apressado.
Não pensei. Apenas agi. Meus dedos se fecharam ao redor de seu pulso com tanta impetuosidade que o fiz parar abruptamente. Ele virou o rosto rapidamente, e nossos olhares se encontraram com uma intensidade que me fez sentir pequena e desesperada ao mesmo tempo.
— Me perdoa por ser tão intrometida — disse, quase implorando. — Não devia fazer perguntas óbvias. O senhor ama ser padre, e é, de fato, um maravilhoso sacerdote.
Ele continuou me olhando, seu rosto rígido, seus olhos me analisando de maneira profunda e crítica. Senti minha respiração acelerar, temendo que tivesse ido longe demais. Mas então, a dureza em sua expressão começou a se dissolver, dando lugar a algo mais suave, mais carinhoso.
— Mas, por favor — continuei, minha voz quase um sussurro. — Não desista de mim. Não vá embora. Fica.
Por um instante, pensei que ele fosse resistir. Mas, então, o vi relaxar, seus ombros caindo levemente enquanto me observava de uma maneira que aquecia meu coração, como se estivesse, finalmente, permitindo-se sentir o que estava tentando esconder por tanto tempo.
— Onde eu iria, senhorita? — ele perguntou, um sorriso suave surgindo em seus lábios. — Se todos os meus passos parecem segui-la feito uma mula teimosa.
O alívio que senti ao ouvir aquelas palavras foi imediato, algo grandioso explodiu dentro do meu ser, acalmando todas as incertezas que carregava. Sorri para ele, mais aliviada do que jamais estive, e soube que, de alguma maneira, mesmo com toda a confusão, ele sempre ficaria. Por mim. Pela sua amada e eterna namorada secreta.
Padre Vergas
Eu não conseguia desviar os olhos dela. Aquele pedido desesperado para que eu ficasse, para que não fosse embora, tocou algo dentro de mim que eu tentava manter enterrado mas que fracassava dia após dia. A verdade era que, por mais que tentasse, nunca conseguia me afastar completamente de Samantha. Ela me atraía de uma forma que ia além da razão, além do normal. E isso me assustava e deslumbrava.
Ela continuava a me olhar com aqueles olhos intensos, a mão ainda presa no meu pulso, como se temesse que, ao soltá-lo, eu desaparecesse. Senti o peso daquela conexão, o fardo de todo o nosso relacionamento escondido, das nossas emoções tendo que ser constantemente reprimidas para não ultrapassar as barreiras. Mas, por enquanto, eu precisava cuidar dela.
— Fique aqui — ordenei com uma voz calma, mas firme, enquanto olhava para a mão dela envolta no curativo.
— Eu vou preparar o café. — Continuei, já me afastando, mas ela tentou se levantar junto comigo, sua mão ainda segurando meu braço, como se não quisesse deixar que me distanciasse dela. A pressão de sua mão fez meu coração disparar, mas havia algo que precisava ser feito.
Com um movimento rápido, desviei-me de seu toque, chegando mais perto, muito mais perto do que deveria. Ela ofegou de surpresa, e por um breve momento, o cômodo pareceu desaparecer ao nosso redor. Senti sua respiração se tornar irregular enquanto a segurava pelos ombros suavemente, porém firme o suficiente para que ela entendesse que não deveria se mexer.
Nossas testas quase se tocaram. A proximidade me fez sentir o calor de seu corpo, o que apenas intensificava o turbilhão de emoções que eu tentava suprimir. Cada batida de seu coração parecia ressoar no silêncio entre nós.
— Fique na cama — ordenei, num sussurro rouco, a voz grave m*l escapando entre meus lábios. Precisava que ela entendesse que, por agora, ela deveria descansar. Ela precisava cuidar de si mesma.
Por um momento, nossos olhares se mantiveram presos, e eu pude ver a tempestade de emoções em seus olhos. Era um pedido, quase uma súplica. E, ao mesmo tempo, havia algo de rendição naquele olhar.
Soltei seus ombros, a contragosto, e me virei para a porta do quarto, sentindo cada passo ser mais pesado do que o anterior. Deixei o quarto sem olhar para trás, sabendo que, se eu o fizesse, poderia não conseguir sair. Fui até a cozinha, tentando me concentrar na tarefa de preparar o café, mas a presença dela continuava a pulsar dentro da minha carne.
Samantha estava em todos os meus pensamentos, por mais que eu tentasse manter a distância, a cada momento com ela só tornava mais difícil seguir adiante.
Samantha
Ficamos sentados na minha cama, onde degustamos da nossa pequena merenda, e depois de tomarmos o café, acompanhado da torta salgada, e do bolo de recheio de maracujá com amêndoas, o clima entre nós permaneceu leve, quase amigável. Conversamos como se nada tivesse acontecido, como se não estivéssemos à beira de algo tão íntimö, tão profundo. Evitamos qualquer aproximação mais intensa, mas havia um entendimento silencioso de que o momento mais esperado por nós dois estava por vir: dormiríamos juntos nesta noite, finalmente.
Senti meu coração acelerar quando levantei e fui até o guarda-roupa. A ideia de vê-lo em algo diferente do seu traje sacerdotal era uma pequena fantasia minha, e o que encontrei desde que me hospedei aqui, no fundo do guarda-roupa, parecia o presente perfeito para isso. Voltei até ele com um sorriso travesso, segurando as peças de algodão que, no passado, ele provavelmente usava para dormir.
— Padre, encontrei esse conjunto guardado. Achei que talvez o senhor quisesse usá-lo hoje — disse com uma voz leve, mas o nervosismo era evidente na minha respiração. Ele me olhou, surpreso, enquanto meus braços ansiosos estendiam as roupas para ele.
— Encontrei no fundo do guarda-roupa... lavei-as. Esperei por um dia como este... para vê-lo vestido com elas, longe dos trajes sacerdotais. — Senti um rubor subir pelo meu rosto, mas mantive o olhar fixo nele, esperando sua reação.
Ele ficou abismado, se levantando lentamente, quieto, o choque nos olhos dele era claro, mas logo suavizou a expressão. Um sorriso discreto apareceu em seus lábios, e ele aceitou as roupas com um gesto de cabeça, como se estivesse entrando em um território desconhecido, mas curioso. A blusa de algodão branca e o short seriam um alívio para mim, pois o deixaria mais vulnerável, mais humano, visível de uma maneira que raramente permitia.
— Tenho certeza de que vai gostar de vestir isso — brinquei, sorrindo de um jeito que mostrava que a ideia de vê-lo sem os trajes tradicionais me animava mais do que gostaria de admitir.
Sem dizer nada, ele apenas pegou a toalha que eu também havia lhe oferecido, limpa e perfumada, pronta para que se secasse depois de se lavar, antes de se deitar comigo, ao meu lado. Ele me olhou uma última vez, segurando as roupas e a toalha, quando eu acrescentei:
— Ah, e... tem uma escova de dentes novinha esperando pelo senhor no banheiro. — Minha voz saiu um pouco mais baixa, enquanto tentava conter a ansiedade de vê-lo se preparar pelo nosso grande acontecimento.
Ele parou por um segundo antes de se virar e ir para o toalete. Murmurou meu nome, quase como um segredo entre nós, e eu senti um arrepio correr pela minha espinha. Eu o observei se afastar, segurando o que agora eram símbolos de uma nova i********e entre nós.
Enquanto ele desaparecia pelo corredor, fiquei parada, absorvendo o momento. O silêncio do quarto parecia mais pesado, mas carregado de expectativas. Sentei na beira da cama, esperando meu namorado padre retornar. Estávamos prestes a cruzar um novo limiar, um que nenhum de nós sabia exatamente aonde nos levaria.
Fechei os olhos por uns segundos, tentando controlar o tumulto de emoções que fervilhavam dentro de mim, e eu me preparava, tanto fisicamente quanto emocionalmente, para o que essa noite traria para nós dois.