Letícia Fontenelle
Quando cheguei em casa naquela noite silenciosa, agi com calma e convicção, evitando chamar a atenção de Naná. Minha mente já estava decidida: essa noite seria enterrada no passado, onde ela merece ficar.
Fui direto para o banho, sentindo a água quente percorrer cada centímetro do meu corpo, como se estivesse lavando não só a sujeira da pele, mas qualquer resquício de fraqueza. Deixei o calor da água levar embora as memórias indesejadas, e, ao sair, estava renovada. Coloquei minha roupa de dormir e, apesar da dor de cabeça persistente, tomei um remédio e me deitei com o firme propósito de descansar.
Mesmo com os olhos fechados, as palavras de Guilherme não deixavam de ecoar na minha mente. Cada insulto, cada acusação lançada como uma flecha:
"Sua v***a…”
“Golpista...”
“Você não vale nada..."
Essas palavras, no entanto, não vão me derrotar. Pelo contrário, me fizeram enxergar com clareza quem ele realmente é: um homem mesquinho e pequeno. Agora, entendo que foi preciso ver essa face sombria para perceber o tipo de pessoa que ele sempre foi — alguém indigno de mim.
Lembro-me de como, no início, tudo parecia mágico, quase um conto de fadas. O primeiro beijo, os momentos de descoberta... Mas agora vejo que isso era apenas a fachada de um homem incapaz de valorizar qualquer coisa genuína. Quando ele soube que eu era virgem, algo tão especial para mim, reagiu como se eu tivesse cometido um erro.
Apesar da dor física, da minha expectativa desfeita, sei que mereço muito mais. E agora estou pronta para seguir em frente, deixando-o para trás, como apenas mais uma lição no caminho.
A única coisa que eu realmente aproveitei foi o sabor do prazer proporcionado pela boca dele. E que boca… Seus beijos eram intensos, quase impossíveis de resistir. Ele era o convite perfeito ao desejo. Infelizmente, sua verdadeira natureza se revelou rude e desprezível.
Sim, talvez eu tenha errado ao não falar sobre minha inexperiência. Mas como eu poderia?
Ele não me deu chance. Ele me puxou de forma inesperada e com firmeza. Era algo que eu nunca tinha sentido, a força de alguém que parecia saber o que queria. Mesmo assim, não deveria ter deixado meus sentimentos me levarem. Permitir que ele, intoxicado, me beijasse, me despisse e explorasse meu corpo foi um erro. Eu ansiava por algo mais que ele nunca foi capaz de dar.
Meu amor por ele era intenso, eu admito, mas prometo que vou superar isso. Não importa o quanto doa ou o quanto eu ainda sinta sua falta… eu vou superar.
Deixei o hotel em silêncio, sem que ele notasse, e tomei meu rumo. Não suportaria mais um olhar de desdém ou palavras ofensivas. Ele podia pensar o que quisesse, que eu buscava dinheiro ou qualquer outra coisa. Isso nunca foi verdade, e eu não preciso provar nada a ele.
Decidi que nunca mais vou voltar. Por mais que tentem me impedir, minha decisão é firme.
Naquela manhã, levantei sem energia, mas não ia me deixar abater. Realizei minha rotina, vesti uma roupa confortável e fui até a cozinha. Naná estava lá, e seu olhar denunciou a surpresa.
— Minha filha, o que faz aqui? Pensei que só voltasse à noite! — disse ela, curiosa.
— Terminei o trabalho mais cedo, então resolvi voltar antes — respondi, evitando mais detalhes.
Naná pareceu perceber que eu não estava pronta para conversar, e não insistiu. No dia seguinte, ainda estava em casa quando ela perguntou novamente.
— E o trabalho?
— Saí do emprego — respondi, sem hesitação.
— Sério?
— Sim, chega de ser secretária. Já basta.
Os dias passaram, e minhas amigas, Rebeca e Camila, começaram a notar minha ausência. Decidiram fazer uma visita surpresa, invadindo meu quarto, meu único refúgio.
— O que está acontecendo com você, Letícia? — perguntou Rebeca, sempre tão direta.
— Nada — tentei desconversar.
— Ah, nem vem! Desembucha o que o canalha do seu chefe te fez — disse ela, sem rodeios.
— Ah, então agora você é vidente? — brinquei, desviando o foco.
Rebeca, mesmo casada e rica com suas obras de arte, mantinha sua simplicidade e energia vibrante. Isso sempre foi sua essência. E, embora eu estivesse machucada, saber que tinha amigas como ela e Camila me dava forças para seguir em frente.
— Fala logo! — insistiu Camila, igualmente impaciente.
— Será que eu não posso ter paz? Não aconteceu nada demais, só decidi que não vou mais trabalhar naquele lugar. Estou cansada de lidar com aquele homem. — Minha voz saiu firme, carregada de uma raiva controlada, o suficiente para elas entenderem que havia algo errado.
— Me conta o que aquele desgraçado fez! Eu mesma vou lá na empresa dele e arranco o p*u dele fora. Ou o coração. Ainda não decidi o que tirar primeiro, se ele fez algo com você — declarou Rebeca, cheia de indignação e energia.
Resolvi contar uma versão resumida. Não vou mencionar as palavras cruéis que ele proferiu após nossa primeira noite juntos. Apenas expliquei que passamos a noite juntos e, agora, não quero mais encará-lo. Admiti que já não sou mais virgem e que a experiência foi tudo, menos boa.
— Amiga, fica tranquila, isso melhora com o tempo. Quando você se acostuma, tudo fica diferente. Logo logo você não vai mais querer parar — disse Rebeca, sempre com seu jeito extrovertido.
Por mais sem sentido que o comentário dela fosse, aquilo de certa forma me confortou. Era bom ter amigas que, mesmo em meio ao caos, estavam ali para me distrair e aliviar o peso da situação, nem que fosse por um momento.
— Mas por que vocês não trouxeram as crianças? Elas me fazem tão bem, morro de saudades dos meus dois amores — comentei, desviando o foco.
— Ah, amiga, queríamos aproveitar um tempo só com você. Mas podíamos marcar de ir pra Lapa, só nós três… — sugeriu Rebeca, rindo.
Soltei uma gargalhada.
— E você acha que o seu marido vai deixar você sair pra Lapa só com a gente? Pode sonhar!
— Ele não manda em mim, vou se eu quiser. Só que hoje eu não tô a fim, deixo pra próxima… — Rebeca concluiu, com aquele ar de independência que sempre admirei.
É claro que ela sabe o quanto o marido dela é ciumento. Por mais que tente fazer as coisas ao seu jeito, sabe bem que certas atitudes dele já foram até um pouco exageradas. Ela imaginava que o ciúme dele diminuiria com o tempo, mas parece que só aumentou.
Quando as duas finalmente foram embora, já era tarde. Ao me virar, encontrei o olhar preocupado de Naná, que me observava com sua típica expressão maternal.
— Quem disse pra você avisar a elas que eu estava m*l? — perguntei, encarando-a.
— Eu só estava preocupada, minha filha. Não posso ignorar quando percebo que você está sofrendo — respondeu ela, com a voz cheia de ternura.
— Não precisa se preocupar, Naná. Eu vou ficar bem — garanti, tentando tranquilizá-la. Por mais que eu ainda carregasse a dor por dentro, estava decidida a superar isso.