CAPÍTULO 2 | MIRELLA
Sair da aula naquele dia parecia uma libertação, como se cada passo para fora do prédio me afastasse da pressão que vinha se acumulando durante a semana. As provas, os trabalhos, os professores insistindo em mais e mais leituras... tudo parecia pesar nos meus ombros, e o cansaço mental já estava começando a se refletir fisicamente. Minhas costas doíam de tanto tempo sentada, a cabeça estava latejando com aquela sensação de exaustão que só quem passa o dia todo imerso em livros conhece.
Eu precisava respirar. Precisava de um momento para me desconectar de tudo aquilo, e o simples pensamento de fazer algo diferente já começava a aliviar a tensão. Foi nesse estado de espírito que Fernanda, sempre cheia de ideias, sugeriu o plano perfeito.
— Gente, que tal irmos conhecer aquele café que inaugurou semana passada? Dizem que é bem aconchegante, o lugar perfeito pra gente relaxar depois dessa semana de cão.
Eu nem precisei pensar duas vezes.
— Bora! — respondi rápido, quase sem hesitar, sentindo uma onda de alívio ao saber que estava prestes a escapar da rotina pesada de estudos.
A ideia de um café novo, ainda mais se fosse bonito e acolhedor, me pareceu exatamente o que eu precisava. Sabe aquele tipo de lugar que você m*l entrou e já consegue sentir o cheiro do café moído, a madeira rústica, as luzes quentes? Era disso que eu precisava, um ambiente que me fizesse esquecer, pelo menos por algumas horas, os textos acadêmicos intermináveis e a pressão das notas.
Durante o caminho, minha mente já vagava longe dos textos acadêmicos e se perdia na ideia de uma tarde leve, conversando fiado com as meninas.
Chegando lá, o lugar tinha um clima acolhedor, com a luz do fim de tarde entrando pelas janelas amplas e mesas de madeira rústica espalhadas pelo salão. O cheiro de café fresco era envolvente, me relaxando imediatamente.
Me deixei levar pelo ambiente, absorvendo o aroma de café fresco que enchia o ar e o murmúrio suave das conversas ao fundo. Minhas amigas já haviam começado a escolher uma mesa, e eu estava distraída, observando o lugar. Foi nesse instante, entre um passo e outro, que tudo parou.
Ao me virar, senti o impacto. Não era forte, apenas o suficiente para me fazer dar um pequeno tropeço. O choque foi contra algo – não, alguém. Um corpo firme, quente, mais alto do que eu esperava. Senti o calor imediato da pele dele, e, no susto, meus olhos subiram devagar, como se minha mente estivesse processando a cena em câmera lenta.
Ele estava ali.
Alto, cabelo levemente bagunçado, do jeito que parece proposital, mas que provavelmente não era. Seus olhos me encararam com uma intensidade tranquila, aquela que segura seu olhar por um segundo a mais do que o necessário, criando uma tensão quase palpável. Atraente seria uma palavra modesta para descrevê-lo. Ele exalava confiança de uma maneira natural, como se o próprio ambiente ao redor reconhecesse sua presença e se moldasse em torno dele.
Definitivamente não era do tipo que eu via todos os dias na faculdade. Não era o garoto típico da turma de ciências sociais ou aquele cara bonitinho do centro acadêmico. Havia algo mais ali, uma aura de maturidade e despreocupação, como se ele estivesse sempre no controle, sem nem precisar tentar.
— Desculpa — murmurei, e minha voz saiu um pouco mais baixa do que eu queria.
Eu esperava uma reação, talvez um “tudo bem” ou até um “sem problemas”. Qualquer coisa que quebrasse o silêncio pesado que agora se instalava entre nós.
Mas ele não disse nada. Apenas deixou um meio sorriso brincar nos lábios, um gesto mínimo, mas que pareceu acionar algo dentro de mim. Aquele calor familiar subiu pelo meu pescoço, queimando minhas bochechas. Senti a pulsação acelerar, e, por um segundo, minha mente congelou.
Tentei me recompor, voltando a atenção rapidamente para onde minhas amigas estavam, como se aquele pequeno incidente não tivesse me abalado. Mas sabia que estava falhando miseravelmente. O calor que ele deixou no ar ainda me envolvia, e minha cabeça girava em torno do que acabara de acontecer.
Forcei meus pés a se moverem, tentando focar nas vozes familiares das meninas, mas, a cada passo que eu dava, minha mente voltava para aquele momento. Para ele. Sabia que estava fazendo um esforço consciente para não olhar de volta, mas a curiosidade me corroía por dentro. Eu podia senti-lo ainda por perto, e o ar parecia mais denso, mais carregado.
— Gente, esse lugar é uma fofura, né? — Fernanda comentou, olhando ao redor, enquanto procurávamos uma mesa.
Assenti, me acomodando numa das cadeiras, mas minha cabeça não estava exatamente no ambiente. Eu podia senti-lo por perto, não o via, mas sabia que ele estava ali. A presença dele parecia pairar no ar, e era impossível não me sentir tentada a olhar discretamente de novo. “Tão gostoso”, pensei comigo mesma, reprimindo um sorriso que ameaçava aparecer.
— Eu ouvi dizer que eles têm um bolo de chocolate incrível aqui, alguém quer dividir? — Amanda propôs, distraída com o cardápio.
— Pode ser... — respondi, meio alheia.
Minha mente ainda estava presa à figura do cara que eu tinha esbarrado.
Minhas amigas riam e conversavam, mas eu estava ali jogando meu próprio jogo, fingindo desinteresse enquanto escaneava o ambiente com o canto dos olhos, procurando por ele. Quando finalmente o vi, estava encostado no balcão, falando com o atendente, como se o mundo girasse em seu próprio ritmo. De novo, aquele sorriso de canto. A forma como ele segurava a xícara de café, casual, me fazia imaginar outras coisas que ele poderia segurar com aquela mesma firmeza.
Voltei a atenção para a mesa, mas agora, era impossível disfarçar o brilho nos olhos. Senti Amanda me olhar de lado.
— Mirella, tá prestando atenção?
— Ah, sim... Claro — menti, rindo meio sem graça.
O jogo de olhar de longe continuou por alguns minutos. Ele sabia que eu o estava observando, e eu sabia que ele sabia. O tipo de tensão que quase dava para sentir no ar. Me inclinei na cadeira, cruzando as pernas de propósito, ajeitando o cabelo casualmente, como quem não quer nada, mas, ao mesmo tempo, querendo tudo.
Ele passou perto da nossa mesa uma última vez, o suficiente para que nossos olhos se encontrassem mais uma vez, e então, num movimento rápido, saiu.
Eu não precisava de mais nada naquele momento. Sabia que aquele breve encontro tinha sido o suficiente para deixar o ar mais denso, para me lembrar que o jogo estava apenas começando.
As meninas ainda conversavam sobre as notas, os professores e as festas da faculdade, mas eu já estava em outra sintonia. O jogo de desinteresse começava, e eu estava disposta a seguir nele até o fim.