Capítulo 2
MAJU NARRANDO
Acordo com o celular despertando, mas não consigo abrir os olhos.
Fantasma - Amor?
Maju - Hummm...
Fantasma - Desliga.
Maju - Vou levantar tenho audiência hoje. - Falo abrindo os olhos e porrä! Hoje vai ser difícil.
Nossa levantei vendo tudo rodando, não era para ter bebido tanto ontem, mas como era aniversário dos meus bebês, eu acabei extrapolando e agora, estou aqui tomando banho tentando recuperar a minha dignidade que o álcool tirou ontem.
Fico mais alguns minutos no banho e quando saio vou me arrumando rápido.
Fantasma - Tá mais calma?
Maju - Nem me lembra disso, tá? - Falo enquanto vou me arrumando.
Ontem chegaram umas "garotas" que o Lucas chamou e eu já me estressei com as graças delas com o Fantasma, mandei uma passear rapidinho.
Fantasma - Adoro ver a minha mulher maravilha cuidando do que é dela.
Maju - Eu só quero postura da tua parte Leandro só isso, porque se não, eu simplesmente vou embora, não vou ficar batendo cabeça depois de tudo que já passamos.
Fantasma - Tu sabe que eu não tenho olhos pra nenhuma mulher a não ser tu né? Até parece que eu vou trocar a minha mulher maravilha por putä de morro. Tô louco não.
Maju - Então tá bom. Agora eu preciso, não posso chegar atrasada no fórum.
Fantasma - Maju, precisa andar com vapor na cola, não gosto nem um pouco de tu andando sem segurança.
Maju - Amor, não dá. Eu vivo entrando em delegacia, em fórum, em tribunal, como vou andar com vapor atrás de mim? É risco tanto pra mim como pra eles. Você sabe disso.
Fantasma - Tô ligado, mas eu fico sem visão e eu não gosto. Fico agoniado enquanto tu não chega.
Maju - 19 anos amor, nunca aconteceu nada. E não vai ser agora que vai acontecer. Para de ser persimista. - Falo dando um selinho nele e se afastando.
Fantasma - Tá Maria Júlia, mas se um dia qualquer parada acontecer, tu tem que entrar em contato comigo na hora, entendeu?
Maju - Claro senhor Leandro, você vem falando isso pra mim a 19 anos. Agora eu preciso ir de verdade.
Fantasma - Não vai tomar café?
Maju - Não. As crianças dormiram em casa?
Fantasma - Só Mirella.
Maju - Da um jeito no seu filho.
Fantasma - Vou conversar com o "nosso" filho.
Maju - Então conversa amor. Beijo!
Saio do quarto e desço as escadas dando de cara com a Mirella.
Maju - Bom dia filha.
Mirella - Bom dia mãe, tô precisando de da sua ajuda para um trabalho da faculdade.
Maju - Tá bom, eu estou atrasada mas quando chegar eu vejo com você. Beijo!
Saio de casa, entro no meu carro e desço o morro devagar, sentindo vontade de vomitar.
Maju - Nunca mais vou beber.
Passo pela barreira, pego a pista e logo chego no fórum.
( ... )
Em plena audiência com a cabeça explodindo e morrendo de ressaca. Eu olho no relógio vendo que as horas não passam, meu estômago está revirando e eu sinto que posso passar mäl, a qualquer momento.
Tales — Tudo bem doutora? — Meu assistente perguntou me olhando preocupado, pelo jeito tava na minha cara que eu não tava bem.
Maju — Só um pouco indisposta. — Falei baixinho enquanto a audiência continuava, ele apenas assentiu e voltou a prestar atenção na audiência.
( ... )
Finalmente a audiência acabou e eu saí do fórum sentindo o sol escaldante do Rio de Janeiro bater no meu rosto queimando feito brasa. Me despedi do meu cliente e do meu assistente e fui para o meu escritório. Trabalhei o dia inteiro praticamente sem parar e finalmente chegou a hora de ir embora.
Mais um dia na batalha. A rotina de uma advogada criminal não é fácil, mas eu aprendi a segurar as pontas. Ou pelo menos achava que tinha aprendido. Enquanto caminhava até o carro, senti o peso do dia nas pernas, mas a mente tranquila. Tudo estava no lugar.
Ou quase tudo.
Foi quando eu vi.
Na saída do meu escritório, encostado do outro lado da rua, ele estava lá.
Meu peito congelou. As batidas do coração falharam por um segundo. Rafael.
É isso mesmo? Rafael. Meu ex-noivo. O homem que eu matei.
Ele não podia estar ali. Eu vi o corpo. Vi o sangue. Fui eu quem puxou o gatilho. Fui eu quem enterrou o passado. Era ele ou o homem que eu amo, e eu escolhi. Escolheria mil vezes se fosse preciso.
Mas agora, ele estava ali. Parado. Vivo. Olhando para mim.
“Não pode ser”.
Minhas pernas travaram no meio da calçada. O calor do asfalto sumiu. Tudo ao meu redor ficou embaçado, como se o tempo tivesse parado. Um carro passou na minha frente, e, quando olhei de novo, ele tinha desaparecido.
Respirei fundo, o coração martelando na garganta. Encostei no carro, tentando recuperar o fôlego, mas minhas mãos tremiam. Fechei os olhos, apertando as pálpebras com força.
“Não é real. Não pode ser real”.
Eu sabia que ia carregar aquele dia para sempre. O dia em que puxei o gatilho. Eu fiz o que precisava ser feito, mas matar alguém deixa marcas. Por mais fundo que você enterre, sempre sobra alguma coisa. Uma sombra. Um cheiro. Um rosto congelado na memória.
Entrei no carro, ainda com os dedos tremendo. Liguei o motor, mas não consegui dar a partida de imediato. Fiquei ali, olhando pelo retrovisor.
“Se recomponha, Maju. Deve ser cansaço.”
Às vezes, o passado tem uma forma crüel de nos assombrar. Mesmo quando achamos que ele ficou para trás.
( ... )
Quando cheguei em casa, a primeira coisa que vi foi o Leandro. Ele estava encostado na varanda, de camiseta branca e bermuda, com aquele jeito dele que mistura calmaria com perigo. O dono do morro, mas, pra mim, ele sempre vai ser o Leandro. Meu homem.
Assim que me viu, abriu um sorriso largo, vindo na minha direção.
Fantasma — E aí, minha mulher-maravilha? Como foi a audiência? — Ele me puxou para um abraço forte, daqueles que parecem proteger a gente do mundo inteiro.
Respirei fundo, sentindo o perfume dele e tentando me ancorar naquele momento.
Maju — Tudo certo. Mais um dia vencido. — Tentei sorrir. Tentei.
Ele afastou o rosto um pouco, me olhando nos olhos. O olhar dele, escuro e profundo, analisou cada detalhe do meu rosto. O Leandro me conhece. Conhece demais.
Fantasma — O que foi? Tá estranha.
“Drogä.”
Maju — Nada demais. Cansaço. O dia foi pesado.
A expressão dele continuou séria, mas ele não insistiu. O Fantasma sabe que, quando eu quiser falar, eu falo. Ele respeita isso.
Fantasma — Você trabalha demais, Maju. Qualquer dia, você pifa. — Ele passou os dedos pelo meu cabelo, devagar. Aquele carinho dele que sempre me desmonta.
Maju — Mulher-maravilha nunca pifa. — Brinquei, tentando soar leve. Ele riu, beijando a minha testa.
Fantasma — A mulher mais incrível desse mundo. A dona do meu coração.
Sorri, mas o rosto do Rafael ainda não saía da minha cabeça.
Aquela noite, o Fantasma dormia profundamente ao meu lado. O peito subindo e descendo devagar, o rosto tranquilo. A paz dele contrastava com o caos na minha cabeça.
Eu virei para o lado, encarando o teto. Rafael. Como eu poderia ter visto ele? Não fazia sentido. Será que eu estava enlouquecendo? Um delírio do cansaço?
Eu matei ele. Eu vi ele morrer. Vi o sangue se espalhar no chão. Eu lembro da expressão no rosto dele, a surpresa congelada no segundo em que tudo acabou.
“Não tem como ele estar vivo.”
Fechei os olhos, apertando com força. Quanto mais eu tentava me afastar, mais o rosto dele aparecia. Vivo. Olhando pra mim como se tivesse voltado para buscar alguma coisa.
Ou alguém.
“É coisa da sua cabeça, Maju. Nada mais.”
Mas, lá no fundo, uma voz insistia. O passado nunca fica enterrado pra sempre. Uma hora, ele encontra um jeito de voltar à superfície. E agora, eu não sabia se estava preparada para o que ele poderia trazer com ele.
De olhos fechados, virei para o lado, me forçando a ficar quieta. O Fantasma não podia saber. Não ainda.
Mas alguma coisa me dizia que isso era só o começo.