Capítulo 4

1426 Words
Capítulo 4 MIRELLA NARRANDO Sair da faculdade naquele dia foi como tirar um peso do peito. A semana tinha sido um infernö: provas, trabalhos e professores falando como se a gente não tivesse mais nada pra fazer da vida. Minha cabeça latejava, as costas doíam e eu só queria sair daquela bolha de pressão. Até respirar parecia cansativo. Eu já estava jogada no meio-fio, olhando o celular, quando a Fernanda veio com a solução perfeita pra minha fuga. Fernanda — Gente, bora conhecer aquele café novo? Abriu semana passada, é a coisa mais linda, cheio de luzinha e cheirinho de bolo saindo do forno. — Ela fez aquela voz manhosa que ela sempre usa quando quer convencer alguém. Eu nem precisei pensar duas vezes. Mirella — Bora, né? Pelo menos eu esqueço que estou falindo com essa faculdade. Amanda — Ah, Mirella, drama! — Amanda riu, revirando os olhos. Mirella — Drama nada, eu tô sofrendo por dentro. Só tô disfarçando. A verdade? Eu precisava de um escape. Um café bonito, cheiroso e cheio de opções gordas parecia o lugar perfeito. Melhor ainda se fosse um ambiente instagramável, daquele tipo que a gente posta foto só pra dar a impressão de que a vida tá tranquila e perfeita. Mentir na internet é uma arte. Fomos andando até o lugar. O tempo estava agradável, o vento batendo na cara ajudava a refrescar a mente. Aos poucos, comecei a relaxar. As risadas das meninas, os comentários idiotas e as piadas sem graça me tiraram um pouco da nuvem pesada que parecia me perseguir a semana toda. Quando chegamos, meu humor melhorou de vez. O café parecia coisa de Pinterest: paredes rústicas, luzes penduradas no teto, mesas de madeira e um balcão cheio de doces. O cheiro era uma mistura de café fresco com chocolate derretido. Meu estômago até roncou. Fernanda — Que fofura, socorro! — Fernanda soltou, puxando o celular pra tirar foto de tudo. Mirella — Já dá vontade de pedir um apartamento aqui — brinquei, olhando ao redor enquanto as meninas procuravam uma mesa. Só que eu não dei nem três passos pra dentro e pá, o universo fez questão de me dar um encontrão. Literalmente. Esbarrei em alguém. Não foi aquele tropeço de filme, mas o suficiente pra me fazer perder um pouco o equilíbrio. Senti a mão quente dele segurando meu braço, firme o bastante pra me manter de pé. Meu coração deu um solavanco, e eu travei. Mirella — Opa... desculpa. Levantei o olhar pra ver quem tinha sido o azarado — ou sortudo, dependendo do ponto de vista. E aí veio o choque. O cara não era só bonito. Era " o " cara. Alto, com aquele cabelo bagunçado na medida certa, camiseta preta que moldava o corpo de um jeito que parecia s*******m, e um par de olhos escuros que me olharam como se estivessem lendo alguma coisa que eu não queria revelar. Ele era mais velho, isso era óbvio, e tinha uma presença que... ah, sei lá, que incomodava. Mas no bom sentido. Ele soltou meu braço devagar, como se não tivesse pressa nenhuma, e deu um sorrisinho de canto. Aquele sorriso mínimo que parece dizer muito sem dizer nada. Mirella — Foi mäl — murmurei de novo, mais pra quebrar o silêncio do que por qualquer outra coisa. Ele não respondeu. Só deixou o sorriso ali e continuou me olhando por um segundo a mais do que o necessário. E foi isso. Ele virou e foi pro balcão como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de deixar minha mente num nó. Eu congelei por uns dois segundos antes de me dar conta de que precisava me mexer. Amanda — Mirella, bora, carambä! — Amanda me chamou, já sentada numa mesa perto da janela. Mirella — Tô indo — respondi, ainda meio aérea. Me joguei na cadeira, fingindo um desinteresse que eu não sentia. O coração ainda estava acelerado, e eu sabia que minhas bochechas deviam estar vermelhas. Fingi mexer no cardápio pra disfarçar, mas minha cabeça tava lá, naquele sorriso de canto e naquele jeito dele de ocupar espaço sem esforço nenhum. Fernanda — Que foi aquilo ali? — Fernanda me cutucou, baixinho, com um sorriso maliciosö. Mirella — Aquilo o quê? Fernanda — Não se faz de desentendida. Você quase caiu no colo do cara. Mirella — Ai, para. Foi só um esbarrão. Fernanda — Um esbarrão. Sei — ela riu. Joguei um guardanapo na cara dela, tentando desviar o assunto, mas confesso que a cena ainda estava rodando na minha cabeça. Era difícil explicar, mas a presença dele tinha algo diferente. Como se ele carregasse uma energia própria, uma daquelas auras que te deixam meio zonza. Amanda — Mirella, bolo de chocolate ou cheesecake? — Amanda perguntou, interrompendo meus devaneios. Mirella — Tanto faz, contanto que venha logo. Amanda — Que pressa é essa? Tua glicose tá gritando, é? — Amanda debochou. Mirella — Não é pressa, é fome acumulada. Enquanto as meninas continuavam fofocando sobre os caras da faculdade e combinando a próxima festa, eu fingia prestar atenção, mas minha mente estava em outro lugar. No balcão, mais especificamente. Ele estava lá, encostado, conversando com a atendente. A voz dele era baixa demais pra eu ouvir, mas o jeito que ele sorria e se movia... irritantemente natural. Como se ele não precisasse de esforço nenhum pra ser daquele jeito. Fernanda — Mirella, foco, né? — Fernanda chamou minha atenção. Mirella — O quê? Fernanda — Tá olhando o quê tanto? Mirella — Nada — respondi rápido demais. Fernanda — Hum... tá bom. O problema é que ele sabia que eu estava olhando. Sabia, e gostava. Porque em algum momento, ele virou o rosto de leve e me pegou no flagra. Não foi nada escandaloso, só um olhar de canto, rápido, mas o suficiente pra me fazer desviar o olhar tão rápido que quase torci o pescoço. A verdade? Eu estava, sim, interessada. Não era amor, não era paixão, nem tinha pretensão de ser nada além de "aquele cara gostoso do café". Mas o problema é que o universo parecia gostar de brincar com a minha paciência, porque ele não saía dali. Tentei sorrir e entrar no ritmo da conversa, mas não deu. A sensação de que o cara ainda estava por perto não me deixava em paz. Era como se ele tivesse impregnado o ambiente. Uma presença impossível de ignorar. E, claro, eu não resisti. Virei o rosto de novo só um pouquinho, fingindo estar olhando o balcão. E lá ainda estava ele. Encostado no balcão, agora segurando uma xícara, com a postura relaxada de quem não tem pressa. Ele não olhava mais pra mim — ou talvez estivesse fingindo muito bem que não —, mas era impossível ignorar a aura que ele tinha. Confiante, tranquilo, como se soubesse o efeito que causava e não se importasse. " Que tipo de homem é esse? " — pensei, mordendo o lábio por reflexo. Amanda — Mirella, por que você tá tão distraída? — Amanda perguntou, estreitando os olhos pra mim. Mirella — Eu? Nada, tô aqui normal — menti, forçando um sorriso e mexendo na xícara vazia que o garçom tinha acabado de trazer. Fernanda — Você não tá normal, não — Fernanda retrucou, rindo. — Tá parecendo que viu o amor da sua vida passar. Mirella — Amor da minha vida? Que isso, gente — respondi, tentando disfarçar. — Era só um... sei lá, um cara que tava ali. Fernanda arregalou os olhos, animada. Fernanda — Um cara? Como assim um cara? Desde quando você repara em alguém? Mirella — Gente, pelo amor de Deus, não tô reparando em ninguém! — tentei insistir, mas elas não compraram. Amanda soltou uma risada. Amanda — Sei... Só porque ele é gostoso, né? Meu rosto queimou, e eu senti o sorriso escapando mesmo contra minha vontade. Mirella — Cala a boca, Amanda — retruquei, rindo. Fernanda — Confessa, Mirella! — Fernanda cutucou. — Já era! Quem diria, hein? A durona Mirella finalmente notou um boy. Mirella — Ai, gente, vocês são insuportáveis! — falei, tentando mudar de assunto. Mas por dentro, a imagem dele ainda estava presa na minha cabeça. A forma como ele me olhou. Como me segurou. Aquele sorriso que parecia prometer alguma coisa sem precisar dizer nada. A conversa das meninas continuou, mas eu já estava em outro planeta. De vez em quando, deixava os olhos escaparem para o balcão, só para confirmar que ele ainda estava ali. E estava.
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