CAPÍTULO 5 | MAJU
Eu precisava tirar o Rafael da minha cabeça. Precisava de alguma forma, qualquer que fosse, me libertar dessa sensação sufocante de estar sendo seguida, observada. Já fazia semanas que isso vinha me atormentando, e a cada dia parecia pior. A imagem dele, parado, me encarando com aquele olhar frio, como se estivesse esperando que eu fizesse algo, não saía da minha mente.
Saí do escritório no fim da tarde, o calor do Rio ainda pesado no ar. A brisa era quase inexistente, e o sol, mesmo começando a se pôr, parecia grudar na pele. Caminhei em direção ao carro, tentando me distrair com o que quer que fosse. Trabalho, problemas, qualquer coisa menos o Rafael. Mas a mente tem seus truques, né? Quando você tenta não pensar em algo, parece que é exatamente a única coisa que consegue focar.
Meu corpo estava no automático, mas minha cabeça, lá longe. De repente, como em uma cena que eu já vivi várias vezes nos últimos dias, eu vi ele. Rafael. Do outro lado da rua, encostado num poste, me olhando, com as mãos nos bolsos da calça. Não era um relance dessa vez. Ele estava lá, claramente, com a mesma postura de sempre, como se soubesse que o simples fato de eu vê-lo me jogaria de volta ao caos.
Meu corpo congelou. Eu parei no meio da calçada, incapaz de me mover. Tudo ao meu redor desapareceu. As pessoas, os carros, o som da cidade... só havia Rafael e eu. O medo crescia no meu peito, e a culpa, aquela velha conhecida, começava a se arrastar como uma sombra, me prendendo naquele momento.
Sem perceber, meus pés me levaram para o meio da rua. Eu simplesmente andei, sem nem notar que o sinal estava aberto para os carros. Tudo o que eu via era o Rafael me encarando. Como se estivesse me esperando. Como se tivesse algo a dizer, algo a fazer.
Foi quando ouvi o som estridente de uma buzina, o freio cantando no asfalto. E então, o impacto. Não o impacto de um carro me atingindo, mas de eu mesma caindo no chão quando o motorista freou bruscamente a centímetros de mim. O barulho, o susto, tudo me trouxe de volta à realidade num piscar de olhos.
— p***a, tá maluca? — gritou o motorista, saindo do carro, visivelmente assustado, e com razão. Eu quase tinha sido atropelada. Fiquei ali, caída no chão, com as mãos raspadas, os joelhos ardendo por causa do impacto contra o asfalto. A dor veio em ondas, mas o pior era a confusão na minha cabeça.
O que diabos tinha acabado de acontecer? Eu quase fui atropelada porque... porque eu achei que tinha visto Rafael de novo.
Tentei me levantar, as pernas trêmulas, mas antes que pudesse, senti alguém me puxando. Era um transeunte, alguém que viu a cena e se aproximou pra ajudar.
— Senhora, tá tudo bem? Machucou feio?
Eu assenti, meio em choque ainda, tentando entender como aquilo tinha acontecido. Meu corpo tremia de uma maneira que eu não conseguia controlar, e o pior de tudo? Quando olhei de novo para o lugar onde o Rafael estava... ele tinha sumido. De novo.
— Tá tudo bem, — murmurei, mais para mim mesma do que para a pessoa que me ajudava. — Tá tudo bem.
Mas eu sabia que não estava.
E tudo ficou escuro.
( ... )
A viagem até o hospital foi meio borrada. Eu estava tão absorta em meus próprios pensamentos que nem percebi quando me colocaram no banco de trás do carro e me levaram. Tudo que eu conseguia pensar era na imagem do Rafael, nos olhos dele me perfurando do outro lado da rua, e no fato de que eu tinha me jogado em direção ao nada, quase perdendo a vida no processo.
Quando cheguei ao hospital, o caos típico da emergência me envolveu, mas eu não estava realmente presente ali. Me colocaram numa maca e começaram a limpar os arranhões, me fazendo perguntas que eu respondia no piloto automático.
— O que aconteceu? — Perguntou a enfermeira, me olhando com aquele olhar de quem estava tentando entender como uma pessoa adulta se joga no meio de uma rua movimentada.
— Tropecei, — respondi, tentando soar convincente. Não podia dizer a verdade. Não podia falar que eu estava vendo meu ex-noivo morto em todos os cantos e que, por isso, quase fui atropelada. Isso era loucura, né? E eu não queria que ninguém pensasse que eu estava ficando maluca. Muito menos Fantasma.
Mas, como eu bem sabia, Fantasma não era bobo.
Quando ele chegou no hospital, assim que colocou os olhos em mim, eu vi que ele já sabia que tinha algo errado. Não o tipo de coisa que você pode explicar com uma queda ou um tropeço. Ele sabia que eu não estava bem, e eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele ia me perguntar o que diabos estava acontecendo.
— Amor, o que aconteceu? — A voz dele era um misto de preocupação e cuidado, como sempre. Ele chegou perto de mim, segurando a minha mão de um jeito que me fez sentir segura. Mas eu não queria contar. Não podia.
— Nada demais, amor. Só tropecei e fui pro chão. Coisa boba.
Ele me olhou com aqueles olhos profundos, tentando encontrar a verdade por trás das minhas palavras. Eu sabia que ele não tinha acreditado nem por um segundo. Ele não me pressionou, mas eu sentia que ele estava cada vez mais preocupado. E isso só tornava tudo mais difícil.
Fantasma sempre soube quando eu estava escondendo algo, e dessa vez não seria diferente. Eu podia ver no jeito que ele me olhava que ele sabia que tinha algo muito errado acontecendo. Mas eu não conseguia falar. Como é que eu ia explicar que estava sendo atormentada pelo fantasma de um homem que eu mesma matei?
— A gente vai pra casa e você me conta direitinho o que tá acontecendo, tá? — Ele beijou minha testa, o toque suave, mas o olhar carregado de suspeita.
Assenti, sabendo que aquela conversa ia acontecer mais cedo ou mais tarde. Mas eu não estava pronta pra isso ainda. Como é que eu ia explicar o inexplicável?
Enquanto saíamos do hospital, a sensação de estar sendo observada voltou. E eu sabia, no fundo, que aquela não seria a última vez que eu veria o Rafael. Ele estava lá, à espreita, e eu só não sabia quando ele apareceria de novo.
Fantasma apertou minha mão com força enquanto a gente se afastava. Mas, pela primeira vez, nem a presença dele parecia suficiente para me trazer de volta à realidade.
Algo muito errado estava acontecendo. E o Fantasma, pela primeira vez, começava a perceber isso também.