No dia seguinte…
Despertei com os primeiros raios de sol filtrando pela janela, trazendo uma nova manhã. Depois de realizar minha rotina matinal de higiene, segui para a cozinha, movida pela fome que fazia meu estômago rugir. Vasculhei os armários em busca de algo substancial, mas tudo o que encontrei foi um pacote de bolachas já pela metade – um reflexo da nossa situação financeira apertada. Eu e minha prima Jaqueline lutamos para manter as contas em dia; o aluguel devora grande parte do meu salário, e isso que só p**o metade.
O grande dilema é que Jaque, sempre com sua vibe de diva, gasta seu salário em prazeres diários, ignorando as necessidades do lar. A ressaca dela de ontem é a prova viva de seu estilo de vida extravagante, um que definitivamente não podemos bancar.
Preparei uma caneca de café, tentando ignorar a leveza do meu café da manhã, e me acomodei no sofá. Enquanto mordiscava as bolachas, refletia sobre o longo dia à frente. Mas, bem, ao menos tinha uma diária para fazer, um pequeno respiro financeiro. Essa nova etapa começou quando decidi sair da casa da minha mãe, onde vivia com minhas duas irmãs e meu padrasto. Não deixei minha antiga casa e cidade por vontade própria; longe disso, na verdade. Foi devido a um assunto que, até hoje, me causa profunda dor ao mencionar. Mas aqui estou, enfrentando os desafios desta nova vida, procurando encontrar meu caminho, um dia de cada vez.
Ouvi Jaqueline despertando, e como já era de se esperar, estava resmungando por conta da ressaca. Jaque, em seus dias bons, é a tranquilidade em pessoa, uma verdadeira alma livre e descomplicada. Mas, ah, quando ela não está nesse clima, prepare-se para enfrentar uma versão bem menos amigável.
— Ah, que droga, essa dor de cabeça... Me dá um analgésico, Isa? — pediu ela, jogando-se no sofá e cobrindo os olhos com as mãos, tentando se proteger da luz do sol que invadia a sala.
Jaqueline sempre foi do tipo que se vira sozinha. Saiu de casa aos 15 anos, depois de uma briga feia com a mãe — que também é minha tia — e desde então, tem trilhado seu próprio caminho. Meus motivos para estar aqui não são tão diferentes dos dela, o que me levou a buscar refúgio sob o mesmo teto. No começo, senti como se ela me explorasse um pouco, tratando-me mais como uma ajudante do que como uma prima. Porém, com o passar do tempo, tenho me esforçado para mostrar que não sou sua empregada, e sim, uma companheira nessa jornada um tanto quanto complicada que é a vida.
Ouvi Jaqueline acordando, como sempre, resmungando por conta da ressaca. Jaque é daquelas pessoas super tranquilas e de boa, quando está no clima; mas, quando não, pode ser bastante áspera.
— Ah, droga, que dor de cabeça... Me dá um analgésico, Isa — pediu ela, jogando-se no sofá e cobrindo os olhos para fugir da luz que invadia o ambiente pela janela. Jaqueline sempre foi autossuficiente, saiu de casa aos 15 anos após um conflito sério com nossa mãe, que também é minha tia. Foi por encontrar semelhanças em nossas histórias que busquei refúgio em sua casa. No começo, senti como se ela me explorasse, mas aos poucos tenho demonstrado que não estou aqui para ser tratada como uma empregada.
— Bom dia, Jaque. Não temos mais, acabou. Você precisa parar com essa bebedeira; nem isso conseguiu comprar — respondi, um tanto frustrada.
— Ah, tá, só eu, né? Até parece que ontem você não se divertiu à beça. — Ela disse isso deitando-se no sofá e pegando seu celular, aparentemente desinteressada na profundidade da nossa conversa.
— Não como você, que faz isso todos os dias, Jaqueline. Ma'l estamos conseguindo o que comer, viu na geladeira, nos armários?
— Pra que ter comida em casa se eu posso comer em um restaurante? Não sou nenhuma dona de casa para ficar queimando a barriga no fogão, não, querida, sou uma diva — disse Jaque, lançando-me um sorriso cheio de ironia. Eu estreitei os olhos diante da sua resposta; ela sempre tinha esse jeito de brincar com coisas sérias, transformando preocupações reais em piadas. Era difícil, às vezes, fazer com que ela encarasse a realidade.
— O quê? Isso é sério? Então, o que eu como? Nós duas moramos aqui e, enquanto você desfruta de restaurantes?
— Prima, escuta só, o Heitor está me metendo em um esquema que vai ser incrível para nós, sério, daqui a uns dias vamos trocar essa casinha por uma mansão — disse ela, mudando de assunto repentinamente, o que me deixou bem confusa e curiosa.
— Como assim? Do que você está falando? — perguntei, tentando acompanhar a mudança abrupta de tópico.
Ela se aproximou, baixando a voz como se compartilhasse um grande segredo:
— Ainda não posso dar muitos detalhes, mas quer entrar nessa comigo? Eu estou totalmente dentro. Conversei com ele ontem e já disse que topava. Só precisamos reunir algumas pessoas para investir. Já falei com a Bruna e uns amigos do trabalho; eles vão investir conosco. Você conhece alguém que queira entrar nesse negócio?
— Investir em quê, exatamente? — insisti, sentindo uma pontada de desconfiança.
Ela olhou para os lados antes de sussurrar, como se revelasse o mapa de um tesouro:
— Criptomoedas! Mas tem que ser um valor alto, acima de 3.000 reais por pessoa.
Notei que ela estava empolgada, seus olhos brilhavam com a possibilidade, mas eu não pude deixar de sentir um frio na barriga diante da proposta inesperada e da quantia envolvida.
— Sério isso, Jaque? E quem tem 3.000 reais para investir assim, de sopetão? — perguntei, incrédula, levantando uma sobrancelha em desafio.
— Ah, muita gente! Você que pensa que todo mundo é tão duro quanto a gente. Até a Bruna, tua amiguinha — ela disse com uma risadinha irônica — investiu 7.000 reais comigo, amore mio. Bora lá, vamos encher nossos bolsos de dinheiro!
Balancei a cabeça, desgostosa com a ideia:
— Não, Jaque, eu não vou me meter nisso. Nem entendo como isso funciona... Você pirou? E se for um golpe? Você sabe que detesto envolver dinheiro dos outros. Já fui expulsa de casa por uma confusão que nem causei, por causa de dinheiro. Estou fora dessa.
— Tá bom, então. Mas quando me ver nadando em dinheiro e passeando de iate, não venha choramingar — ela retorquiu, com um sorriso presunçoso.
— Só toma cuidado, Jaque. Você está brincando com os sonhos das pessoas. Você realmente acha isso certo? — insisti, preocupada.
Ela deu de ombros, exasperada:
— Isa, é totalmente seguro, deixa de ser medrosa, garota. Se continuar com esse medo todo, nunca vai ter nada na vida.
— Prefiro assim. Toma um café, não está muito amargo, mas já ajuda a acordar. Vou me arrumar para ir trabalhar — disse, levantando-me da mesa e indo em direção ao balcão da cozinha.
— Não tem trabalho hoje. Dá uma olhada no celular. A van quebrou e os panfletos não ficaram prontos, foi o que a Bruna me disse — explicou Jaqueline, com um ar de preocupação.
— Ah, que droga! — desabafei, deixando-me cair no sofá, frustrada. — E a Bruna disse mais alguma coisa?
— Acho que o pai dela nem vai fazer mais as panfletagens, viu. Acho que é melhor você arrumar outro trabalho, ou então parar de ser boba e entra comigo. Podemos anunciar nas redes sociais os nossos investimentos e começar a ganhar dinheiro — sugeriu ela, com um brilho nos olhos cheio de esperança.
— Não sei o que fazer... Você pelo menos tem dinheiro para comprar mantimentos aqui para casa? — perguntei a Jaqueline, sentindo-me preocupada com nossa situação financeira.
— Me passa a minha bolsa, por favor — ela pediu, estendendo a mão em direção à bolsa que estava em cima da mesa. Rapidamente, peguei-a e entreguei em suas mãos. — Será que isso aqui é suficiente? — ela perguntou, olhando para dentro da bolsa, me pegando de surpresa. Era raro vê-la contribuindo financeiramente para comprar mantimentos.
— Claro que é suficiente. Mas o que aconteceu? De onde veio esse dinheiro? — indaguei, curiosa, enquanto observava a quantia de 300 reais que ela me entregava.
Ela me encarou com um olhar irônico.
— Vai se transformar em uma fiscal agora? Quer saber de onde veio o dinheiro? — respondeu, provocando-me com um sorriso debochado.
— Está bem, o dinheiro é seu. Vou ao mercado agora mesmo. Não suporto ver os armários tão vazios assim — decidi, aceitando a contribuição dela e me preparando para sair em busca de mantimentos.
— Vai lá e me traz um café da manhã reforçado. E não se esqueça de considerar bem a minha proposta — disse ela, indicando a porta com um gesto de mão enquanto eu me preparava para sair. No entanto, antes que pudesse alcançar a porta, dei meia volta.
— Falando nisso, tenho algo para te perguntar — voltei a me dirigir a ela, decidida.
— O que foi? — ela perguntou, virando-se para mim com uma expressão curiosa.
— Você sabia que o Heitor tem uma namorada? — perguntei, fitando-a com seriedade.
— Sabia, todo mundo sabe. O relacionamento deles é público, tipo blogueiros — respondeu Jaqueline, com indiferença, enquanto revirava os olhos. — Ela ficou furiosa com essa foto que postei com o "namoradinho" dela — acrescentou, mostrando-me a foto em questão. Recusei-me a acreditar naquilo. Era demais para minha cabeça. Sempre ouvi minha mãe dizer que as pessoas nas grandes cidades eram diferentes. Eu nunca aceitaria namorar alguém que permitisse que outra mulher sentasse em seu colo. Não sou santa, longe disso, mas acho que quem está em um relacionamento deve respeitar a si mesmo e à pessoa com quem se relaciona.
— Por que você não me disse que o Heitor tinha namorada, Jaque? — questionei, franzindo a testa em confusão.
— Caramba, você não tem internet, não é? Ele tem um perfil com a tal namorada dele, estão a pouco tempo juntos. São um desses casais famosinhos na internet, mas ela não quer abrir os olhos para a realidade. O Heitor é totalmente diferente quando não está online. Coitadinha, ela acha que ele é um santo e que vai esperar para eles se casarem com ela ainda sendo virgem. Mas depois do que aconteceu ontem, acho que ela vai acordar pra vida — explicou Jaque, balançando a cabeça com um misto de descrença e ironia.
— Do que está falando? O que aconteceu ontem? — perguntei, sentindo um aperto no peito diante do tom misterioso de Jaqueline.
— Aquele nosso amigo, o Sapo, postou uma foto sua e do Heitor se beijando, rsrs. Tenho certeza de que aquela sonsa já viu, agora ela vai pagar de corna — revelou ela, com um sorriso de canto de boca.
— O quê?! — exclamei, chocada com a revelação. Jaqueline se levantou, indo em direção ao banheiro, deixando-me sozinha com meus pensamentos. Eu me perguntava em que furada eu havia me enfiado. Parece que sou mesmo azarada, a sorte nunca está ao meu favor.