Recomeçando do zero
Prólogo
Numa noite abafada de verão, em que as estrelas brilhavam preguiçosamente sobre a cidade vibrante, Isabella caminhava apressadamente pela rua deserta, refletindo sobre mais um dia exaustivo de trabalho como ambulante. A vida não estava fácil, e ela sentia o coração batendo de forma irregular, ecoando o tumulto de seus pensamentos e o cansaço de seu corpo. Mesmo diante de todo o tumulto que havia enfrentado anos atrás, Isabella mantinha um sorriso no rosto; ela não era do tipo que se deixava abater ou desistia de seus sonhos facilmente. Determinada, ela foi obrigada a deixar o passado para trás, carregando consigo a força e a resiliência necessárias para seguir em frente. A bolsa pendia pesadamente em seu ombro, carregada mais de esperanças do que de pertences. Os seus pensamentos, uma teia intricada de ansiedades e sonhos, foram subitamente interrompidos pelo som estridente do seu telefone. A tela iluminada mostrava uma mensagem que mudaria o seu mundo para sempre: "Prima aquele boy mara esta afim de você". Naquele instante, Isabella soube que sua vida nunca mais seria a mesma.
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Isabella
Madrugada
A noite desceu com as suas sombras e mistérios, trazendo consigo o tal "boy gato" sobre quem Jaque (minha prima) tanto havia falado em suas mensagens. Eu já tinha ouvido bastante sobre Heitor, o visto a longa distância também, o integrante destacado do grupo de amigos de minha prima — uma turma conhecida por suas extravagâncias, da qual eu, com minha timidez, parecia uma figura à parte. Afinal, eu não era a mais bela nem a mais desinibida entre eles. Mas, por alguma razão ainda desconhecida para mim, Heitor, o mais cobiçado do grupo, dirigiu o seu olhar para mim.
Entre risos, beijos e o tilintar de copos, a noite se desdobrava em uma sequência de momentos efêmeros, tão breves quanto os goles que trocávamos diretamente da garrafa. De maneira surpreendente, senti-me liberta das amarras da minha usual reserva; a bebida, esse vilão familiar que sempre evitei por temer a herança alcoólica correndo em minhas veias, naquela noite parecia apenas um detalhe distante. Eu só queria me permitir viver, aproveitar sem as sombras dos julgamentos ou dos 'e se'. Mas, enquanto a música ecoava e os corpos se moviam ao redor, um pensamento incômodo começou a se insinuar em minha mente: estávamos, talvez, ultrapassando limites que eu jurara nunca cruzar. E, no meio do turbilhão de sensações, uma dúvida persistia - até onde essa liberdade noturna nos levaria?
O peso incômodo de Heitor sobre mim era uma realidade que eu não conseguia processar totalmente. Ele, o objeto de desejo de tantas no círculo social em que ma'l me incluía, carregava consigo a fama de ser o típico bad boy: irresistível, mas perigoso. Apesar da sua atração magnética, eu não estava apaixonada por ele, nem cegamente fascinada como tantas outras. A noite, impulsionada mais pela embriaguez do que pelo desejo, nos levou a um encontro casual. No fundo, eu sabia quem ele era: um homem de prazeres momentâneos, e eu, apenas mais uma em sua longa lista de conquistas efêmeras.
Meu nome é Isabella, mas os amigos me chamam de Isa. Tenho os meus 21 anos e há 4 meses, divido uma pequena casa com a minha prima Jaqueline, aqui no vibrante Rio de Janeiro – a cidade maravilhosa que sempre capturou a minha imaginação. Originalmente, sou de Santa Catarina, trazendo comigo os traços da minha terra: cabelos com nuances alaranjadas, pele branca salpicada de sardas, e um corpo que está longe de ser de uma atleta rsrs – na verdade, bem longe mesmo! Mas sabe de uma coisa? Estou de bem com isso. Tenho uma figura típica brasileira, com minhas curvas e suaves dobrinhas, sem nenhuma vergonha das minhas imperfeições.
De repente, o celular dele começou a tocar, cortando o silêncio como um raio. No susto, empurrei o peso dele para o outro lado da cama, rompendo bruscamente o silêncio da noite com a minha reação inesperada.
— Cara'lho, docinho, atende essa droga — Heitor protestou tampando a cabeça com o travesseiro. Ham, docinho? De onde ele tirou essa i********e toda? Ah, tem uns caras que acham que uma noite equivale por um ano, né? Em vez de confrontá-lo, virei-me de lado, envolta em um misto de surpresa e curiosidade, e respondi:
— Não é o meu, é o seu.
— Droga! — resmungou ele, erguendo-se abruptamente. Abri um pouco os olhos só para encontrá-lo revirando os lençóis em busca do celular, ele é até charmosinho rsrs.
— Por'ra, Ana! — ele pareceu assutado. — Preciso ir agora, tenho que encontrá-la pela manhã. — Abruptamente, ele se levantou da cama e começou a procurar a suas roupas espalhadas pelo quarto que estava um breu. Eu ergui uma sobrancelha, confusa e ainda tentando entender a situação que se desenrolava à minha frente, sem palavras para expressar a minha surpresa e descontentamento.
— Quem é Ana? — perguntei, a surpresa e a confusão tingindo minha voz, enquanto a realidade da situação começava a se desenrolar diante de mim.
— Minha namorada! — Ele respondeu com uma naturalidade desconcertante, como se fosse a coisa mais comum do mundo ter uma namorada enquanto estava ali, deitado na minha cama. Abri o olho imediatamente, ergui meu corpo e o vi se vestindo correndo.
— Namorada? Que po'rra é essa, Heitor?
— Ah, não te devo satisfações, ruivinha. Mas, olha, para te compensar: você é bonita e gostosa, viu? Entrou pro meu top 5, docinho. — Olhei para ele incrédula, pensando: "Que pilantra!". Mas não me limitei apenas aos meus pensamentos; peguei o travesseiro e o arremessei contra ele com toda a minha indignação.
— Safado, some daqui! Como a Jaque não me disse que você tinha namorada, mas que... mer'da, vaza, Heitor! — gritei, enquanto ele, com uma agilidade surpreendente, saltou de volta para a cama e segurou meu rosto, e pressionou seus lábios contra os meus com força. Mas eu o empurrei com todas as minhas forças.
— Me solta!
— Da próxima, eu quero mais... delícia! — disse ele, com um sorriso arrogante, antes de finalmente recuar.
— Não vai ter próxima, seu safado, cafajeste! — gritei, enquanto ele, com um último gesto de charme, piscou um olho e saiu, batendo a porta com estrondo. Deixada sozinha, permaneci ali, deitada na cama, me debatendo por instantes, perdida em pensamentos, chocada com a facilidade com que havia sido envolvida pela lábia dele. Me censurava mentalmente, carregando uma culpa que não era minha. Eu m'al conhecia Heitor; como poderia saber que ele tinha namorada? Tentava me convencer, buscando alguma justificativa em minha mente. Mas, no fundo, sabia que ele deveria ficar no passado, uma página amarga e definitivamente a ser esquecida.