Ra: E aí?
Matt: E aí o que?
Ra: Como assim e aí o que?
Ra: Você foi embora a pé para eu não ficar te fazendo perguntas.
Matt: Eu precisava pensar.
Ra: Pensar sobre o que?
Matt: Livros.
Ra: Livros?
Matt: É. Livros.
Ra: Livros?
Matt: É c*****o.
Ra: Livros?
Matt: Não, são tijolos o que eu vou tacar na sua cara.
Ra: djskjdhfijsdfçsdjsdnsdfondos só que não.
Ra: Me responde.
Ra: MANO, VOCÊ TÁ ONLINE! ME RESPONDE.
[ERROR]
Ra: Você não fez isso.
[ERROR]
Ra: Espero que você escorregue no banho, bata a cabeça e sofra convulsões.
Matt: Ótima hora para te desbloquear.
Ra: Você voltou!!!
Ra: Livros?
[ERROR]
Ra: Me bloqueou, que maravilha.
[ERROR]
Ra: A garota da biblioteca é gata.
Matt: O QUÊ??
Ra: (;
Ra: Sem ciúmes, cara.
Matt: Ciúmes? Quê que é isso?
Matt: A propósito, o nome dela é Alina.
Ra: Aproveitando o assunto, o que você e Alina conversaram?
Matt: É preferível ter uma idosa como amiga.
Ra: QUE m***a VOCÊS CONVERSARAM?
Ra: Me. Responde.
[ERROR]
Ra: Gay
[ERROR]
Ra: v***o.
[ERROR]
Ra: p***o pequeno.
[ERROR]
Ra: Vou pegar a Alina segunda.
Matt: Só sob o meu cadáver.
Coloquei o celular sobre a cama e encarei o teto. Por que me importava tanto com isso? Por que imaginar Raphael dando em cima dela me incomodava tanto — mesmo que eu soubesse que ela o achava maluco e certamente o ignoraria se ele desse em cima dela, nessa situação hipotética?
A resposta não era muito difícil.
No final da tarde levantei da cama e caminhei até a casa da frente. Dona Gertrude abriu a porta para mim, me convidando para tomar um chá com ela ao que seus cachorros me rodeavam, latindo para mim em antecipação ao passeio. Fechei a porta atrás de mim e novamente encarei as paredes em cores vibrantes, que mostravam toda a energia e animação que dona Gertrude tinha. Ela sempre me dizia o quanto desejava passear com seus cachorros, mas que não ficaria em pé quando eles começassem a tentar correr para todos os lados, forçando a coleira.
Bem, eu mesmo tinha dificuldade para controlá-los. Eles eram dos mais variados tamanhos e raças, e mantê-los sem que se embolassem um nos outros ou que corressem atrás da primeira criança que aparecesse em sua bicicleta era uma luta constante.
Eu neguei educadamente o chá de e**a-doce e sentei no sofá azul turquesa, já velho, no qual Luci, uma poodle, dormia sobre as coleiras. Todos os cachorros me seguiram, e eu retirei as coleiras debaixo de Luci para prendê-los, preparando todos para o passeio.
Dona Gertrude nos desejou um belo passeio e eu saí com as sacolas de recolher c**ô, sendo puxado pelos cachorros exploradores.
Seriam longos 40 minutos.
No dia seguinte, eu estava ansioso para encontrar com a garota da biblioteca. Ra me encheu o saco quando entrei no carro. Meu cabelo preto, crespo e tão curto que quase parecia um corte militar, com gel e creme que haviam o alisado um pouco. Eu vestia a minha melhor camisa e uma calça jeans que havia comprado há pouco tempo. Tênis brilhando de tão limpo.
— É entrevista de emprego, é? — Raphael me questionou. Ele meteu o dedo no meu cabelo. — Ai! Esse negócio tá tão duro que nem demolidor derruba.
Eu revirei os olhos.
— Será que dá para parar de me de irritar e ligar logo essa lata-velha?
— Que isso, Matt! Não precisa magoar meu bebê também não, poxa — Raphael disse parecendo verdadeiramente machucado pelas minhas palavras. Seus olhos brilhando com lágrimas ao que ele acariciava o painel do carro. — Insensível.
— Só vai logo, mano.
As aulas pareceram passar lentamente. Quando finalmente saí pelos portões da escola e encarei a porta da cafeteria a alguns metros, suspirei de felicidade. Raphael passou por mim, buzinando. Ele se me mexia em uma dança esquisita enquanto uma garota sentada ao seu lado ria.
— Vai lá, tigrão! — Ele gritou, e então acelerou, me deixando na companhia da minha vergonha por todos os alunos que presenciaram a cena.
Eu caminhei até lá. O sol estava forte, mas algumas nuvens escuras se alastravam pelo céu em prenúncio de chuva. Eu havia esquecido meu guarda-chuva em casa, então torcia para que ela me esperasse chegar em casa para cair.
Havia poucas pessoas na cafeteria, e ao passar meus olhos pelas mesas, não foi difícil encontrá-la, sentada no canto, escondida da maioria das pessoas, e com um livro de capa grossa nas mãos, que tampava seu rosto. Mesmo sem vê-lo, eu sabia que era ela, assim como meu coração, que passou a bater aceleradamente em antecipação.
Alina vestia uma camisa de mangas xadrez, estilo country, e percebi as mechas do seu cabelo n***o, que hoje estava solto. Sentei na sua frente, esperando que talvez ela me notasse, mas como imaginava, ela estava absorta em seu livro.
— A história de Edgar Sawtelle — eu li o nome da capa, e ele deu um pulou ao perceber a minha presença. Abaixou o livro, olhando para mim com seus olhos grandes arregalados. Dei-lhe um sorriso calmo. — Oi, Alina.
Ela corou com a forma que eu disse seu nome.
— Acredita que ainda não sei o seu? — Disse, e fechou o livro.
— Sou Matthew.
— Então, Matthew... Para quê foi que me chamou mesmo?
— Para conversarmos — ela arqueou as sobrancelhas como quem diz “não diga?”.
— Sobre?
— Você.
— Eu? — Perguntou, surpresa. Até agora, eu apenas havia demonstrado interesse no livro. Talvez esse fosse o motivo da surpresa.
— Exatamente. Eu nunca te vi na escola, Alina, e você entra na biblioteca, que é restrita para qualquer um que não seja alunos. Você parece ser totalmente inteligente e tem apenas 15 anos. Você tem um jeito que me encanta...
Opa, essa parte não deveria ter saído ainda.
— O que?
— O que foi?
— Você falou que eu... Eu te encanto?
Respirei fundo, tentando assumir novamente o controle da situação.
— Vamos por partes — eu disse e dei uma pausa. — Como você consegue entrar na biblioteca?
— Meu pai, ele dá aula no seu colégio.
— Robert? — Ela afirmou com a cabeça, confirmando minha suspeita. — Eu já imaginava isso. E você estuda onde?
— Eu nunca estudei, bem, nunca num colégio. Meus pais me ensinaram tudo em casa.
— Por que você nunca foi para o colégio? — Franzi as sobrancelhas. Apesar de conhecer o famoso e controverso homeschooling, não entendia o porquê de existirem pessoas que o preferiam à escola, principalmente quando um dos pais era professor.
— Meus pais acreditam que o colégio não seria bom para o meu caráter — ela mexia as mãos para falar, e olhava para cima diversas vezes. Eu não sabia por quê, mas aquele ato me fez sorrir. — E que ele não seria muito eficientes.
— Por quê?
— Eles queriam que eu fosse muito inteligente, e que não fosse cética, e eles acreditam que os colégios meio que cegam as pessoas para um "algo a mais".
Franzi as sobrancelhas e ri.
— Você está começando a filosofar? — Questionei.
Ela riu.
— Ainda não.
— Então acho melhor mudarmos para as perguntas mais simples antes que comece.
Alina franziu as sobrancelhas.
— Como assim?
— Vamos fazer um jogo. Vamos fazer perguntas um ao outro, e não podemos desviar os olhos para responder. Assim vamos nos conhecer melhor. — Eu disse e ela cerrou os olhos, parecendo pensar por um segundo. Então sorriu.
— Tudo bem! Vamos nessa — ela arrumou os óculos e apoiou os braços sobre a mesa. Encarou-me fixamente. Fiz o mesmo.
— Cor favorita — comecei.
— Branco.
— Branco não é cor — retorqui.
— É sim — ela contra-argumentou. — É a mistura de todas as cores.
— Então você gosta do arco-íris?
— Sim — ela sorriu. — Agora volta para as perguntas.
— Filme? — Questionei.
— O curioso caso de Bejamin Button.
— Livro.
— As vantagens de ser invisível.
— Qual animal você mais gosta?
— Gato.
— Qual super-poder queria ter?
Ela franziu as sobrancelhas por um segundo.
— Voar.
— Voar?
— É. Eu costumo sonhar com isso, só que nunca consigo me manter no céu, sempre caio — franzi as sobrancelhas, analisando o sonho estranho.
— Tudo bem... Última e mais importante: — fitei seus olhos mais profundamente. — Você gosta de mim?
Ela soltou o ar de uma só vez, pega de surpresa pela pergunta. Senti seu hálito quente no meu rosto, e só aí me dei conta de que estávamos inclinados na mesa, com o rosto a poucos centímetros um do outro.
Alina desvia o olhar para baixo, e dou um sorriso de lado.
— n******e desviar o olhar — eu disse.
— n******e fazer esse tipo de pergunta. Não nos conhecemos direito ainda.
Suspirei. Alina estava certa. Havíamos conversado apenas duas vezes, por menos de 5 minutos. Essa era a primeira vez que passávamos o tempo um com outro.
— Tudo bem, esqueça-a — eu disse após notar minha precipitação.
Ela voltou a olhar para mim, e apoiou os braços na mesa.
— Agora é minha vez de fazer perguntas — disse. Ajeitei-me no banco, o desconforto da minha falha desaparecendo. Olhei-a nos olhos. — Livro.
Sorri.
— O jogo do Anjo.
— Sério? — Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Totalmente.
— Ok... Filme?
— Velozes e Furiosos.
— Cor preferida.
— Azul — ela desceu o olhar para minha camisa, que era de um azul escuro.
— É, eu deveria ter percebido — Rimos. — Calor ou frio?
— Frio.
— Seu amigo é maluco?
— O Ra? Sem dúvida alguma.
— Ok. A última agora — disse, parecendo um pouco nervosa. — Por que me perguntou se eu gosto de você?
Engoli em seco.
— Porque eu acredito que estou começando a gostar de você.
Apesar da surpresa momentânea ao ouvir minha resposta, Alina não deixou se abalar, e me perguntou o que eu queria beber para fazer o pedido para nós. Dessa vez, quando o pedido chegou, continuamos a conversar, sem qualquer jogo de perguntas e respostas.
Alina parecia se sentir à v*****e comigo, falando livremente e conversando como se fôssemos conhecidos a longo prazo. O assunto sempre rodeava livros, vez que era o tópico que nos ligara, e se desviava para assuntos como amizade e escola. Alina era animada e me fazia sentir feliz em apenas olhá-la. Percebi que ela ficou um pouco tímida por ser a atenção do meu olhar constante, mas isso não mudou sua forma de agir.
Depois que paguei o café, deixamos a cafeteria e decidimos dar uma volta. O clima havia esfriado um pouco, com ventos nos envolvendo e bagunçando o cabelo dela, e ainda mais nuvens no céu, que começavam a bloquear parte do sol. Alina abraçava seu livro, rente ao peito, como se ele fosse uma das coisas mais importantes para ela — o que eu não duvidava.
Sentamos numa pracinha, perto de uma fonte que estava desligada. Era cerca de 4 e meia da tarde. Ficamos sentados, observando as pessoas que andavam quase se trombando uma nas outras. Bem, era isso o que ela fazia. Eu apenas conseguia observar seu rosto, observá-la rindo e sorrindo. E quando ela me via fazendo isso, corava e desviava o olhar.
A chuva começou devagar. Uma gota aqui, outra ali. O sol continuava com seu brilho fraco, se recusando a se esconder entre as nuvens. Alina inclinou a cabeça para cima e fechou os olhos, deixando que as gotas caíssem no seu rosto até que, de repente, uma torrente de água caiu, como um balde sendo virado em cima de nossas cabeças. As pessoas rapidamente abriram seus guarda-chuvas e saíram correndo para se esconder.
— O livro — Alina disse e peguei-o de sua mão, escondendo-o em minha mochila. Puxei-a pela mão, mas ela não quis se levantar.
— Vamos — chamei-a. — Vamos nos afogar no meio de tanta água.
— Tem medo de chuva, Matt? — Ela me questionou, se levantando. Pensei que fosse se esconder da chuva, mas apenas ficou ali, em pé, com os braços esticados em direção ao céu, cabeça inclinada e olhos fechados. Escutei um trovão alto, que fez meus ouvidos doerem. Ela olhou para mim com um sorrisinho de canto. — Sabe, acho que deveria ter te perguntado sobre seus medos.
Fiquei parado, observando-a. Devagar, ela começava a se mexer. Para cá e para lá, dançando na chuva. Ela rodopiava, como se fosse uma bailarina, quase nas pontas dos pés e ri, quando se desequilibra.
— Sabe o legal do arco-íris, Matt? — Ela me encarou, e vi que seus olhos brilharem. Um relâmpago cruzou o céu atrás dela. — Você precisa da chuva para que ele apareça.
Ela continuou virada na minha direção, olhando-me com aqueles olhos e aquele sorriso. Aproximei-me dela e peguei suas mãos, apertando-as contra as minhas. Selei sua testa e, em seguida, seus lábios. Seu corpo ficou tenso, então apenas a abracei, sentindo seus braços lentamente envolverem minhas costas. A chuva foi parando lentamente e, então, eu consegui ver o arco-íris cortando o céu.