•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°•°• | Vicent De Lucca
Ela estava ali, ao meu lado, sendo ela mesma. Perguntando sobre a irmã e ignorando tudo que lhe era perguntado sobre a sua vida atual. Sobre como as coisas estavam acontecendo.
Fico tentando imaginar o que de tão r**m acontece em sua casa para ela querer esconder de todo mundo assim.
Deixei que elas conversassem, pareciam estar a meses sem se ver e eu não queria atrapalhar o momento em família das duas. Porém, ainda me incomodava que estivesse tão despersa a ponto de não perceber que eu estava ali, ao seu lado, observando-a. Qualquer mulher desse lugar pagaria por isso.
Eu podia perceber os olhares das pessoas para nós três. Podia perceber que elas se mordiam por dentro, procurando uma explicação do porque eu estar conversando com a ruiva.
Aparentemente, ela era neta de um russo e todos achavam que eu chutaria a menina na primeira oportunidade, mas era isso que me chamava atenção. Seus cabelos ruivos, suas bochechas vermelhas, seus olhos brilhantes — e agora, felizes.
A menina parecia genuinamente feliz por estar vendo a irmã mais velha pela primeira vez depois de muito tempo. Passei a língua nos lábios, pensando em como aborda-las agora. Queria seus olhos em mim, queria sua atenção em mim. Queria saber qual seria a sua reação ao me encarar.
— Ah, não acredito que me esqueci. — Nina disse, se virando para mim. — Desculpe, Capo, essa é a minha irmã..
— Isabela, é eu sei. — Dei um sorriso de lado.
A menina estava com os olhos virados para o chão, provavelmente, com medo de que eu a machucasse ou a castigasse por quebrar as regras.
— Olhe para mim, Isabela. — Mandei. — Como se sente?
Ela levantou o rosto ruborizado, encontrando seus olhos com os meus, sua íris dilatada e sua boca coberta pelo batom vermelho.
— Desculpe, Capo. — Ela disse, envergonhada. — Não percebi que estava aí, fiquei tanto tempo sem ver minha irmã que não consegui me conter.
— Eu imagino. — Sorri. — vejo que ambas são muito unidas, mesmo pelos pesares.
— Completamente, eu daria a minha vida por Nina. — Ela comentou.
E isso foi do meu agrado. Eu também daria. Nina era como Beatrice para mim, uma irmã de outra mãe, alguém que eu sempre iria poder contar.
— Me agrada saber disso, ragazza. — Falei, bebendo um gole do meu whisky.
Um garçom passou servindo algumas taças de vinho, observei Nina aceitar, enquanto a pequena Isabela negou, dando um sorriso para o garçom.
Ela teria de parar com isso se fosse minha. Eu não aceitaria sorrisinhos para outro homem que não fosse eu.
— Se me derem licença, eu vou procurar a minha mãe. — Nina disse, deixando-nos a sós.
A verdade é que ela queria que eu tivesse um minuto a sós com a sua irmã. Ela queria que eu a enxergasse com os mesmo olhos de antes. Eu a entendia, queria salvar a sua irmã do crápula que chamava de pai.
Isabela se retraiu no seu próprio lugar, juntando as mãos na frente do corpo, olhando para o lado envergonhada.
O Jantar começará a ser servido a pouco. A lasanha já deve ter deixado o estômago dos convidados, já que todos estavam indo se sentar, observando os garçons saindo.
— Me acompanha para o jantar? — Perguntei, levantando a sobrancelha.
Queria conversar com ela, conhecê-la melhor. Meu corpo havia criado uma obsessão estranha pela garota. Eu a queria, mas precisava saber se ela era o que a minha cabeça estava criando.
Eu tinha criado uma imagem perfeita de Isabela. A menina inocente e medrosa, que faria tudo o que eu quisesse, seja por prazer ou submissão.
— Ah... — Ela gaguejou, e olhando para os lados. — O Signore tem certeza disso?
— Sí, Ragazza. — Dei um sorriso de canto. — Não quer?
— Tudo que o Don quiser. — Ela disse, nervosamente.
— Bom, se é assim, venha... — Falei, esticando meu braço para ela. — Podemos conversar.
— Apenas, eu não deveria avisar ao meu pai? — Ela perguntou, enfiando o braço no meu.
— Bobagem, você acha que ele vai se importar? — Perguntei, encarando Carlo do outro lado do salão.
O Homem estava com uma expressão satisfeita no rosto, nos encarando enquanto conversava com alguns sócios. Eu odiava ser o motivo da sua felicidade, na verdade, queria que ele estivesse chorando, pensando no quão doloroso eu quebrada eu deixaria a sua pobre filha.
Mas aparentemente, ele não se importava com a garota e isso me irritava.
Tirei meus pensamentos do pai dela, levando-a para a mesa onde minha mãe, Beatrice, Enzo e minha cunhada, estavam sentadas.
Enzo era meu irmão de sangue. Sottocapo, mas não tínhamos tanto contato. Éramos muito ocupados para continuar em um jantar, juntos.
Podia sentir os olhares das pessoas nas mesas em volta de nós, não entendendo a minha proximidade com a mulher ao meu lado.
Deveriam estar pensando em sua ascendência, em sua antiga família e em como ela me trairia depois. Mas, se fosse escolhida, eu mostraria para ela que me trair seria o pior erro de sua vida. Não somente pela maneira c***l como eu a mataria, mas também pela maneira como machucaria a sua família.
Minha mãe a encarou, com a testa franzida e Beatrice pousou os olhos nela por tempo o suficiente para deixar a pobre Isabela envergonhada, abaixando os olhos para os pratos.
— Tem língua e não fala. — Enzo brincou, bebendo seu whisky.
— Deixe a menina em paz. — Eu falei, rindo.
— Parece um rato assustado. — Enzo disse. — Ragazza.
Isabela levantou a cabeça rapidamente, encarando meu irmão. Estava com medo, podia perceber pelos seus dedos trêmulos segurando a saia do vestido.
— Não mordemos. — Ele completou.
— Desculpe, Sotto. — Ela Murmurou.
— Ignore o meu irmão, ele é um i****a quando quer. — Falei, pegando o garfo e a faca sobre a mesa. — Mama, pare de olhar tanto para a garota, ela pode se sentir constrangida.
— E desde quando você se importa com isso? — Mama perguntou, ríspida.
— Não me importo, mas podemos fingir sensatez essa noite. — Sorri para ela.
A mulher revirou os olhos e ignorou ambos, se virando para a minha cunhada e Beatrice, começando uma conversa entre ambas. Enzo começou a se intrometer na conversa, isolando a mim e a Isabela.
— Se sua mama quiser que eu saia.. — Ela tentou dizer.
— Ela está apenas desconfiada. — Falei, dando espaço para que um garçom servisse os pratos de penne al sugo bianco¹ para ambos.
— Odeio incomodar as pessoas, principalmente, a sua família. — Ela comentou. — Me sinto uma invasora.
— Bom, apenas aproveite a noite, Ragazza. — Murmurei. — Sequer sabe se será escolhida, apenas aproveite a oportunidade de estar ao meu lado.
— Sí, Capo. — Sussurou, começando a comer de maneira delicada.
A encarei passando meus olhos por ela. Me pergunto onde Carlo a escondeu por todo esse tempo. Não me lembro de Isabela na minha infância — na escola, e isso se deve ao fato do ensino em casa —, além do mais, nunca a vi em nenhum evento sequer.
Existia ainda a possibilidade de ela ter ido e não ter sido notada, mas acho impossível que eu esquecesse a ruiva no meio de todos esses cabelos castanhos.
Ela era única. Chamava a atenção de todos e de longe.
— Porque eu nunca vi você? — Perguntei, finalmente. — Digo, em nenhum evento.
— Ah.. — Ela soltou, surpresa. Deveria estar procurando uma desculpa, seu rosto a entregava.
— Diga a verdade. — Eu disse, ríspido.
— Meu papa nos acha uma vergonha e prefere que fiquemos dentro de nossa casa. — explicou, nervosamente.
— Vergonha? Por qual motivo?
Mil hipóteses se passavam na minha cabeça. O que faria Carlo pensar que seu anjo era uma vergonha para ele? Ele era uma vergonha para ele.
— É que.. — Ela respirou fundo, continuando a falar. — meu avô era russo, nasci com os cabelos iguais ao dele e meu pai acha que eu vou trai-lo um dia.
— E não vai? — Levantei a sobrancelha, sugestivo.
— Jamais teria coragem de trair a minha família, principalmente, por saber as consequências e que mamma morreria por minha culpa. — Ela me encarou. — Além do mais, nunca conheci nenhum russo, ouvi dizer que eles são uma raça horrenda e que, provavelmente, eu sofreria muito mais em suas mãos.
— E você sofre nas nossas? — Perguntei, sugestivo.
Queria saber o que se passava na cabeça da garota. Queria descobrir seus segredos obscuros.
— Mi scusi², Capo! — Ela suspirou, ganhando tempo. — Mas, sí.. sofro na mão de papa, sofri na mão dos meus colegas de classe. — Seu olhar era triste. — Eu nunca tive nenhum resquício de felicidade na minha vida, apenas quando Pietra nasceu, mas logo foi arrancada da minha vida.
Me perguntava o que tinha acontecido com ela em sua infância e o motivo de ter “sofrido” tanto na mão dos seus colegas. Mas, deixei a pergunta para depois.
A mulher com o vestido vermelho voltou a subir ao palco, com a sua pose e um belo sorriso no rosto.
— Vamos revelar as classificadas da noite. — Ela sorriu, segurando uma folha. — As meninas que forem escolhidas, se levantem e venham até nós, onde serão encaixadas para uma noite inteira com o nosso Capo.
Humpf, eu era mesmo visto como um prêmios para elas. Muito provavelmente, era assim que elas se sentiam sobre mim.
Mas, quem se importa? No final, quem leva a melhor sou eu e sempre, sempre será eu.
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Dicionário:
penne al sugo bianco¹: Penne Ao Molho Branco
Mi scusi²: Me desculpe.