Isabela Lombardi
Eu estava consideravelmente atrasada. Mas, como eu poderia saber que o pneu do carro duraria durante o trajeto?
Agora, eu estava aqui, sendo bombardeada por uma mulher que eu sequer sabia quem era, me tratando como se eu fosse um animale¹ de sete cabeças.
— Vamos, Garota. — Ela disse, com seu forte sotaque americano arrastado. — Não temos todo o tempo do mundo.
Bufei, tirando suas mãos do meu pulso, enquanto ela me encarava raivosa. Eu já tinha ouvido uma sessão de gritos, havia me desculpado, qual era o problema daquela mulher?
— Me solta. — Resmunguei. — Você não tem o direito de ficar me machucando.
— A sua sorte é você não estar nas minhas mãos, ou eu te desclassificaria agora mesmo. — Ela levou o queixo, deixando o nariz bem empinado. — Será a última.
Mantive meus olhos nos dela, sentindo as lágrimas querendo inundar meus olhos e o bolo se formar.
Ser a última não era um bom sinal, na verdade, era um péssimo sinal. Elas eram escolhidas aos poucos e as últimas eram quase sempre as menos votadas, afinal, os homens já tinham escolhido as suas favoritas — Muitos se arrependiam depois.
— Ei. — Uma menina entrou na sala. Era bonita, tinha cabelos castanhos, olhos cor de mel e não parecia ter mais de dezesseis anos. — Ei!
A mulher se virou para encara-la com uma expressão e poucos amigos. Ela levantou uma das sobrancelhas para a pobre garota, que continuou mantendo seus olhos focados no da mulher.
— Outra que chegou atrasada? — Ela bufou. — Vocês são irresponsáveis, acham que tem a merda de uma rei na barriga de vocês.
— Abaixe o tom antes de falar comigo, subordinada. — A pobre criança disse, recebendo o mais puro olhar de ódio da mulher.
A mais velha parou a alguns metros da mais nova, com os punhos fechados e olhando-a com escárnio.
— Quem você pensa que é para falar assim comigo, pirralha? — Ela disse, respirando como um touro raivoso.
— Beatrice, Beatrice De Lucca. — A garota disse, fazendo a mulher esbugalhar os olhos. — Não acho que meu fratello vá apoiar uma atitude tão ridícula quanto a sua, você acha?
A mais velha deu alguns passos para trás, com uma expressão de medo em seu rosto, enquanto encarava a garota — que mais parecia a dona do mundo.
— Qual é o seu nome? — Beatrice perguntou. — Não me faça pergunta duas vezes.
— Donah, signorina². — Ela disse, baixo.
— Donah, sí... — A menina a encarou de cima abaixo. — Espero que tenha terminado com o seu show, meu irmão não vai gostar de moças emburradas em seu palco. — Ela sorriu, se virando. — Ah, e dessa vez.. não tem como você se defender, igual no ano passado, lembra? Com Niccolo. Nenhuma moça será castigada, se depender de mim.
A mulher engoliu um seco, enquanto a menina saia da sala e nos deixava a sós com Donah, a mulher rude que nos conhecerá a algum tempo.
— Donah, a votação será feita depois que a última Ragazza for apresentada, Sí? — Uma garota disse, entrando na sala.
— Como? — Ela franziu a testa, pegando uma prancheta.
— Ordens do Don. — Ela disse, exasperada. — Já é a hora, vamos, vamos.
Os olhos de Donah passaram por nós e pararam em mim, sua sobrancelha se ergueu e ela respirou fundo.
— Vamos, Ragazzas, não temos a noite toda. — Disse em um tom calmo.
Sequer parecia a mulher do início da noite, que me xingou de pirralha irresponsável e quase quebrou meu pulso. Agora, ela sabia que eu tinha chances e se decidisse contar — caso fosse uma das escolhidas — Vicent De Lucca não deixaria barato.
“Não gosto que toquem no que é meu." ecoava pela minha cabeça.
Eu me senti até um pouco mais confiante agora do que antes, não que antes eu sentisse qualquer confiança perto de papa, mas era de ser esperar.
Agora, eu estava me preparando para ser vendida como um belo pedaço de carne. Estava infeliz nessa posição, mas aliviada que isso possa ter me dado algum tipo de liberdade e paz interior.
Meu pai me deixava dormir mais horas — afinal, eu precisava estar bonita —, me permitira ter um aparelho celular — para conversar com o meu futuro noivo — e prometera a mama que não tocaria nele, afinal, o Don pode querer privacidade com a futura esposa.
Agora, eu passava a maior parte dos meus dias assistindo a vídeos de arte e pintando quadros dentro do pequeno estúdio que minha mãe convenceu meu pai a me dar de presente de aniversário. Foi uma das minhas maiores felicidades.
Entretanto, agora.. meu pai disse que foi um ótimo investimento, me mostraria uma mulher delicada ao pobre do Don, com senso para a arte e para os cuidados do lar — já que agora, ele havia arrumado uma auxilar para ajudar a minha mãe e minha irmã na limpeza da casa.
Eu estava proibida de pegar um balde sequer para limpar o chão. Deveria estar aliviada, mas me sentia incomodada por saber que Mama e minha irmã estavam trabalhando tanto.
Inclusive, Bianca ficou em casa hoje. A mandei ficar dentro do seu quarto e emprestei meu aparelho celular escondido de meu pai, mandando-a assistir a algum filme pela internet ou vídeos no YouTube.
Éramos em doze moças, no total. No fim dessa noite, apenas cinco seriam as escolhidas — para que o Don não tivesse tanto trabalho na sua escolhe.
Era para isso que esse evento existia. Outros homens ajudavam-no a escolher as moças mais bonitas, as suas favoritas e as que enxergavam como futura primeira dama.
É óbvio que todos queriam suas filhas nos nossos lugares. Mas passamos por um processo seletivo do consigliere, viramos doze, depois cinco e por fim, A escolhida.
— A próxima é você. — A mulher disse, um pouco ríspida. — Foi salva pelo Don, gracinha, mas duvido muito que alguém vá escolher você. — Ela soltou uma risada. — Parece uma russa.
Engoli o seco, se isso for levado em consideração, ela está certa. Os italianos odeiam os russos.
— A próxima. — Uma das moças disse, aparecendo na saleta.
Passei a mão no meu vestido, tentando deixa-lo impecável, e subi os degraus, sendo ajudada por um dos seguranças de Vicent, que me encarou de cima abaixo com olhos maliciosos.
— A última, mas não menos importante, é filha de Carlo Lombardi, um dos nossos associados e membros do conselho. — Ela disse, fazendo-me sentir ainda mais nervosa, enquanto andava até ela. — Conheçam Isabela Lombardi, dezenove anos, tem seus cabelos ruivos naturais, ama esmeraldas, seus hobbies preferido são a pintura, a jardinagem e a cozinha. — Ela deu um pequeno sorriso. — Além do mais, Isabela Lombardi teve uma educação dentro de sua casa, com os melhores professores italianos.
Dei um sorriso nervoso, passando os olhos pelo grande salão. As pessoas comentavam entre si, enquanto me encaravam.
Passei os olhos pelo lugar, até encontrar com Nina, que estava ao lado do Capo, bebendo uma taça de vinho e dizendo alguma coisa. Lançou-me um sorriso de conforto, antes que a mulher me dispensasse.
— Agora, as votações. — A mulher disse. — será entregue agora para os senhores, uma pequena folha com o nome das doze, preencham e entreguem a uma das moças com caixas, faremos a contagem e logo, logo, iremos anunciar as classificadas. Grazie, bom final de noite.
A mulher saiu, deixando o palco vazio. Comecei a abrir espaço entre as pessoas, procurando pela irmã que a muito tempo não via.
Nina não costumava muito ir a nossa casa — mesmo que meu pai quisesse muito que ela aparecesse por lá com seu marido — e eu a entendia, deveria ter memórias horríveis do lugar que foi sua casa por tantos anos. Nunca a julgaria por encontrar seu próprio caminho.
Assim que a encontrei, me aproximei a passos rápidos, a puxando para um abraço cheio de amor, carinho muita, muita saudade.
— Nina. — Falei, sem conseguir me soltar dela. — Pensei que nunca mais veria você.
— Desculpe ter sumido, bambina³. — Ela disse, me soltando. Deu alguns passos trás, me olhando por completo. — Mamma mia⁴, não acreditei quando Henrico me disse que você estava a cada dia mais bonita.
— Exagero de vocês. — Falei, sentindo-me envergonhada. — Olhe para você, o casamento lhe fez tão bem.
— Sí, e fará para você também..— Ela apertou meu nariz. — Como estão as coisas com a mama?
— Difíceis, mas não quero falar sobre isso agora. — Falei, mudando de assunto rapidamente. Não queria falar dos nossos problemas agora, tanto tempo depois de ter reencontrado a minha irmã. — E Pietra, como está?
— Enorme, quero que me faça uma visita. — Ela apertou meus dedos. — Ela amou o quadro que você a presenteou, disse que está morta de cansada.
— Se tudo der certo e papa permitir, vou para a sua casa fazer uma visita. — Falei, animada. — Estou morrendo de saudades da minha sobrinha.
— Ela também está de você. — Nina sorriu.
Eu estava morrendo de saudades da minha irmã e de sua felicidade. A última vez que nos vimos, foi no aniversário de seis anos de Pietra, que agora tinha sete.
Papa não permitiu que fôssemos, achou um ultraje termos sido convidados como pessoas normais e não como a família do consigliere — não que fôssemos da família de Henrico, mas..
Inventou um resfriado para mama, que passou um mês inteiro chorando pelos cantos.
Papa sabia ser r**m quando queria, e era esse o meu medo nessa noite...
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Dicionário:
animale¹: Animal / bicho
signorina²: Senhorita
Bambina³: Garota/Criança
Mia cara signora⁴: Minha nossa senhora.