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692 Words
**Capítulo 3 - Antonella Narrando** Acordei com o dia clareando, mas o lado da cama de Toco seguia vazio. Ele não tinha voltado pra casa. Desci as escadas, e lá estava a peça da mãe dele, a **cobra** da dona Kátia, com aquela cara de quem já acorda destilando veneno. — Bom dia. A senhora viu o Toco? — perguntei, já sabendo que vinha patada. — Saiu de madrugada e não voltou. Quem sabe tá com uma amante? — ela soltou, cheia de maldade. Respirei fundo, segurando o riso. — Ó, dona Kátia, guarda teu veneno pra você, tá bom? Mas cuidado, porque uma hora dessas cê pode acabar engasgada com ele. Ela bufou, cheia de raiva. — Maldita hora que meu filho resolveu assumir você como fiel. — Já são dez anos, dona Kátia, e a senhora ainda não engoliu? — retruquei, encarando ela de frente. — Ele podia ter se casado com qualquer mulher, mas não com você, que veio de onde veio. Soltei uma risada debochada. — Ah, porque teu filho é um santo, né? Um anjinho. De traficante pra pastor, é isso? — provoquei. — Olha, dona Kátia, eu gosto de você, viu? Me faz rir logo de manhã. — Mordi uma maçã que tinha pego na cozinha, virando as costas. Ela ficou resmungando, mas não dei atenção. Saí de casa e fui direto pra boca, porque o Toco não estar por lá era sempre motivo de preocupação. Na chegada, vi um furdunço na quadra. Tinha uma galera reunida, e no meio da confusão tava o Salve, gerente da boca, com uns vapores tentando conter o caos. Uma mulher apontou pra mim assim que me viu. — Olha aí, a fiel dele! Cadê teu marido, hein? Fingi que não ouvi e fui direto ao ponto. — Que que tá pegando aqui, Salve? Antes que ele respondesse, uma mulher se adiantou no meio da roda, com a voz embargada de raiva: — Somos as mães dos vapores que o Toco mandou matar por nada. Tá ouvindo? Por nada! Minha testa franziu na hora. — Como assim? — Meu filho fazia tudo o que ele mandava, tudo! Só queria botar dinheiro dentro de casa. E agora tá morto. É isso que o comando de vocês faz? Olhei pro Salve e pro Sarampo, que tavam ali com cara de que sabiam mais do que estavam dizendo. — Que história é essa? — perguntei, tentando entender. Salve respirou fundo antes de responder. — Toco mandou executar três vapores ontem de manhã no alto do morro. — E por quê? — Minha voz saiu dura. Uma das mães respondeu, gritando: — Porque ele é covarde! Salve explicou com calma, mas o peso nas palavras era evidente. — Foi pra dar um recado. Dizem que os moleques tavam levando informação pro comando rival. Fiquei sem reação por uns segundos. — Eu não tava sabendo disso. A mãe que tinha falado antes me encarou com olhos cheios de desprezo. — Cê não sabe de muita coisa que acontece aqui dentro, dona Antonella. É casada com um monstro. Engoli seco, mas não perdi a postura. — Cadê o Toco? — perguntei pro Salve. — Ele saiu ontem à noite pra falar com o comando e não voltou até agora. — Já tentaram ligar? — Já. Nada dele atender. Aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça. Eu sabia que o tal "comando" era encabeçado pelo padrinho dele, o Nolasco, mas nunca tinha me envolvido nessas conversas. O Toco saiu daqui ontem com a cara fechada, claramente nervoso. E agora, com essa confusão na boca, a tensão no morro tava no limite. As pessoas tavam cansadas, dava pra sentir. Reclamações vinham de todos os lados. O clima de revolta aumentava, e Toco respondia do jeito mais errado possível: executando gente, sem se importar se eram culpados ou inocentes. Olhei ao redor e vi no rosto das pessoas que o medo tinha dado lugar à indignação. O morro tava prestes a explodir, e Toco tava no centro dessa bomba-relógio. O problema agora era saber se ainda dava tempo de impedir que tudo desmoronasse ou se já era tarde demais.
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