**Capítulo 3 - Antonella Narrando**
Acordei com o dia clareando, mas o lado da cama de Toco seguia vazio. Ele não tinha voltado pra casa. Desci as escadas, e lá estava a peça da mãe dele, a **cobra** da dona Kátia, com aquela cara de quem já acorda destilando veneno.
— Bom dia. A senhora viu o Toco? — perguntei, já sabendo que vinha patada.
— Saiu de madrugada e não voltou. Quem sabe tá com uma amante? — ela soltou, cheia de maldade.
Respirei fundo, segurando o riso.
— Ó, dona Kátia, guarda teu veneno pra você, tá bom? Mas cuidado, porque uma hora dessas cê pode acabar engasgada com ele.
Ela bufou, cheia de raiva.
— Maldita hora que meu filho resolveu assumir você como fiel.
— Já são dez anos, dona Kátia, e a senhora ainda não engoliu? — retruquei, encarando ela de frente.
— Ele podia ter se casado com qualquer mulher, mas não com você, que veio de onde veio.
Soltei uma risada debochada.
— Ah, porque teu filho é um santo, né? Um anjinho. De traficante pra pastor, é isso? — provoquei. — Olha, dona Kátia, eu gosto de você, viu? Me faz rir logo de manhã. — Mordi uma maçã que tinha pego na cozinha, virando as costas.
Ela ficou resmungando, mas não dei atenção. Saí de casa e fui direto pra boca, porque o Toco não estar por lá era sempre motivo de preocupação. Na chegada, vi um furdunço na quadra. Tinha uma galera reunida, e no meio da confusão tava o Salve, gerente da boca, com uns vapores tentando conter o caos.
Uma mulher apontou pra mim assim que me viu.
— Olha aí, a fiel dele! Cadê teu marido, hein?
Fingi que não ouvi e fui direto ao ponto.
— Que que tá pegando aqui, Salve?
Antes que ele respondesse, uma mulher se adiantou no meio da roda, com a voz embargada de raiva:
— Somos as mães dos vapores que o Toco mandou matar por nada. Tá ouvindo? Por nada!
Minha testa franziu na hora.
— Como assim?
— Meu filho fazia tudo o que ele mandava, tudo! Só queria botar dinheiro dentro de casa. E agora tá morto. É isso que o comando de vocês faz?
Olhei pro Salve e pro Sarampo, que tavam ali com cara de que sabiam mais do que estavam dizendo.
— Que história é essa? — perguntei, tentando entender.
Salve respirou fundo antes de responder.
— Toco mandou executar três vapores ontem de manhã no alto do morro.
— E por quê? — Minha voz saiu dura.
Uma das mães respondeu, gritando:
— Porque ele é covarde!
Salve explicou com calma, mas o peso nas palavras era evidente.
— Foi pra dar um recado. Dizem que os moleques tavam levando informação pro comando rival.
Fiquei sem reação por uns segundos.
— Eu não tava sabendo disso.
A mãe que tinha falado antes me encarou com olhos cheios de desprezo.
— Cê não sabe de muita coisa que acontece aqui dentro, dona Antonella. É casada com um monstro.
Engoli seco, mas não perdi a postura.
— Cadê o Toco? — perguntei pro Salve.
— Ele saiu ontem à noite pra falar com o comando e não voltou até agora.
— Já tentaram ligar?
— Já. Nada dele atender.
Aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça. Eu sabia que o tal "comando" era encabeçado pelo padrinho dele, o Nolasco, mas nunca tinha me envolvido nessas conversas. O Toco saiu daqui ontem com a cara fechada, claramente nervoso. E agora, com essa confusão na boca, a tensão no morro tava no limite.
As pessoas tavam cansadas, dava pra sentir. Reclamações vinham de todos os lados. O clima de revolta aumentava, e Toco respondia do jeito mais errado possível: executando gente, sem se importar se eram culpados ou inocentes.
Olhei ao redor e vi no rosto das pessoas que o medo tinha dado lugar à indignação. O morro tava prestes a explodir, e Toco tava no centro dessa bomba-relógio. O problema agora era saber se ainda dava tempo de impedir que tudo desmoronasse ou se já era tarde demais.