Capítulo 1
KIRA
8 de Junho de 793
Hoje está uma linda manhã de verão nas terras inglesas. Ontem, mamãe pediu para eu ir hoje visitar a tia Alice, a qual está doente.
Com a ajuda da minha ama saio da tina de banho e começo a me arrumar. Para esse dia escolho um vestido azul-claro. Quando termino, corro escada abaixo para tomar meu desjejum. Assim que chego à mesa encontro minha mãe.
-Minha filha, mandei preparem uma cesta cheia de bolos e frutas para sua tia.
Encaro a cesta que se encontra na ponta da mesa e sorrio
-Está bem, mamãe
-Não se esqueça, quero você aqui amanhã pela tarde para sua aula de piano
Anuo com a cabeça desmanchando meu sorriso.
Minha mãe está sempre com uma postura rígida e firme, mostrando seu sangue nobre. Ela carrega o título de duquesa com muito orgulho e desde meu nascimento me cria para casar com James, filho mais velho do duque Walter. O casamento deverá ocorrer no próximo ano, assim que eu completar dezesseis.
James é um perfeito cavalheiro, mas toda vez que estou próxima dele me sinto desconfortável, como se algo não fosse certo.
-Está escutando Kira? - mamãe encara com um olhar severo
-Desculpe, esta distraída
Ela suspira irritada
-Você sabe que não gosto de repetir as coisas
-Sim, sinto muito mamãe – digo de cabeça baixa
Ela somente acena com a cabeça e se retira. Sou consumida por uma onda de tristeza. Quando foi a última vez que recebi um beijo seu? Se é que teve alguma vez.
Sigo para meu quarto.
Assim que adentro o local encontro minha ama e única amiga, Clarisse. Ela é uma garota linda, possui olhos azuis e seus cabelos são loiros indo até o ombro. Clarisse tem vinte anos e vem de uma família muito pobre.
-Você irá comigo visitar a tia Alice?
-Claro que vou, milady
Faço uma careta
-Sabe que não gosto quando me chama assim
-Eu sei milady, entretanto da última vez que lhe chamei pelo nome sua mãe ouviu e fui punida
Fico chocada, não sabia disso. A encaro tristemente
-Sinto muito por não conseguir te proteger
-Não se preocupe, eu sempre fico bem
Ela abre um sorriso doce. Toda vez que vejo seu sorriso lembro-me de meu pai. Todavia aprendi desde cedo, e da pior maneira, que não posso compará-la ao meu pai.
Clarisse possui a mesma idade que meu irmão mais velho, Arthur, e quando nasci se mudou para a mansão para ajudar a cuidar de mim. Desde essa época a minha mãe a odeia profundamente.
Já estamos a caminho da casa de minha tia. Provavelmente chegaremos antes do almoço.
Fico olhando a estrada pela janela e pensando como seria minha vida se eu fosse apenas uma camponesa.
-O que está pensando, tão distraída – pergunta com seus olhos amigáveis.
-Estava pensando em como seria ser apenas uma camponesa
-Estarias trabalhando em uma casa de nobres
Olho para ela que começa a rir
-Oras, você me anima tanto Clarisse
-Apenas falo a verdade Kira, a vida para uma moça que não veio de berço de ouro é difícil
Ela olha para fora pela janela
-Clarisse, você conheceu seus pais?
-Não Kira, apenas sei que eram pobres e me deixarão na frente de sua casa
A encaro e noto o azul de seus olhos, sua mão deveria ser muito bela
A carruagem logo chega em seu destino e pego a cesta que mamão mandou prepararem. Logo os portões da mansão Lincoln se abrem.
-Milady, a condesse Lincoln lhe aguarda em seu aposento.
Subo as escadas e antes de bater a porta do quarto se abre e meu tio, um homem bonito e honrado, sai.
-Kira, minha sobrinha que bom que chegou. Não queria deixar sua tia sozinha.
-Tio, que bom encontrá-lo
Ele apenas sorri
-Estarei de volta no jantar – ele se despede e eu entro no quarto encontrando minha tia bem mais magra do que me lembrava.
-Minha filha querida, que bom que veio. Não gostaria de partir sem me despedir de você.
Minha tia é uma mulher amorosa, infelizmente nunca conseguiu engravidar. Ela e meu tio são o único casal que acredito se amarem verdadeiramente.
-Tia, não fale isso. A senhora não ira morrer – coloco a cesta na cômoda
-Chegou a minha hora pequena – ela diz com um sorriso terno e logo começa a se sentar na cama -Venha deixe-me pentear seus cabelos uma última vez.
Ela começa a pentear meus cabelos
-Não fique triste, você me ajudou a realizar um sonho.
-Qual? - pergunto sentindo um nó na garganta
-Sempre quis ser mão de uma linda menina…
Tia Alice começa a tossir muito e suas mãos tremem
-Cada instante a minha hora se aproxima mais
Seguro sua mão e beijo. Reparo nela e percebo que ela aparenta ter mais idade do que realmente tem, seus cabelos estão sem vi, seu corpo emagreceu muito e sua pele possui manchas roxas. Sinto sua respiração cansada.
-Descanse um pouco. Mais tarde voltarei – digo ajudando a se deitar
Saio do quarto e procuro por Clarisse. Abro a porta do cômodo e a encontro arrumando um vestido verde-escuro lindo com pedras brilhantes.
-Este vestido ficará lindo em você, milady – alterno o olhar entre ela e o vestido
-Minha mãe não está aqui Clarisse. Não precisa me chamar assim
-Como está sua tia?
-m*l, não sei que doença horrível é essa que está acabando com ela -falo com pesar
-Que Jesus Cristo tenha piedade dela
-Amém. Antes do jantar irei vê-la novamente
Ouvimos batidas fortes na porta e Clarisse abre
-Sinto muito milady. Sua tia acaba de falecer. Inês já foi procurar o conde para dar essa terrível notícia.
Ao ouvir essa notícia a primeira lágrima escorre por todo meu rosto
-Lamento muito, milady
A criada faz uma mesura e se retira
-Não chore Kira, sabe que uma dama não deixa as emoções transparecerem
-Clarisse, está doendo muito
-Calma, ela foi para um lugar melhor
Abraço Clarisse e choro até minha dor passar
-Tenho que ir me despedir de minha tia
-Claro, arrumarei um vestido preto para você usar esta noite
Sigo em direção ao quarto de tia Alice e quando abro a porta vejo meu tio ajoelhado ao lado de sua cama fria chorando.
-Me desculpe, voltarei mais tarde
Ele levanta seu olhar para mim e percebo seus olhos vermelhos e inchados. Ele logo se recompõe, pois um homem nunca deve demonstrar suas fraquezas.
-Não se preocupe, tenho coisas para resolver. Pode ficar
O vejo sair pela porta muito abatido. Ao me aproximar do leito de minha tia percebo que seu semblante está sereno, como se estivesse em um sono profundo.
-Adeus tia
Pego em suas mãos já frias e digo adeus pela última vez.
Quando saio do quarto noto todo o movimento dos criados preparando tudo.
Vou à biblioteca e fico lá até a noite cair.
-Milady, acorda. Venha, a senhorita precisa se arrumar para o jantar.
Olho para Clarisse assustada e percebo que acabei pegando no sono.
-Acabei dormindo, acho que estava cansada.
-Sim, agora venha ou seu banho vai esfriar.
Assim que chego no quarto que vou pernoitar vejo uma tina grande com água quente. Parece estar gostosa.
Começo, com a ajuda de Clarisse, a tirar todo meu vestido e finalmente entro com calma na tina deixando a água quente me relaxar. Assim que a temperatura da água esfria me retiro.
-Não consegui nenhum vestido preto, mas amanhã sua mãe com as criadas vão trazer vestidos pretos para velar o corpo de sua tia.
-Ainda não acredito que ela se foi – digo cabisbaixa
Clarisse me ajuda a colocar o vestido verde que vi mais cedo.
-A senhorita está linda.
Me sento e ela começa a arrumar meus cabelos. Fazendo uma trança simples.
Antes que eu levantasse escutamos o barulho de algo quebrando e nos encaramos assustadas.
-Milady, fique aqui. Verificarei o que está acontecendo.
-Não, irei contigo.
-Kira, fique aqui por favor.
-Mas…
O barulho fica cada vez mais forte e começamos a ouvir gritos. Clarisse sai correndo e fecha a porta.
Se passam minutos e nada dela voltar. Os gritos estão cada vez mais altos e o medo toma conta do meu ser.
Resolvo sair procurá-la. Abro a porta e me arrependendo amargamente, Presencio a cena mais horrível que alguém poderia ver. Com certeza isso ficará para sempre marcado em minha mente.
Há sangue por todo o corredor, homens altos e fortes com roupas de pele carregando machados e espadas… Sinto alguém me puxando e grito de susto.
-Shh, sou eu Kira. Corra para o penhasco atrás da casa.
-O que está acontecendo.. - quando viro de frente para ela percebo que segura uma espada cheia de sangue – Matastes alguém?
-Kira, estamos sendo atacados. Anda, corre para o penhasco e se esconda.
-E você?
Antes que responda uma voz grossa carregada de sotaque fala entre gargalhadas:
-Ora, ora. Vejam o que encontrei aqui, duas concubinas lindas. Uma loira e outra morena.
Sem pensar nos riscos, Clarisse o ataca com a espada em suas mãos.
-Corra – diz me alertando
O medo me faz sair correndo, mas não posso deixá-la com aquele bárbaro.
Vejo criadas sendo violentadas e sinto náuseas. Encontro um machado no chão, mas antes que consiga pegá-lo vejo um homem alto, musculoso, com cabelos compridos e castanhos. Seu olhar era penetrante, como se tentasse enxergar minha alma. Um arrepio percorre pelo meu corpo e algo dentro de mim grita: perigo, corra.