Adrienne, atônita, não conseguia se mover, os olhos arregalados em choque e culpa. Mas Sandrine não se importava. A dor que queimava dentro dela era mais intensa do que qualquer resposta que a mãe pudesse dar. Ela queria respostas, queria justiça, queria... Queria não se sentir tão traída. Mas infelizmente a fraqueza mental e emocional de sua mãe, falaram mais alto naquele momento:
“Deixe seu pai pra lá, menina. Se preocupe com sua faculdade, que é bem melhor”.
Adrienne suspira profundamente, sentindo o peso das palavras da filha. Ela sabia que Sandrine estava certa, mas era difícil admitir.
“Eu sei que você está certa, Sandrine. Mas as coisas não são tão simples assim. Seu pai... ele tem seus próprios problemas”.
Sandrine franze a testa, cruzando os braços diante do peito.
“Problemas que ele não tem o direito de descontar em você, mãe. Você merece alguém que te trate com respeito, que te faça feliz”.
Adrienne assente lentamente, sentindo uma mistura de gratidão e tristeza.
“Eu sei, querida. Eu sei. Mas as coisas não são tão fáceis de mudar. Às vezes, parece que estamos presos em padrões que não conseguimos quebrar”.
Há um momento de silêncio tenso entre mãe e filha, antes que Adriane mude de assunto, tentando dissipar a atmosfera carregada.
“Mas chega de falar disso por enquanto. Vá tomar seu banho, como eu disse. Precisamos nos arrumar para a janta”.
O crepúsculo envolvia a casa como um manto de sombras macabras e, enquanto Sandrine concordava com a mãe, uma trégua frágil em meio ao caos interior que a consumia. Seus passos ecoavam no corredor sombrio, uma trilha sinistra em direção ao banheiro, deixando sua mãe à mercê dos pensamentos que se agitavam como espectros na sala. Lá fora, além das janelas rendadas, o crepúsculo se estendia como os dedos gelados da noite, lançando sombras retorcidas que dançavam pelas paredes do quarto de Sandrine, um espetáculo macabro digno de uma ópera dos mortos.
Enquanto a água corria do chuveiro em um murmúrio constante, Sandrine sentia-se envolvida por uma atmosfera pesada, impregnada pelas emoções em ebulição que a devoravam por dentro. A raiva latejava em suas veias como um veneno ardente, alimentada pelas visões grotescas que havia presenciado naquele lugar profano do shopping e suas mãos se fechavam com tanta força, que pareciam que garras iriam sair por entre seus punhos, como um animal furioso. E tudo isso por causa de seu pai, que outrora era uma figura austera e distante, revelava-se agora como um devasso sem limites na companhia de duas mulheres de moral corrompida.
Cada gota de água que caía sobre sua pele parecia um eco do tumulto de pensamentos que a afligia, uma sinfonia dissonante de angústia e desespero. Enquanto tentava purificar-se sob a torrente gelada, Sandrine revivia cada momento daquele encontro macabro, cada cena grotesca dançando em sua mente como sombras dançantes em uma procissão fúnebre. Sua mãe, envolta em uma névoa de ilusão, permanecia cega às verdadeiras facetas do marido, incapaz de enxergar além das máscaras cuidadosamente construídas por ele.
O vapor do banheiro envolvia Sandrine como um véu sepulcral, obscurecendo sua visão e tornando o mundo ao seu redor ainda mais sombrio. Ela sabia que as sombras do passado não se dissipariam facilmente, que os segredos enterrados sob a superfície nunca permaneceriam ocultos para sempre. E enquanto o eco de suas próprias lamentações se misturava ao murmúrio da água que caía, ela compreendeu que o m*l residia não apenas nas profundezas do mundo, mas também nos recantos mais sombrios da alma humana.
***
Após uma refeição insípida, sua mente mergulhou nas sombras dos livros e cadernos dispostos sobre a escrivaninha, mas a tentativa de concentração foi inútil. Uma tempestade de vingança rugia em suas entranhas, uma tormenta impiedosa pronta para devorar tudo em seu caminho. Ela sabia que não poderia mais tolerar a resignação, não podia se contentar em ser uma espectadora impotente diante da tirania que assolava sua família. Era imperativo agir para restaurar a honra da mãe e desnudar a verdadeira face do pai.
Cada pensamento era como uma gota de ácido corroendo sua alma, conspirando para forjar um plano diabólico, um golpe que cortaria fundo nas entranhas da arrogância paterna. Não bastava apenas expor os pecados do patriarca; era preciso infligir-lhe uma humilhação que correspondesse à altura de seu orgulho inchado. Sandrine compreendia que um ataque direto seria um suicídio emocional, pois as palavras dela seriam facilmente abafadas pela eloquência venenosa do pai.
Assim, ela tecia em sua mente uma tapeçaria sinistra, urdindo cada fio com a habilidade de um tecelão do além. Sua vingança não seria um ato impulsivo de rebelião, mas sim uma obra de arte sombria, destinada a erguer o espírito da mãe enquanto destroçava o pedestal no qual o pai se erguia, revelando sua nudez moral diante de todos os olhos.
Os dias se estiravam diante de Sandrine como sombras alongadas por mãos fantasmagóricas, arrastando-a em uma dança macabra através de uma existência desolada. Cada hora, cada minuto, era um peso opressivo sobre seus ombros, uma lembrança constante de sua prisão na mansão sombria e fria que chamava de lar. No entanto, em meio à monotonia sepulcral de uma tarde outonal, quando os suspiros do vento ecoavam como sussurros de almas perdidas, uma revelação sinistra veio à tona.
Foi em uma terça-feira crepuscular, quando os últimos raios de sol se esgueiravam através das cortinas empoeiradas, pintando padrões macabros no chão de madeira gasta, que a ideia, como um espectro há muito esquecido, despertou dentro dela. Sandrine estava imersa em suas próprias trevas interiores quando a luz moribunda da tarde, como uma mão fantasmagórica, alcançou-a, tocando sua mente com uma frieza mortal.
E então, como se os murmúrios da morte lhe segredassem um segredo antigo, as últimas palavras de seu pai, sussurradas há tanto tempo em seu leito de morte, ecoaram em sua mente atormentada. Era como se o próprio pai, há muito enterrado nas profundezas escuras da terra, voltasse para assombrá-la com uma revelação sinistra. O ar parecia pesar sobre seus ombros, carregado de uma gravidade quase insuportável, enquanto os fantasmas do passado se infiltravam em seus pensamentos. Cada sílaba daquela derradeira mensagem reverberava em seu espírito, como o toque funesto de um sino em um funeral sombrio, trazendo à tona lembranças dolorosas e segredos que deveriam ter permanecido ocultos.
Ela podia sentir a presença de seu pai, não como um consolo, mas como uma sombra persistente, uma força invisível que puxava suas emoções para um abismo de tristeza e terror. O silêncio ao seu redor se tornava opressor, quebrado apenas pelo sussurro gelado do vento que parecia carregar as palavras perdidas, impregnadas de mistério e desespero. Cada detalhe do quarto onde ele morreu se cristalizava em sua memória com uma clareza perturbadora: o cheiro de medicamentos, o som frágil de sua respiração, o olhar desesperado em seus olhos ao pronunciar aquelas palavras finais.
A revelação, embora há muito esquecida, agora ressurgia com uma intensidade esmagadora, como se as próprias paredes daquele quarto moribundo conspirassem para lembrá-la do destino inescapável que seu pai lhe havia imposto. Sentia seu coração acelerar, o sangue pulsar em suas têmporas, enquanto a compreensão se infiltrava lentamente, como veneno escorrendo por suas veias. Era um segredo tão sombrio e profundo que ameaçava consumir sua sanidade, deixando-a à mercê de um legado que nunca quisera herdar.