Cada passo, cada gesto entre eles era como uma dança sinistra, uma coreografia ensaiada pelo próprio demônio. E assim, eles finalmente encontraram Sandrine, uma figura pálida à margem da celebração, seus olhos ocultos por sombras profundas. O encontro dos três era como o reencontro de almas condenadas ao inferno de Dante: um momento de conexão sombria em meio à escuridão eterna da noite.
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- Larry, quero te apresentar Sandrine. Ela estuda no mesmo curso e na mesma sala que eu, lá na Universidade.
Com um ar de intelectual, mesmo no meio daquelas pessoas todas, Sandrine pega na mão dele e a aperta suavemente, olhando-o fixamente nos olhos.
- Muito prazer, Sandrine.
- Prazer só lá dentro, depois da meia-noite. Satisfação: Larry James Alberon, mas pode me chamar apenas de Larry. A que devo a honra de uma jovem como você, estar interessada na minha pessoa?
- Sempre te vi pelos corredores da Universidade, com seu ar de intelectual, de homem vivido e de apreciador de boas leituras.
- Quanto à parte de homem vivido, pule essa porque eu só tenho vinte e cinco anos. Mas o resto vocês está certíssima! Vamos entrar?
- Ainda não. Vamos conversar, pois tenho uma proposta pra você.
- Proposta? De que tipo?
- Eu amo muito ler, mas nem sempre tenho com quem debater minhas leituras. Aí a Madana falou tanto que você é um leitor compulsivo, que eu queria que você fosse a minha casa, conhecer minha biblioteca.
- Você tem uma biblioteca em casa? Onde você mora, numa mansão?
- Mais ou menos isso. E aí, topa ir lá em minha casa, no seu tempo livre?
- Topo sim. Mas só tenho tempo livre aos domingos.
- Na semana pela tarde, você não pode não?
- Se for pela tarde, posso ir somente as sextas, pois não tenho aula à noite.
- Está combinado então: as sextas a partir das duas da tarde.
- Então vamos nos comunicando na semana e na sexta eu apareço.
- Ótimo! Estou ansiosa para discutir livros com alguém que compartilha minha paixão pela leitura.
- Eu também estou ansioso. É sempre revigorante trocar ideias e perspectivas sobre os livros que lemos.
- A propósito, Larry, já leu algum dos clássicos da literatura russa?
- Sim, alguns. "Crime e Castigo" e "Os Irmãos Karamázov" são alguns dos meus favoritos. E você?
- Ah, eu adoro Dostoiévski! "Crime e Castigo" é uma obra-prima. Mas tenho um fraco por "Anna Kariênina", de Tolstói. Você já leu?
- Sim, li. Tolstói tem uma habilidade incrível para criar personagens complexos e situações que nos fazem refletir sobre a vida.
- Exatamente! É por isso que eu adoraria discutir esses livros contigo. Acho que teremos conversas fascinantes.
- Com certeza. m*l posso esperar pelo nosso encontro na sexta-feira.
- Eu também. Até lá, Sandrine.
- Até, Larry.
Naquela agitada noite, quando o tempo parecia correr mais rápido do que o normal, Madana irrompeu da sala com uma urgência contagiante, suas palavras ressoando como um convite misterioso:
- Daqui a meros dez minutos, será a tão esperada “hora do doce".
Seu anúncio deixou todos presentes em estado de antecipação, como se cada segundo fosse um grão de areia em um ampulheta prestes a se esvair. A curiosidade picou a mente de Sandrine como uma abelha inquieta, fazendo-a questionar o significado por trás da enigmática declaração. Larry, com um sorriso travesso, respondeu-lhe com um misto de empolgação e mistério, afirmando que a verdade só seria revelada ao adentrar naquela experiência singular, convidando-a a mergulhar de cabeça e descobrir por si mesma.
Com uma mescla de apreensão e excitação, eles decidiram aceitar o desafio e adentrar naquele universo intrigante. Mas o que encontraram os deixou estupefatos: todos os convidados da festa se reuniam na sala, formando um círculo ao redor de um imponente globo de bingo, cujos números aguardavam pacientemente para serem revelados. Uma das confidentes de Madana, que havia trabalhado diligentemente nos bastidores para preparar aquele momento, distribuía meticulosamente papéis numerados para cada um dos presentes, incluindo, para surpresa de Sandrine e Larry, que agora se viam completamente imersos naquele jogo intrigante. E quando todos estavam com seu número na mão, Madana pegou o microfone do DJ e anunciou:
- Senhoras e senhores! Preparem seus instintos mais animais, pois vai começar a hora do doce. Os felizardos de hoje vão receber em seus corpos, as bocas e as línguas mais depravadas que possam imaginar! Todos com seus números na mão, porque como vocês sabem, depois de meia-noite, todos os gatos, pretos, brancos ou vermelhos são pardos. Possa ser que hoje tenhamos dois homens, duas mulheres ou um casal. A sorte, como sempre é cega. Que toquem os tambores!
O ambiente estava impregnado não apenas de expectativa e ansiedade, mas de uma tensão quase palpável, como se o próprio ar estivesse carregado de eletricidade estática, pronta para desencadear uma tempestade de emoções. As luzes, longe de serem meros adornos festivos, pareciam ser os olhos vigilantes de algum ser sobrenatural, observando cada movimento dos presentes com uma intensidade perturbadora. Elas piscavam freneticamente, lançando sombras dançantes que se contorciam pelo salão como espectros inquietos em uma dança macabra.
O DJ, com sua habilidade sinistra, parecia mais um feiticeiro invocando poderes ocultos do que um mero condutor de músicas. Ele ergueu os tambores com gestos que lembravam invocações antigas, e o som que deles emanava não era apenas ritmo, mas um pulsar agonizante, como o coração acelerado de alguém à beira do abismo. Cada batida era como um eco do desconhecido, ecoando pelas almas dos presentes e os enredando em uma teia de suspense e terror.
Enquanto isso, o globo dourado, mais do que um simples instrumento de sorte, parecia ser um artefato maldito, uma relíquia de tempos obscuros que agora ressurgia para tecer destinos sombrios. Ele começou a girar em um movimento hipnótico, como se estivesse sendo manipulado por forças além da compreensão humana, revelando os números como revelações vindas de um oráculo profano.
Os primeiros números emergiram do globo, cada um irradiando uma aura de mistério e perigo. Cada bola resplandecia como um olho sinistro, lançando seus raios sobre os presentes e sondando as profundezas de suas almas. No auge do sorteio, entre a multidão ansiosa, emergiu a figura de uma jovem ruiva, cujos cabelos flamejantes pareciam ser a própria encarnação do fogo do inferno. Sua expressão era uma mistura de êxtase e terror, como se ela soubesse que sua sorte era mais uma maldição disfarçada. Seus olhos brilhavam não apenas com a promessa de possibilidades infinitas, mas também com o presságio de um destino sombrio e inevitável.
Um clamor ensurdecedor ecoou pelo recinto, mas não era apenas de celebração; era um lamento primal, o rugido de almas condenadas à escuridão. Vibrações de excitação se misturaram com o medo, criando uma sinfonia dissonante que ecoava pelas paredes, penetrando nas entranhas dos presentes e enchendo-os de uma sensação de desespero.
Madana, com sua voz serena e enigmática, pediu que os ânimos fossem acalmados, mas suas palavras não trouxeram consolo, apenas aumentaram a sensação de inevitabilidade que pairava sobre o salão. Os participantes se aquietaram, mas não por tranquilidade; era como se estivessem resignados ao seu destino, aceitando passivamente o papel que lhes fora atribuído por forças além de seu entendimento.
O globo, em seu movimento inexorável, girou mais uma vez, como se estivesse traçando o destino final de cada alma presente. Os números emergiram lentamente, cada um trazendo consigo uma profecia sombria. E então, entre o suspense sufocante, surgiu a figura de um homem imponente, cuja presença era como a de um demônio encarnado. Sua calvície reluzia à luz dos holofotes, como se fosse uma coroa de espinhos em uma cabeça condenada. Sua barba espessa e desgrenhada era como as trevas que envolviam sua alma, e seus olhos verdes brilhavam com a promessa de perdição.
Sua aparência evocava a imagem de um guerreiro caído, um herói corrompido pela escuridão que agora se erguia para reclamar sua vingança. E assim, o destino desdobrou-se diante dos presentes, entrelaçando as vidas da ruiva radiante e do homem imponente em um danse macabre de perdição e desespero, enquanto o salão ecoava não mais com aplausos, mas com murmúrios de admiração mesclados com gritos abafados de horror. Foi aí que Madana pegou o microfone do DJ novamente e disse:
- E esse é o casal doce da noite. Vamos prepará-los para que eles possam satisfazer os desejos depravados de vocês! E enquanto preparamos o prato para vocês degustarem, abram suas carteiras e comprem suas caixinhas de leite doce!