Anna
Eu só conseguia pensar que ela precisava saber que não estávamos parados. Que assim que o Ricardo se acalmou minimamente, ele procurou o Nicolas e isso fez com que eles bolassem algum tipo de plano para tirar a Clara daqui.
E eu iria junto.
Não sei quando, nem como seria, mas eu não ia perder essa oportunidade.
- Olha só, temos uma estrangeira na nossa mesa. - O Matteo provocou e eu precisei de um esforço imenso para manter os meus olhos abaixados.
- Matteo, por favor. - O Davi era um homem bom que nasceu na família errada. Mesmo que ele assumisse as coisas, se chegasse a casar com a Clara, eu sei que seria uma coisa boa. Isso não iria corromper o bom coração dele.
- Só porque é a sua mulherzinha eu não posso fazer piada? - De todos os meus tios, o Matteo era o pior. O limite das pessoas era algo que ele nunca respeitou e eu me sentia extremamente desconfortável com a forma que ele me olhava.
- Sem piadas. - Finalmente o meu avô chegou, e poderíamos ter uma refeição minimamente em paz.
- Eu queria quebrar o gelo, para que a nossa querida Clara ficasse à vontade. - O Matteo justificou forçando um tom inocente na voz. O Dom deu de ombros, e analisou todos na mesa.
- Todos sabem que a presença da Clara aqui significa que ela aceitou a minha proposta. - Eu continuei observando o meu prato. - Brindemos à nossa família. - O meu avô sempre acreditava que uma boa bebida poderia resolver as coisas. O que ele não via é que aquilo era um canil, lotado de animais selvagens e sanguinários.
Eu não preciso olhar para o meu pai para saber que ele estava transtornado. Aquele casamento colocava em risco tudo o que ele se preparou a vida inteira para conseguir.
Levantamos os copos em silêncio e observei a Clara levantar o copo dela muito tarde, uma revolta silenciosa pairava ao seu redor.
- Aos finais felizes, aos casais perfeitos e ao império Camacho. - O meu avô brindou. - Que os nossos inimigos sangrem embaixo das nossas botas! - Todos brindaram e voltamos a ficar em silêncio.
O barulho de talheres e pratos foi a única coisa que ecoou durante algum tempo até que o Matteo perguntou:
- E quando será o casório? - Ele perguntou ao Davi, mas direcionou o olhar ao meu pai, e foi impossível não olhar as cores da pele do meu pai variarem de um branco quase cinza para um tom avermelhado que eu conhecia muito bem. A vergonha estampada para todos verem.
- Veremos os detalhes nos próximos dias… - O Davi respondeu, sendo completamente invasivo.
- Ela precisa se adaptar aos nossos costumes primeiro. - A Perlla interveio, quebrando completamente a regra de falar sem ser citada. Era uma coisa que ela costumava fazer normalmente para defender o meu pai ou a Gio. Normalmente o meu avô fazia vista grossa.
Não hoje.
- Perlla, não percebi que eles falavam com você. - O tom educado dele era sempre imprevisível, você nunca sabia o que viria depois.
- Desculpe. Eu me excedi. - A Perlla fez a melhor expressão de vergonha.
- De qualquer forma, ela tem razão Dom. A Clara é uma estrangeira, não está acostumada com as coisas aqui. Imagino que seja necessária uma adaptação. - A fúria que emanava da Clara era quase palpável. O meu avô assentiu.
- Como eu ordenei, ela terá aulas intensivas com a Perlla, e imagino que em uma semana tenha absorvido tudo. Correto, Clara? - Ela levantou o olhar e encarou o Dom. Percebi ela refletindo sobre como responderia, lutando com algum monstro interior que nós não conseguimos ver.
Uma fera enjaulada na própria pele.
Era assim que o Nicolas tinha chamado ela. Dito que eu não me enganasse quando tentasse me aproximar, ela era imprevisível.
- Imagino que vocês tenham pressa. - Ela falou, a voz contida. - E me manter em cativeiro sem amarras suficientes é arriscado. - Eu nem precisei olhar para o Davi para saber que ele estava decepcionado.
- Ela é ótima não? - O Matteo brincou.
- Sim, ela é. - O Dom respondeu, o tom um pouco mais ameaçador agora. - Quanto tempo acredita que possa absorver os nossos costumes?
- Eu aprendo rápido e de qualquer forma, quanto antes começarmos essa palhaçada mais rápido estarei livre. - Ela retrucou sem nem pestanejar.
Todos seguraram a respiração, enquanto o Dom absorvia as palavras dela. Ela nem imaginava o que poderia acontecer, se ela não segurasse a língua.
- Pai… - O Davi tentou intervir, mas era tarde demais. A minha pele queimou com o olhar que o meu avô disparou para ela. A lembrança do que aconteceu quando eu me comportei de forma afrontosa.
- Perlla, ela não terá lições com você hoje. - O Dom falou, o tom calmo e a sombra da ameaça pairando no ar.
- Como quer que eu aprenda? - Ele sorriu quando ela o questionou.
- Eu mesmo vou te ensinar. - E todos nós sabíamos o que aquilo significava.