Eu não dormi nada naquela noite.
Cada vez que eu ameaçava pegar no sono, um desespero imenso me dominava e eu chorava copiosamente.
Em algum momento as lágrimas secaram e o medo do que aconteceria aos que eu amava se tornou determinação.
Se eu aceitei aquele acordo, eu teria que dançar conforme a música. Pelo menos até conseguir fugir ou que o Ricardo fizesse uma loucura.
Isso era a única coisa que eu não duvidava nem por um momento. Ele ia fazer alguma coisa para me tirar daqui, arriscando a vida dele e de quem mais se colocasse à disposição para ajudar.
Ele era um Truck, de sangue e alma e quando colocava algo na cabeça, ninguém tirava. E ele já perdeu alguém uma vez, foi enganado, quebrado e reduzido às cinzas.
Ele tinha se remendado e moldado para me aceitar na vida dele. Ele me entregou o seu coração completamente e eu me tornei quem eu deveria ser por suas mãos.
Ele nunca me deixaria para trás. Mesmo que eu implorasse por isso.
O dia ainda estava escuro, mas o som de passarinhos cantando me alertou que o sol logo iria nascer.
Mecanicamente eu me movi. Em pouco tempo teria uma refeição com aqueles que me mantinham cativa e precisava estar minimamente inteira.
Tomei um banho mais demorado do que de costume e me envolvi em memórias recentes com o Ricardo.
Vivemos um verdadeiro sonho nas primeiras semanas aqui e eu deveria ter casado com ele assim que pisei nesse lugar. Como ele propôs, na mesma igreja que os meus pais casaram…
Eu não tinha mais lágrimas para chorar e o latejar no meu coração aumentou um pouco mais.
Eu me fechei dentro de mim, revivendo mentalmente as memórias e os sorrisos dele.
Depois de trocada, fiz um coque nos cabelos e tentei deixar o meu rosto apresentável. Ninguém precisava saber do meu sofrimento, mesmo que ele estivesse estampado no inchaço do meu rosto, depois de uma noite de lágrimas…
A porta abriu, me assustando e a Gertrudes entrou. A expressão dela estava mais séria do que a noite anterior e ela não falou comigo. Se colocou ao meu lado, analisando enquanto eu terminava a maquiagem. A expressão de aprovação dela me deixou um pouco mais calma.
Quando desci as escadas, a caminho do café com a família Camorra eu fechei todas as minhas emoções fundo no meu coração. Eu iria dançar conforme a música e não iria me abalar.
Na sala de jantar, o mesmo lugar que algumas horas antes o mundo desabava, apenas uma das filhas do Dominique estava sentada. Eu não sabia qual das duas, e quando ela sorriu para mim, eu soube que era a Ana. Eu forcei um sorriso de volta e caminhei para sentar ao seu lado.
- Senhorita, o seu lugar é aqui, entre o Davi e o Matias. - Ela me indicou a cadeira quase de frente para a Ana. Eu não questionei, sentei na cadeira e encarei a mesa posta.
- Volto em um minuto. - Ela anunciou e saiu. O silêncio durou exatos 5 segundos.
- Vamos tirar você daqui. - A voz da Ana era tão baixa que questionei se ela disse mesmo alguma coisa. Olhei assustada pela porta que a Gertrudes tinha acabado de sair. - Precisamos de você livre. - Era óbvio que comigo, presa nessa casa, o romance dela com o Nicolas estava em risco e eu sorri levemente em resposta. Eu precisava evitar ter esperanças vazias, mas era impossível não imaginar quais medidas os Trucks estavam tomando para me resgatar. O que o Ricardo seria capaz de fazer…
Os meus pensamentos foram interrompidos pelo Davi, que entrou em silêncio e fez carinho no topo da cabeça da Ana.
- Buongiorno principessa. (Bom dia princesa) - Ela sorriu admirada para ele.
- Buongiorno zio (Bom dia tio). - Ele olhou para mim, sem sorrir agora e assentiu.
- Buongiorno Clara.
- Buongiorno. - Eu me limitei a responder. E ele sentou ao meu lado.
- Quanto a Gertrudes te orientou sobre esse momento? - Ele perguntou, em um tom baixo.
- Não o suficiente. - Eu respondi, olhando para a Ana, que mantinha os olhos no próprio prato.
- É simples. Só fale quando falarem com você. - Ele suspirou assim que ouvimos vozes vindo pelo corredor. - Os meus irmãos vão provocá-la, por favor, se controle o máximo que conseguir. Punições podem ser abrandadas, mas não impedidas.
- Ser submissa aos homens. Entendi. - Eu falei, sentindo um amargor na minha garganta.
- Basicamente. Se quiser falar algo, pense 5 vezes antes, e me sinalize com um toque no joelho, perguntarei algo a você, o que te dará liberdade para responder. Mas, por favor, responda de forma controlada. Não precisamos piorar essa situação para nenhum de nós. - Olhei suplicante para a Ana e ela assentiu. Eu sabia que me segurar seria um dos desafios, principalmente se qualquer um daqueles babacas me provocasse. Mas faria o meu melhor.
E assim que um a um, o restante dos Camacho entrou na sala e se sentaram, cada um no seu lugar, eu soube que o meu melhor não seria, nem de longe, o suficiente.