O Davi se manteve distante durante a visita ao jardim, enquanto uma moça falava em Italiano rápido ao lado e ele traduzia para mim, na grande maioria das vezes coisas como local de mesas, cores e cardápio. Depois que decidi tudo, com ele repassando os detalhes para ela também em Italiano eu percebi o Nicolas me olhando de longe, de onde deveria ser o seu posto. Ele acenou com a cabeça e eu senti a ansiedade formigar no meu estômago…
O Davi estava conversando com a moça que parecia chamar Flora e eu fiz um sinal com a mão, como quem diz, e aí? E ele moveu os lábios, olhando ao redor, para o caso de alguém estar nos observando.
Sábado
Fiquei confusa, sem confiar nos meus olhos e ele moveu os lábios de novo, devagar e com calma.
Baile
Eles tinham um plano de resgate para sábado durante o baile… Meu Deus. A esperança tremeu dentro de mim, fervendo cada canto do meu ser. Olhei ao redor, absorvendo o tamanho da propriedade que nos cercava, validando cada ponto possível de fuga, cada possibilidade que eles poderiam aproveitar… Um ideia maluca me atingiu e eu precisei segurar o sorriso.
- Davi… Estava pensando. - Ele pediu um minuto para a Flora e virou na minha direção.
- Sim? - Eu respirei fundo, sem parecer muito empolgada, sem conseguir pensar bem em como pedir a ele.
- Quando eu era pequena… - A imagem se formou na minha cabeça. - A minha mãe dizia que o meu noivado seria um baile glamuroso, com surpresas e alegrias… - Fiz a minha melhor expressão de tristeza e pude ver nos olhos dele que ele estava acreditando nas palavras. - E eu sempre imaginei um baile à fantasia, com máscaras…
- Igual ao primeiro que você veio? - Droga! Eu tinha me esquecido disso, que aquilo foi feito antes, e que eu usei isso para me esconder. - Não pense que é possível usar isso para fugir! - Ele não parecia bravo, mas eu talvez tenha alertado alguém que não deveria.
- Davi, honestamente, a cada dia que passa estou mais conformada em como as coisas estão acontecendo… - Ele enrugou a testa antes de falar.
- Você não é o tipo de mulher que se conforma. Sei que é algum plano seu, e já te adianto que não poderemos sugerir um baile assim, não importa o que pense. - Eu assenti, a minha esperança escorrendo pelos meus dedos. - Mas… O evento é seu e a escolha será sua de sugerir algo assim para o meu pai. O efeito talvez seja contrário do que precisa. - Eu pisquei surpresa. - Manteremos as coisas como estão e continue fingindo que está conformada, quem sabe a chance apareça. - Ele mudou o foco para a Flora novamente e eu respirei fundo, controlando a surpresa. Aquilo sem dúvidas foi algum sinal. Sinal de que se eu tentasse fugir ele não me impediria, poderia não me ajudar, mas não atrapalharia. E disse com todas as letras que sugerir um evento que ajudasse, poderia alertar o Dom de uma potencial fuga.
Eu precisei segurar o sorriso que quis dar a ele pela consciência que ele tinha diante da minha situação.
Depois de dispensar a Flora caminhamos pelo jardim em direção a casa e ele apontou um banco embaixo de uma árvore.
- Esse é o meu lugar favorito. - Ele falou e eu me sentei, aproveitando o vento e o sol.
- É um bom lugar. - Eu me limitei a dizer, olhando o horizonte.
A casa ficava a pouco mais de 1 quilômetro da entrada e atrás da casa havia um campo imenso de plantações, e no fim de tudo estava o sol, brilhando e iluminando todo o caminho.
- Quando as meninas eram pequenas, eu as trazia aqui e contava histórias para ela. - Ele falou. - Isso aconteceu até o Dom determinar que elas deveriam ser introduzidas nos costumes da Corleone.
- O que pensa desses costumes? - Ele suspirou.
- O que eu penso não importa. - Eu o encarei e confesso que senti um pouco de compaixão por ele. Ele não me parecia uma pessoa ru.im ou que era capaz de prender alguém para casar com ele, ele apenas era fraco demais para lutar contra aquilo.
- Quando herdar tudo, o que você pensa importará. - Ele me deu um sorriso triste.
- Se eu herdar tudo. Ou acha mesmo que acredito que vai me entregar a sua mão em casamento tranquilamente? - A franqueza dele me pegou desprevenida e eu desviei o olhar. - Eu vejo nos seus olhos a repulsa por tudo isso. Tudo o que somos. - Mordi a boca sem graça. - E não te culpo por esse sentimento, para quem não cresceu assim deve ser terrível.
- De fato é. - Ele assentiu e manteve o sorriso triste no rosto.
- Eu gostaria que as coisas fossem diferentes aqui… Veja, as meninas seguem regras completamente sem sentido. Não pode falar se não for solicitado? - Ele balançou a cabeça incrédulo. - Eu não tinha me dado conta do quanto isso era assombroso e violento até conhecer você. - Pisquei para ele, absorvendo as palavras. - Temos muito o que aprender com a sua independência… E ainda assim, na primeira oportunidade que o Dom teve, ele a tirou de você. - Eu senti as lágrimas encherem os meus olhos. - Desculpe por isso.
- Não sou capaz de desculpar algo assim. - Eu falei sem pensar. - Eu nunca vou esquecer o que aconteceu comigo nessa casa e sinto horror e nojo do que deve acontecer no futuro. - Ele apertou os lábios.
- Eu não posso te prometer liberdade… Só posso te prometer ser gentil no que cabe a mim, na nossa união, no nosso casamento e no que vier depois. - Quando tivermos que gerar um herdeiro foi a frase que ele não precisou pronunciar. Fazia parte do acordo, me entregar a ele até engravidar e torcer para que fosse um menino. E depois eu estava livre… Mas duvidava muito que eu fosse capaz de partir se aquilo tudo acontecesse de fato.