Depois que a Gertrudes saiu de lá, eu já tinha toda a minha programação do dia seguinte e as roupas que eu usaria. Olhei com nojo para todas elas. Estilos quase medievais.
Para colocar a mulher no seu devido lugar.
Ela falou algo como cortar o cabelo que tentei não pensar muito.
Sentei no beiral da janela e tentei acalmar os meus pensamentos. Eu estava acostumada a agir, e aquela situação estava me obrigando a esperar, exercitar uma paciência que eu não tinha.
As luzes da propriedade se apagaram, deixando apenas alguns pontos de luz.
Eu deveria fugir a noite. Era uma forma de não ser vista, naquele breu todo. Analisei a altura da janela e confirmei, ela estava destrancada. Mas eu estava no terceiro andar. Eram quase 20 metros até o chão. Olhei para a cama, analisando se poderia usar os lençóis. Um vulto na escuridão me chamou a atenção.
Guardas.
Era óbvio que eles esperassem que eu fugisse, e iam manter homens em todas as possíveis saídas.
Deixei a ideia do lençol para lá e voltei a observar a propriedade. Ela parecia não ter fim.
A porta destrancou silenciosamente e eu não me movi quando o Davi entrou no quarto.
- Você deveria estar na cama. - Falei e ele me deu um sorriso triste.
- Gertrudes? - Eu assenti e ele não disse nada enquanto caminhava até a mesa e pegava uma cadeira. Ele colocou perto de mim e tirou do bolso um aparelho muito familiar.
- O meu celular… - Falei baixinho. Eu estendi a mão e ele segurou mais firmemente.
- Eis como será. - Olhei para ele. - Eu vou deixar você ligar para o Truck. Apenas para dizer que está bem e que seguirá com o acordo conosco. E evitar que ele se mate tentando invadir a propriedade.
Eu queria bater nele.
- Tudo bem. - Eu consegui dizer.
- Diga também que mandará mensagens uma vez por semana, para dizer que está bem.
- Davi… - Eu supliquei.
- Clara, eu estou descumprindo ordens diretas. Não posso trazer o seu celular para cá de novo. - Eu sentia os meus nervos tremendo - Posso mandar mensagens para ele. Você anota em um papel e eu digito. Manterei o celular onde estava e nem eu e nem você correremos riscos. - Era o máximo que eu conseguiria naquela noite. Ele estava sendo muito mais generoso do que imaginei que seria.
Ele me entregou o celular e eu disquei com os dedos trêmulos e coloquei na orelha. No segundo toque o Ricardo atendeu.
- Clara… - As lágrimas já tomavam os meus olhos.
- Sim. Sou eu. Ouça com atenção. - Falei, tentando manter a voz baixa.
- Eu vou te buscar. OUÇA EU VOU TE BUSCAR.
- Amor… eu fiz um acordo. Aceitei o que eles me propuseram. Eu estou bem e segura…
- EU NÃO VOU PERMITIR…
- Se você vier, eles vão te matar. É suicidio. Pegue os Trucks e vá para casa… - Ele respirou fundo. - Eu estou bem, vou cumprir o acordo e depois estarei livre. Por favor, não se mate tentando me salvar.
- Eu não vou embora sem você. - Ele estava chorando, eu precisei de todas as minhas forças para não me desmanchar de chorar.
- Eu te amo, eu estou bem. Vão me deixar enviar mensagens avisando que estou bem para você. Semanalmente…
- Rainha… - A tristeza estava insuportável agora. Fechei os olhos. - Eu amo você. Vou te buscar. Ouça… Eu vou… - O Davi puxou o celular e desligou.
Eu olhei para ele incrédula.
- POR - QUE VO - CÊ - FEZ - IS -SO ? ? ? - Perguntei sentindo os dentes trincarem.
- Para a segurança de vocês… - Ele não teve tempo de terminar, eu pulei em cima dele e acertei o queixo dele com um soco, derrubando ele da cadeira.
- EU VOU TE MATAR! - Levantei o ombro para socá-lo de novo e ele segurou a minha mão. Com um golpe de perna ele me virou, me deitando de costas para o chão e montando em cima de mim. Eu me debati e gritei de frustração. Com uma das mãos ele tapou a minha boca.
- Clara, você só vai piorar as coisas. Se controle. - Eu não conseguia.
Eu era fúria pura. Ouvir a voz do Ricardo despertou em mim um sentimento primitivo de sobrevivência. Eu me debatia desesperadamente enquanto ele me travava mais contra o chão. Ele era muito maior que eu e jogou o peso do corpo contra mim, para tentar me conter. Usei as pernas para acertar ele, sem sucesso.
- Por favor, eu não quero machucar você. - A voz dele não era mais do que um sussurro. - Se acalme. Ele está bem, você está bem… Ele vai te esperar… - As lágrimas ferviam nos meus olhos. - Não dê motivos para o Dom achar que ele será uma ameaça, alguém vai te ouvir… - Eu tentei controlar os meus nervos. - Eu vou deixar você respirar… - Ele tirou a mão da minha boca e eu puxei o ar, sentindo os pulmões queimarem. - Isso, respire…
E eu afundei em um poço de dor e tristeza que não parecia ter fim.