Me mate, eu imploro

839 Words
- Clara? - Uma voz doce surgiu em meio a escuridão que me rodeava. - Preciso que você acorde. Eu estava confortável, a realidade era assustadora e eu não queria voltar para lá. Eu não suportaria mais sentir dor. - Por favor, acorde. - A voz voltou a me atormentar. Eu esperei pela dor, a minha companheira dos últimos tempos. Tudo o que eu lutei nos últimos meses. Quase perder o Ricardo e a Jay. Perder o Russo. Ser presa e confinada, e depois torturada… Tudo isso se uniu em uma única fonte de dor, uma dor profunda que ameaçava me afogar para sempre. - Ela ainda não está completamente recuperada. - Outra voz, conhecida e doce também. - Perlla, ela precisa de tempo. - A voz doce me puxou um pouco mais para a realidade. - Quanto remédio ela tomou? - Por isso eu estava tão profundamente presa na escuridão, eu estava dopada. - Eu dei o suficiente para ela ficar desacordada enquanto eu limpava os ferimentos dela. - Uma terceira voz, nada doce, surgiu. Eu estava ferida profundamente, não só no corpo, mas na alma. - Ela já deveria estar acordada! - A Perlla parecia desesperada. - Você sabe como foi a sua primeira vez, você ficou apagada por dias. - A voz nada doce respondeu. - Isso é um absurdo! - Aquela era a Anna, a revolta no tom dela me confirmou isso. - Melhor segurar a sua língua se não quiser o mesmo destino. - Silêncio. Completo e total silêncio. E eu finalmente pude voltar para a escuridão. Onde a dor era a minha companheira. … Eu abri os olhos, e o dia tinha acabado. Eu não ousei me mover. Encarei o teto, esperando que a dor me atingisse, e até aquele momento nada. Eu sentia o tecido da roupa na minha pele, e a fofura do colchão nas minhas costas. Eu sobrevivi. Eu fui capaz de suportar o que aquele velho maluco fez, sem morrer. Isso era surpreendente até para mim. Eu preferia ter morrido. O que aconteceu seria mais uma lembrança dolorosa que terei que carregar. Como todo o resto. Virei a cabeça e percebi que eu não estava sozinha. O Davi dormia em uma poltrona perto da minha cama, com um livro nas mãos. As memórias eram pequenos fragmentos e agora eu entendi o desespero na voz dele, enquanto ele discutia com o Dom, enquanto eu era arrastada. Ele tentou me salvar. O que eu fiz mesmo, para conseguir aquilo? Eu o desafiei, dizendo que tudo era uma palhaçada. Eu o enfrentei na frente da família inteira. E isso resultou em chicotadas, que eu não consegui contar. Eu respirei fundo, sentindo as lágrimas voltarem aos meus olhos. Eu preciso sair daqui, rápido. Eu vou fugir, ou vou morrer tentando. Preciso achar o Nicolas e pedir ajuda para ele. Eu quero voltar para casa. Assim que me movi, para secar as lágrimas, uma queimação correu pelas minhas costas até a minha bund4. Eu g3mi de dor e fiquei imóvel, esperando aliviar. Respirei fundo duas vezes e foquei no teto. Aquilo era para me lembrar de respeitar o Dom. Eu não fui a primeira, a Perlla passou por isso também. Eu me lembrava de ouvir algo assim. E a Julie estava extremamente ferida quando foi trazida até mim. Ele fez isso com as mulheres que não seguiram cegamente às suas ordens. E ele continuaria fazendo isso, até ser morto. A decisão foi fácil. Eu fugiria, assim que tivesse oportunidade, mas eu mataria ele antes de partir, e qualquer um que ameaçasse qualquer outra mulher naquela casa. - Clara? - Olhei para o Davi, que coçava os olhos. - Fico feliz em te ver de olhos abertos. Eu ainda não sabia como me sentir em relação a ele. Mesmo que ele tenha tentado me proteger, no fim, ele não o fez. - Quer que eu chame a Gertrudes? - Não. - A minha garganta queimou de sede. - Não precisa incomodar ninguém. Ele levantou e se aproximou. - Precisa de alguma coisa? - Preciso morrer ou matar! - Não, obrigada. - Falar doía, respirar estava doendo. Uma dor distante, mas presente. - Aplicamos medicamentos nos seus ferimentos e morfina, por isso você apagou tanto tempo. - Continuei olhando para ele, ainda decidindo se ele morreria quando eu finalmente partisse. - Eu não pude fazer nada, desculpe. - Eu olhei de volta para o teto. Eu não precisava de desculpas. - Eu deveria ter te avisado do que o meu pai era capaz, de como ele gosta de resolver as coisas. - Eu não olhei para ele. Eu sentia a tristeza emanando dele, mas eu precisava liberar a minha raiva, e ele era o único por perto. - Eu sinto muito. Eu espero de coração que isso não aconteça mais. - Olhei para ele, e ele deu um passo na minha direção. Ele viu nos meus olhos, a raiva vibrando. - Não acontecerá, nunca mais! - Eu falei, antes de olhar de novo para o teto.
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