Sebastian
-Bom dia, senhorita Eliza. - sorrio ao entrar na salinha. Minhas mãos permanecem nas costas, faria uma surpresa com os documentos.
Eu havia gasto um bom tempo da minha madrugada para desenhar e pintar a aquarela do cartão que ela tinha em mãos.
-S-s-se-nhor - ela levanta da cadeira em um pulo.-..A-a-..- seus olhos se fecham.
Hoje suas roupas estavam ainda mais compridas do que quando nos conhecemos: um cardigan bege, camisa branca, um suéter bege quadriculado, saia xadrez escura que lhe cobria até as panturrilhas, meias grossas e escuras e as botinhas.
- Tranquila…- vou até o lado dela da mesa. - Não precisa ficar nervosa.
- Se-seb- Sebastian..- um suspiro baixo. - Bom dia. - os olhos escuros permanecem fechados.
- Passei algumas horas acordado.. - reviro os olhos com a lembrança. - Hum..Imaginando o que poderia lhe trazer ..- chego um pouco mais perto. - Sabia que a senhorita ficaria feliz com a orquídea.. Só que me pareceu pouco.. - mas um passo. - Gostou do cartão? - toco os dedos dela com uma das mãos. Estavam frios e trêmulos. - O que eu tenho que fazer para a senhorita não ter medo de mim?
- Ah.. - ela abre os olhos. - M-m-muito..- ela afasta o meu toque.
- Muito perto? - dou um passo para trás.
- M-m-muito..- ela sacode a cabeça. - Ah..M-m-muito bo-nito.
- Fico feliz. - dou um passo para frente. - E a orquídea? - ela desvia o olhar para a planta de flores brancas sobre a mesa.
- Obrigada.- ela toma o pequeno vaso nas mãos e o leva até o apoio da janela, deixando ao lado da orquídea de flores rosadas. - Ah..Não precisava. O senhor me contratou. - ela permanece de costas. - O senhor trouxe os documentos? - aparentemente ela havia descoberto algo de muito interessante no batente da janela, provavelmente algo mais bonito do que eu.
- É trágico demais para o meu ego saber que a senhorita aprecia mais as pequenas letras inscritas no borrifador do que a mim. - encosto na parede de frente para ela.
- É difícil..Hum..- ela não se afasta. Sua atenção continua no borrifador.
- Se me disser o que é, talvez eu possa ajudar.
- Eu sinto um pouco de medo..- ela começa a fazer pequenos círculos no vidro da janela. - Não precisa se preocupar com isso.
Normalmente eu não me preocupo, não me interessava ir tão a fundo na vida pessoal das minhas "amigas". O problema é que nenhuma delas era como a senhorita Eliza. Na verdade, acho que fora das circunstâncias profissionais, eu nunca tinha usado o termo "senhorita" com uma mulher. Parecia algo só dela.
- Aqui..- estendo o envelope com os documentos. - Acho que isso vai te animar.
- O que é? - ela pega o envelope das minhas mãos.
- Vai ter que abrir pra decobrir. - dou uma piscadela divertida.
- Sim. - o sorriso que ela deu iluminou todo o ambiente e ficou ainda mais radiante quando ela folheou os documentos. - Obrigada. - e ela me abraça.
Devo dizer que eu não estava preparado para aquilo, um contato tão genuíno e alegre. Meus abraços sempre estavam atrelados a um interesse nada inocente, só que obviamente , esse não era o objetivo dela.
- As flores..- não tinha ideia se meu pensamento havia flutuado por meus lábios, mas era isso: flores.
Na noite passada, antes de desistir do sono, eu me deparei com o alvo da minha vergonha: o vidrinho que eu tinha furtado dessa salinha. O cheiro de amêndoas e mel era suave e doce, mas tinha algo faltando. Uma nota que, até aquele momento, eu não sabia de onde vinha, mas agora eu sei. O aroma de flores se misturava ao de amêndoas e mel e tocavam a pele dela.
-Aah.. - ela se afasta um pouco, segura meus ombros e começa a dar pulinhos de alegria. - O senhor não vai ser preso..Aah.
- Ótimo. Isso realmente é uma boa notícia.
- Sim..- ela me abraça outra vez.
- Isso te deixa feliz de verdade, certo? - envolvo o corpo dela com os meus braços, deixando aquela sensação de conforto tomar conta de mim.
- Ah..Sim. .É..- ela se afasta um pouco e me olha nos olhos. - Desculpa. Eu..eu..- suas bochechas estão rosadas como belas e suculentas maçãs.
- Não se desculpe pelo abraço. - permaneço abraçado a ela, as mãos firmes sobre sua cintura. O que me fez notar que ela deveria usar roupas, pelos menos, três números maior do que deveria. Seu corpo era delgado e curvilíneo nos lugares certos. A cintura era delicada e seguia a perfeita volta dos quadris. - Mas aceito a desculpa por não ter recebido o abraço pelo cartão que me custou quase três horas e meia da minha madrugada.
- Obrigada. - ela fica me olhando. - O senhor é muito gentil. - me sinto estranhamente satisfeito por sua fala contínua, sem gaguejar de medo.
- Gentil o suficiente para merecer um almoço?
- Ah.. - um leve tremor passa por seu corpo antes que ela se afaste dos meus braços.
Ela arruma os documentos de volta no envelope e deixa sobre a mesa.
- Almoço.- observo ela caminhar até a outra ponta da mesa. - Em um lugar cheio de gente e de dia. - sorrio.
Em um espaço tão pequeno, eu não precisava de mais do que dois passos para alcançá-la.
- Senhor Sebastian.. - ela começa a mexer nas mãos. Era um gesto de estresse, eu não pude deixar de notar.
- Não..- envolvo as duas mãos dela entre as minhas.
- Ah..- ela fica me fitando.
- É só um almoço. - faço uma leve pressão, um carinho sutil na pele macia dela. - Fizemos isso ontem, na minha sala. Não quero que sinta medo de mim. - ergo um pouco as pequenas mãos e elevo até que eu possa tê-las encostada no meu tórax. - Estão frias.
- E-e-e-eu.. - ela suspira e encosta a cabeça onde suas mãos estam, no meu peito.
- Tudo bem?- sorrio com sua atitude.
- É difícil. - uma frase tão pequena, mas tão carregada de emoção que me fez sentir angústia.
Ao longo da minha vida eu sempre fui o popular, o extrovertido da turma, aquele cara que fazia todo mundo se sentir a vontade; em especial as mulheres ao meu redor. Fui chamado de "Dom Juan", "Casa Nova", e tantos outros apelidos. Eu estava acostumado a causar uma variedade de sentimentos nas mulheres, mas nunca o medo. Só que, de alguma forma, eu sentia que era isso, ela tinha medo de mim.
- Eu sei. Mas não precisa ter medo de mim. - exprimo toda a sinceridade possível na voz. E eu sei que é hipocrisia dizer para ela não ter medo quando a minha verdadeira intenção é mantê-la feliz ao meu lado até a campanha ser entregue a mim. Porém, eu não a machucaria.
- O senhor tem um cheiro bom.- ela fala naturalmente.
- A senhorita também. - solto uma das mãos dela. Tinha uma pequena mecha daquela confusão de cachos escuros que parecia decidida a chamar minha atenção, a seguro entre os dedos seguindo os contornos macios.
- Porque está aqui? - sua voz não é mais do que um sussurro.
- Trouxe os documentos. - mais um cacho. Eram delicados e macios, e eu sentia que acabariam se desfazendo se eu não fosse cuidadoso.
- Só que..-ela aperta o tecido do meu paletó.- Não precisava do cartão.. - ela respira fundo. Aquilo fez um tremor passar por mim, pela minha pele.- Da orquídea. - seu rosto está completamente encostado em mim, como se tentasse sentir as batidas do meu coração.
As flores eram uma estratégia, as mulheres não resistem a flores. O cartão era uma gentileza, isso eu nunca tinha feito por ninguém. Uma compensação, eu diria. Algo que amenizasse a canalhice que me propus a fazer.
- Eu quis. - era uma resposta simples e verdadeira. - Queria fazer algo por você. E eu sei o quanto gostou das aquarelas no storyboard. - conseguia lembrar do sorriso que ela deu ao falar delas quando nos vimos pela primeira vez.
Às quatro e meia da manhã, quando terminei de pintar cada camada da aquarela e esperava o papel secar para escrever um bilhete, me peguei imaginando que, talvez, o Steve tivesse razão; eu não precisava ser um canalha. Eu poderia oferecer bons momentos a ela. Ser gentil como ela é comigo. Já tinha feito muito mais para ter mulheres que não me ofereceram nada mais do que uma transa. Porque não dar algo de bom a alguém como ela?
- Um almoço? - ela se afasta novamente.
- Só um almoço.. - observo a forma como ela me fitava. Os olhos desconfiados, mas ternos e inocentes.
Naquele momento eu tive certeza de que eu faria dos próximos dez dias os mais divertidos da vida dela. Não seria um cafajeste. Eu faria os olhos dela brilharem como o Victor queria, só não permitiria que ela se machucasse.
- Aí, Liz. - Alice entra tagarelando sem nem mesmo olhar para frente. - O senhor Sebastian não chegou, deve estar com alguma das modelos que ele…- ela fica pálida quando dá de cara comigo. - Senhor Sebastian..
-O que dizia? - apoio uma mão na orelha e me aproximo para ouvir bem o que ela tem a dizer.
- Ah…Que o senhor deveria estar com alguma das modelos que o senhor Victor pediu para entrevistar hoje. Sabe, do quest para NBA.
- Sei. - cruzo os braços na frente do peito.
- Bom dia, Alice. O senhor Sebastian já trouxe os documentos que eu pedi. - Eliza sorri de um jeitinho triste.
- Okay. Eu vou.. Com licença. - Alice sai apressadamente.
- Não fique bravo com ela.
- Por que eu ficaria? Só pela insistência de suas amigas em falar m*l de mim?
- Isso não é verdade. - ela sacode a cabeça.
- Sério? Então a senhorita acredita que eu estaria agarrado a alguma modelo às sete e meia da manhã.
- Hum.. - ela cobre os lábios para disfarçar o sorriso.
- É um absurdo que a senhorita pense tão m*l de mim. - faço um beicinho.
- Eu sinto muito. - ela continua rindo.
- Até a hora do almoço eu vou pensar em uma compensação. - apoio as duas mãos na mesa, inclinando meu corpo e aproximando nossas faces de uma forma que meu nariz quase roça no narizinho dela. - Tenha um bom dia, senhorita Eliza. - toco seu queixo por alguns segundos.
- Ah...
- Esteja pronta às onze e quarenta e cinco. - me afasto.
- Bom dia, senhor Sebastian. - pude ouvir seu sussurro enquanto eu passava pela porta.
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-Bom dia, Sebastian.. - Victor estava sentado em minha cadeira. Suas longas pernas esticadas sobre o tampo de vidro. O terno vermelho lhe trazia um ar divertido, algo bem diferente do sorriso de escárnio que estava estampado em sua face.
- Victor. - respiro fundo antes de dar mais uma passo. - Eu pretendia falar com você mais tarde. Minha agenda está um pouco apertada. - fecho a porta assim que passo.
- É claro que está..- ele faz sinal para que eu me aproxime. - Olha que coisinha mais interessante estava sobre a sua mesa.
- O quê? - caminho até ele e observo a foto de Priscila, nela a mulher não usava mais do que uma lingerie que deixava muito pouco para a imaginação. - Ah.. - tomo a foto de suas mãos e coloco no bolso do paletó. - Deve ser uma brincadeira..- por instinto olho ao redor para me certificar que mais ninguém tinha visto a foto.
- No verso está escrito que era assim que ela te esperava ontem a noite. - ele ri. - Sabe, Bastian, eu vim para saber como andava sua empreitada com a mocinha da contabilidade..- ele volta a ri. - Obviamente sua agenda está muito ocupada para lidar com o nosso acordo.
- As coisas não são assim. - sento na cadeira à frente da dele.
- Não são? - ele cruza as mãos atrás da careca brilhante.
- Não. - afrouxo a gravata. Todo esse estresse estava me sufocando.
- Sou todo ouvidos.- os olhos dele estavam um pouco mais irritados do que o normal.
- Eu estive com ela ontem. Passamos o dia juntos aqui na empresa. Eu demite a Érica e fiquei sem secretária, a senhorita Eliza se ofereceu para me ajudar com algumas coisas e..
- Aí.. - ele revira os olhos. - Pode pular a parte da demissão. A Andrea me contou isso ontem antes do almoço, pelo w******p .
- É claro que contou. - me levanto. - Eu não sei o quanto você conhece da Eliza..
- Não muito.. - ele endireita a postura. - O que não tem a menor importância. Quem tem que fazer a garota se apaixonar é você.
- Eu sei.. Victor..- sacudo meus cabelos. - Se a conhecesse entenderia o que eu estou dizendo.
- Explique. - ele cruza os braços.- Se vai dizer que ela não é uma beldade, eu tenho uma excelente visão.- os sapatos de grife começam a bater sobre o piso.
- Não é sobre isso. Ontem. Ontem eu estava com ela .. - começo a falar tudo de uma vez. - Uma carona. Eu pretendia levá-la para jantar, não sei, tentar uma maior aproximação.
- Então levou a menina para um jantar romântico? - ele dá um sorriso de aprovação.
- Ah..Não. - desvio o olhar. - Ela ficou no metrô..
- Depois do jantar ?- ele gesticula para eu continuar.
- Não chegamos a sair de Manhattan..- encosto o rosto no tampo da mesa.
- Que interessante! Que interessante !- ele bate palmas.
- Eu recebi uma ligação.. - ergo a cabeça para apoiá-la nas mãos.
- Da Priscila, eu suponho. Quer dizer, eu nem preciso supor, ela escreveu no verso da foto. - ele aponta para o bolso do meu paletó onde a foto estava guardada.
- Ah.. - agora, quem bate palmas sou eu.
- Sabe, eu fico me perguntando o porquê da menina Liz não estar aqui jogada aos seus pés..- ele se levanta. - É óbvio que o seu esforço para conquistá-la está sendo hercúleo.
- Ela não é tão fácil..
- Claro que não é. - os olhos me transmitem uma certa revolta. - Aquela menina tem duas faculdades, duas pós-graduações e um doutorado em Economia por Cambridge. Não é uma dessas tontas com quem você anda.- ele abana as mãos em desdém.
- Inteligência não serve para proteger o coração. - o encaro. - Ela não é o tipo de garota que eu posso pegar e largar em dez dias.
- Sei.- os dedos de sua mão esquerda começam a dedilhar o queixo.
- Ela é delicada.. - desvio olhar para minhas mãos. - É frágil. - suspiro. - Victor, ela tem uma suavidade ..- espalmo minhas mãos sobre o vidro frio.- Eu não sei. É como se ela pudesse desaparecer se eu não tiver cuidado.
- Hum.. Entendo. - ele levanta. - Eu tenho mais o que fazer. - fala simplesmente.
- Quê?- sacudo a minha cabeça em descrença.
- Tenho mais o que fazer. Está s***o? - ele dá um tapinha no próprio ouvido.
- Eu estou me abrindo com você. - bato o pé no chão. - Você não se preocupa nem um pouco com ela? Só fez isso pra me forçar a abandonar a Minha Campanha.
E eu nem ao menos consigo descrever em palavras o quanto é trágico ter chegado a essa conclusão sozinho. Eu não sou esse tipo de homem, eu nem deveria estar me preocupando com ela ou discutindo sobre ela com o Victor.
- Bastian, não seja histérico. - ele abana as mãos. - Lembre que só restam sete dias.
- Não..- me levanto. - Sete dias coisa nenhuma.
- Aí.. - aquela risadinha aguda dele. - Não vai me dizer que não sabe contar? - ele cobre o rosto em meio a gargalhada.
- Eu tenho dez dias. - me aproximo dele.
- Sete dias..- parando a gargalhada, ele avança em minha direção. - Você saiu atrás dela no Clends, passaram o dia juntos ontem e hoje já deve ter ido, pelo menos, dar " Bom dia".
- Não pode contar isso como encontros. - encosto meu indicador esquerdo no peito dele. - VOCÊ foi bem claro dizendo que EU teria NÃO UM, MAS DEZ ENCONTROS. Até onde eu sei, não tive nenhum. - estendo meus braços. - Logo, eu tenho dez encontros.
- Até onde eu sei, você deve ter feito o teste do sofá para ser considerado o Casa Nova de Manhattan, porque em três dias não conseguiu nem ao menos dar uma beijo em uma garota.
- Eu não posso sair beijando a senhorita Eliza.
- Que? Porque está chamando a menina desse jeito?
- Uma coisa nossa.. Não é da sua conta. - dou de ombros.
- Certo.. Não faz diferença, hum. Você tem sete dias. - ele vai embora.
- Shu.. Hum..Ah..- sacudo minhas mãos no ar.