CAPÍTULO 1
PRISCILA
—Ah vamos Pri, estou louca pra ver a festa—Day diz me olhando.
—Não sei se é uma boa idéia, eu posso ser reconhecida—digo olhando para ela.
—Pri, já faz muito tempo, e as pessoas não lembram de você, durante anos você morou em Atibaia, nem vinha em Joanópolis—ela diz me olhando com uma cara de cachorro que caiu da mudança—Por favor, ficamos um pouquinho só.
Penso um pouco e me lembro de quando eu era pequena, e torcia para chegar logo a festa de São João eu amava aquela tradição.
—Tudo bem, mas não vamos ficar muito—digo e ela me abraça sorrindo, parecia uma criança toda boba.
Ela sai do meu quarto, e eu olho o por do sol pela janela, aquele era um espetáculo a parte nessa cidade, as cores alaranjadas tomavam conta do céu, e até o ar parecia mais puro aqui, o rancho ficava mais afastado do centro da cidade, o rio que passava atrás do rancho vinha da Cachoeira dos Pretos, que foi onde a Day me encontrou naquele maldito dia, e as vezes no silêncio da noite era possível ouvir a queda d'água.
Eu gostava de viver aqui, gostava do rancho, amava a Day, gostava dos animais, e amava de paixão a minha égua Estrela, logo quando cheguei aqui ela estava doente, e eu cuidei dela com todo carinho, não me formei em medicina veterinária como eu queria, mas o meu amor pelos animais me fez aprender a cuidar deles, e Estrela se tornou a minha paixão.
Caminho pelo pátio que leva até as cocheiras e paro em frente a baia dela, acaricio a sua crina macia e encosto o meu rosto no seu.
—Ah Estrela, às vezes eu queria poder esquecer aquele dia, esquecer aquele horror que vivi, seguir a minha vida, mas como? Como posso esquecer o Edu, e o que fizeram?
Eu sabia que ela não me responderia, mas ela me ouviu todos esses anos, ouviu o meu choro e a minha dor, e não que Day não estivesse ali para mim, ela estava, ela sempre estava, mas eu sabia que ela tinha os seus próprios problemas para lidar, e um deles era o empréstimo que ela fez com o banco para saldar as dívidas do rancho, e esse eu sabia que estava lhe tirando o sono, pois não tínhamos como pagar.
A noite já caia quando voltei para o quarto, tomei um banho e me arrumei para a festa, seria bom voltar a cidade, ver as pessoas.
Encontrei Day toda animada no pátio, ela estava eufórica, por causa de mim ela também havia se afastado de tudo e todos, e isso não era justo, não era justo que eu dissesse não a ela, principalmente hoje.
Dirijo pela estrada de terra que leva ao centro da cidade, assim que avisto a torre da igreja, podemos ouvir as músicas típicas, estaciono o carro em uma rua próxima e descemos seguindo o som da música.
A noite, iluminada pela fogueira de São João, colorida pelas bandeiras de festa junina, aromatizada pelo cheiro bom de milho, pipoca e do “afogadão” que cozinhava na maior panela que já vi! Nos ouvidos as doze cordas da viola caipira melodiavam a voz cantada a peito aberto da dupla sertaneja dos pés à cabeça.
Muitas são as cidades que têm como o seu padroeiro São João Batista, dentre elas a cidade de Atibaia, onde morei por alguns anos, foi lá que conheci Edu, em um dia ensolarado. Mas além de ser o padroeiro da cidade, era nesse dia vinte e quatro de junho que era comemorado o aniversário da cidade de Joanópolis também.
Ao chegar tive aquela sensação gostosa de ver a Igreja Matriz de São João Batista como o centro daquele microuniverso. É assim em muitas cidades pequeninas do interior, onde tudo acontece ao redor da Matriz, é lá que tem padaria, farmácia e mercado e aqui não era diferente.
A cidade estava transformada pela festa do padroeiro, repleta de barracas, enfeites, bandeiras, luzes e cores... Mais do que isso, repleta de gente. Muitas pessoas das cidades vizinhas e até de longe visitam a cidade nessa época boa do mês de junho.
Três palcos foram montados para shows musicais, um grande pertinho da Igreja, para os artistas mais conhecidos da região, um menor em uma rua lateral, para apresentações culturais, onde se apresentavam crianças, danças, caiapós, congos e folias. Por fim, um palco de madeira em um espaço chamado
Rua Caipira, onde você encontrava apenas música sertaneja raiz o tempo todo. Nesse cantinho tinha também o famoso “afogadão”, um cozido tradicional de carne cheio de caldo, que você come com farinha graúda temperada...Hummm... Era bom demais, e que saudade eu estava disso tudo.
A festa tinha tudo que era necessário para agradar a família, brinquedos diversos para as crianças, música boa, comidas típicas do mês de junho, com tudo de melhor que o milho bem amarelinho pode nos oferecer, bolo, curau, pamonha...
Sem contar a paçoca, o vinho quente com pedacinhos de morango, pipoca e doce de leite. A Matriz estava lá, aberta e florida, com o padre muito simpático sorrindo na porta. Coisa de novela ou de filme... Mas melhor que isso porque era tudo de verdade! E era a minha cidade o meu pedacinho do céu.
Day sorria feliz e animada olhando tudo ao nosso redor, as crianças correndo, as famílias felizes e claro os rapazes que a olhavam com o mesmo entusiasmo, eu observava ela dançando com um rapaz que insistiu muito até que ela aceitasse lhe conceder uma dança, quando alguém literalmente se chocou contra mim, e eu estava prestes a mandar tal pessoa a merda quando vi os seus olhos, o homem parado à minha frente me olhava fixamente, os seus olhos azuis, o seu rosto muitos centímetros mais alto que o meu, a barba escura moldando a sua face.
—Me perdoe, está tudo bem?—ele inquire me olhando.
—Sim, só olhe por onde anda, da próxima vez—digo me virando para pegar o copo de vinho quente na barraca à minha frente.
—Não precisa ser tão rude, eu não a vi—ele diz.
—Vocês turistas nunca vêem nada, chegam na cidade achando que podem tudo—digo encarando o desconhecido.
—Eu não sou um turista, eu nasci e cresci aqui, tudo bem que fiquei fora alguns anos, mas eu sou daqui—ele diz.
—Está explicado—digo me virando de costas.
Olho para trás e vejo o desconhecido se afastar, era só o que me faltava um filhinho de papai qualquer, pego o copo de vinho quente e caminho até onde Day está dançando, vejo um cartaz que anuncia uma corrida de cavalos para o dia seguinte, e haveria um premio em dinheiro, um valor que poderia liquidar a dívida de Day no banco.
—Nossa era só uma dança, no final foram duas, o que está vendo ai?—Day inquire se aproximando de mim.
—A nossa salvação Day, olhe—digo mostrando o cartaz para ela.
—Pri, você sabe que eu não sei montar, sou uma fraude, a dona do rancho que não sabe montar—ela diz.
—Mas eu sei, eu posso correr com a Estrela—digo olhando para ela.
—Você faria isso? Faria isso pelo rancho? Por mim?—ela pergunta me olhando.
—Você fez muito mais por mim, minha amiga, salvou a minha vida, me fez ter esperança, isso não é nada, venha vamos nos inscrever—digo puxando ela pela mão até a barraca que fazia as inscrições.
Essa era a minha chance de retribuir ao menos um pouco tudo o que essa garota fez por mim, e eu ia ganhar por ela.