A cidade estava exatamente da mesma forma que eu costumava me lembrar: pequena e limitada. O comércio não tinha muitas opções e baseava-se em pequenas lojas locais, quase nenhuma loja de rede e o que tinha de maior eram agropecuárias e supermercados.
Leonardo não parecia muito satisfeito com minha companhia, constantemente resmungava e eu simplesmente o ignorava: não estava com a menor paciência para ele.
- Me espera aqui - ele disse estacionando em frente à uma grande agropecuária que eu sabia ser a que meu pai normalmente comprava quase tudo - eu não vou demorar.
- Tudo bem - respondo, e apesar de detestar ter alguém me dizendo o que fazer, acatei a decisão dele afim de não me incomodar… Esse era um dos meus maiores talentos.
Enquanto Leonardo fazia as compras necessárias eu encarava a estranha paisagem da cidadezinha do interior: depois dos meus últimos três anos e meio em São Paulo, aquilo parecia o fim do mundo, sem sombra de dúvidas. Distraída, não percebi que alguém se aproximava da caminhonete:
- Catarina Camargo - uma voz masculina e alegre disse de repente, bem ao lado da minha janela, fazendo com que eu me assustasse - então é verdade…
- Miguel? - eu encaro o rapaz do lado de fora incrédula: quase tinha me esquecido de Miguel Motta, meu crush de toda vida, aquilo parecia tão pequeno perto de tudo o que tinha acontecido comigo nos últimos tempos - não pensei que te veria tão cedo…
- Mas sabia que me veria - ele abre a porta da caminhonete e eu desço para logo abraçá-lo apertado - soube que bateu o carro, está tudo bem?
- Sim - reviro os olhos - aquela coisa i****a de esquecer que os bois levam tudo por diante.
- Mas não se machucou? - ele ainda tinha o mesmo sorriso lindo que eu costumava amar, mas não tinha mais o mesmo efeito sobre mim.
- Não - respondo - somente o susto. E como estão as coisas todas?
- Normais - ele responde - estou estudando, mas tranquei o semestre, meu pai pediu ajuda.
- Seu pai? - eu ri alto - Desde quando ele pede ajuda?
- Não sei - Miguel deu ombros - mas eu vim, cá estou eu… Não vi o seu pai lá dentro - ele indica a loja.
- Vim com o Leonardo, vou ver um carro, o meu seguro deu perda total…
- Uhm, o Leonardo - ele deu ombros.
- Eu o estranho tanto quanto você - ri tentando parecer descontraída, fingindo não me importar.
- Enfim - ele sorri - estou com pouco tempo, mas podíamos sair uma hora dessas, sabe que aqui não tenho muitas opções, mas acho que seria legal conversarmos…
- Claro - sorri - a gente combina - e eu aviso Leonardo aproximando-se - também preciso ir.
Me despeço de Miguel logo depois de trocarmos os telefones… Leonardo o cumprimenta notoriamente ainda mais desagradado:
- Já conheceu o maior i****a daqui? - ele pergunta enquanto bate a porta da caminhonete.
- Ah sim - eu respondo - sou especialista… Esse i****a eu conheço tem um tempo já.
- Sério? - Leonardo me encara incrédulo.
- Sim - eu respondo - estudamos juntos, temos quase a mesma idade.
- Pensei que… - ele sacode a cabeça - não pensei nada - ele ri - isso vai parecer estranho, de toda forma, mas achei que fosse mais velha.
- Obrigada - reviro os olhos brava.
- Não pela fisionomia - ele tenta corrigir - mas não conversa como uma menina de dezenove anos.
- Sabe bastante do i****a… - debocho.
- Ele quase foi meu primo - Leonardo responde - e não, não quero falar sobre isso.
- Está no seu direito - respondo, apesar de estar curiosa não daria o braço a torcer
- Mas estaria disposto a explicar quando você me contar o que houve com você… - ele fez a sua tentativa dele.
- Não estou interessada em ter essa conversa, acho que já deixei bem claro - respondo.
- Certo, então seremos como dois desconhecidos - ele ri.
- Não, nós dois apenas não teremos essa i********e - eu o corrijo.
- Gosto de intimidades - ele brinca - de todos os tipos.
- Vou ignorar isso… - tentei parecer brava, mas fiz um tremendo esforço para não rir.
Leonardo dirige em silêncio, mas com um sorriso estranho: aquele homem era bonito demais para aquele contexto, não parecia com os outros caipiras idiotas, ele era inteligente…
- Ei - ele sacode o braço em frente ao meu rosto - tá sonhando acordada aí, moça?
- Sim - suspiro.
- Seu pai falou sobre o que ele acha adequado? - pergunta.
- Sim, falou… Ele te falou? - pergunto.
- Sim - ele diz.
- Ótimo, então eu só vou escolher a cor… - dei ombros.
- Tá falando sério? - ele não parece convencido.
- Sim. Não entendo nada de caminhonetes… Você pensa no que é mais adequado e está resolvido, eu somente vou decidir a cor, se é que vou ter opção.
- Não me parece empolgada - ele ri - é um carro novo, zero… Poderia ao menos parecer mais animada - ele me encara.
- Na verdade não - suspiro - o carro "ridiculamente pequeno e baixo" que eu bati naquela nogueira, comprei com o meu trabalho, não foi presente do meu pai…
- Compreendo. Mas não é totalmente um presente se o seguro vai pagar… - ele ainda tenta me convencer.
- O seguro - ela riu - paga metade da caminhonete que meu pai quer que eu compre.
- Está sendo orgulhosa - ele me encara - seu pai se preocupa, ele quer que esteja segura.
- Tudo bem, e eu entendi isso, até concordei - dou ombros - então, ele e você devem saber o que é mais adequado - eu lembrava do dia que tinha ido comprar o meu carro, exatamente seis meses antes de toda aquela merda acontecer na minha vida, suspirei profundamente tentando evitar chorar, mas não consegui e logo uma pesada lágrima escorria pelo meu rosto.
- Ei - Leonardo imediatamente deu o pisca e parou me encarando - o que houve?
- Nada - eu tento novamente, em vão.
- Quer dar um tempo aqui? - ele insiste, preocupado.
- Sim, por favor… - respondo em voz tão baixa que eu nem sei como ele ouviu.
- Certo - ele ajeita a caminhonete e encara o lugar - quer uma água?
- Sim, por favor - eu digo agora um pouco mais alto em resposta.
- Então - ele pega minha mão e a segura com força - eu vou até ali - e indica um posto de gasolina - e logo eu volto, certo?
- Certo - respondo me esforçando para manter o controle.
Assim que ele sai da caminhonete, me permito chorar mais à vontade: eu não me livraria das lembranças, até em uma coisa i****a como o carro. Eu podia, inclusive, ver o sorriso de Lucas em frente ao CT pelo retrovisor se eu fechasse os meus olhos.
Leonardo voltou literalmente correndo. Eu já estava um pouco mais controlada, e água gelada parecia reconfortante - ao menos enquanto bebia eu não precisava responder perguntas.
- Quer conversar? - ele questiona.
- Não - suspiro - sinto muito por isso…
- Não - ele pega minha mão novamente - só quero que você fique bem, não se desculpe.
- Eu também quero ficar bem, mas não sei se eu consigo - encaro ele novamente - obrigada.
- Quer deixar para resolver o carro amanhã? - ele está sério.
- Não - sacudo a cabeça - vamos lá, vamos resolver… Meu pai ficaria irritado caso não…
- Mas você não está bem, podemos deixar para amanhã - ele interpôs.
- Eu estou bem - respondo - meu pai nem mesmo vai saber o que aconteceu e eu voltarei para casa dirigindo a caminhonete.
- Você tem certeza? - ele parece ainda mais preocupado.
- Absoluta - eu respondo.
Escolher foi fácil: meu pai já tinha resolvido quase tudo por telefone e no fim das contas tudo o que fiz foi optar por cabine simples ao invés de dupla porque eu não tinha ninguém para carregar comigo… Não abri mão desse detalhe e nem mesmo me justifiquei, apenas disse que queria simples e que era minha decisão final.
E sim, voltei para a Fazenda dirigindo a nova pick up, zero quilômetros, vermelha escarlate com todos os itens de segurança que meu pai e Leonardo julgaram serem adequados e pelo retrovisor, além de um lindo pôr-do-sol avermelhado, eu via a caminhonete de Leonardo, que seguia lentamente atrás de mim pela estrada, e devo dizer que vista era bem bonita...