Meio dia de campo

1641 Words
Não falamos nada por muito tempo... Não encontramos um único boi ou problemas nas cercas, eu estava começando a ficar entediada, até que Leonardo interrompeu nosso silêncio: - Sinto muito ter falado com você daquele jeito - ele diz. - Tudo bem - respondo, ainda não quero falar sobre aquele assunto. - Seu pai é um bom homem, e ele ficou abalado... Acho que precisa conversar com ele - ele insiste. - Sim - suspiro - eu vou conversar com ele, só não é o momento, ainda não é o momento... - Quer falar sobre isso? - ele para o cavalo e me encara. - Não, Leonardo, eu não quero falar com um desconhecido sobre os meus problemas pessoais - digo de forma seca. - Sinto muito - ele suspira - só quero ajudar, às vezes conversar pode ser bom. - Lembrarei dessa dica - passo por ele que segue parado - e agora eu vou procurar uma sombra, e beber água. Encontrei um bom lugar para parar. Desci do cavalo e bebi água. Leonardo não desceu, apenas me acompanhou, ao menos até ouvir um barulho, mas eu o interrompi antes que ele saísse na direção do mato: - Acho que é uma das vacas com cria - digo. - E porque? - ele ri. - Porque elas procuram abrigo longe dos bois mais velhos, elas correm menos... - eu suspiro - fica ai que eu vou olhar. Entrei no mato e logo encontrei duas vacas com seus respectivos terneiros. Com cuidado para não espantá-las, voltei para pegar o cavalo: - São duas com terneiros... Para onde levamos? - O potreiro aqui em cima - ele indica uma cerca há uns quinhentos metros - está vazio e bem fechado, vou abrir o portão e tocamos elas. - Certo, vou te esperar. Precisamos de pouco mais de trinta minutos para levarmos os animais para o potreiro e assim que terminamos, avistamos dois homens subindo à cavalo: meu pai e outro funcionário, que eu não conhecia: - Dia - gritou papai - achei que estavam devorando os lanches... - Não - respondi rindo - encontramos duas vacas com cria ali embaixo - apontei para o mato. - Catarina achou - corrige Leonardo. - Não importa - eu resmungo. Meu pai não diz nada, apenas ri e pega a bolsa que carregava Leonardo: - Vão descer? - ele pergunta. - Não - respondo - acho que eu vou para casa, chega de cavalos para mim por hoje. - Vai levar um tempo até se acostumar de novo - diz meu pai - se precisar ir até a cidade, pega a minha pick up... - Certo, obrigada - respondo - mas acho que vou ficar em casa... Me despeço do trio e saio galopando em direção à casa grande: três horas e meia de sol, sacolejando no lombo de um cavalo depois de uns três anos sem montar... Não poderia ter sido uma ideia muito inteligente, eu sentia dor em parte do meu corpo que eu nem mesmo sabia que existiam. - Jo - eu grito assim que entro em casa - Joanaaaa... - Ai menina - ela diz apressada - vai me matar do coração! - Jo, eu estou morrendo de fome - eu digo rindo. - Acho que essa é uma das frases que eu mais amo ouvir - ela brinca - vai tomar um banho que eu já vou preparar alguma coisa para você. Assim que tomei meu banho consegui ter certeza de uma coisa: dias de campo não eram mais para mim: eu não tinha mais o pique para o lombo do cavalo. Coloquei um vestido leve e desci com os pés descalços, correndo para a cozinha: - Cansada? - novamente uma voz grave vinda de dentro da cozinha me assustava. - Você vai acabar me matando de susto - suspiro e encaro Leonardo ainda sujo do campo parado ao lado da porta dos fundo - acho que meio dia de campo já foi o suficiente. - Você que está muito assustada - ele riu - logo você volta a pegar o ritmo da coisa, agora se arruma que você vai na cidade comigo. - Não - eu rio alto - vou comer e depois provavelmente vou dormir... - Seu pai disse que fosse comigo - ele diz sério - ligaram da seguradora e falaram duas palavrinhas para ele: perda total. Ele disse que eu fosse com você escolher outro modelo. - Eu estava bem satisfeita com o meu... - eu digo tentando encerrar a discussão. - Precisa de um carro maior se vai ficar - ele coça a barba e me encara - vamos lá. - Posso comer antes?- pergunto. - Sim - ele sentou no degrau. - Você devia tomar um banho - eu digo pegando o prato que Joana me alcança: strogonoff de frango, arroz e batatas - comer, quem sabe... - Comer é bom - diz Joana - mas o banho é necessário, onde já se viu querer que a menina vá a algum lugar com você fedendo a bosta e cavalos... - Eu não estou... - ele resmunga - certo, vou tomar um banho e volto para comer. Já vi que o dia está perdido mesmo. Logo que ele sai, Joana começa o seu discurso que eu conheço muito bem: - Não é querer fazer fofoca e falar do moço - ela diz - mas ele detesta a cidade. Seu pai que obriga ele a ir frequentemente, se ele pudesse, ficava enfiado aqui pra sempre. - E porque?- eu pergunto curiosa. - Dizem por ai que ele tinha uma noiva - ela conta, sentando-se em minha frente, falando baixo - e que ela o abandonou no altar. - Coitado - eu digo imediatamente. - E ai ele se fechou pro mundo, sabe... Não fala muito e prefere ficar escondido aqui - ela deu ombros - um moço bonito, estudado e com tanta vida pela frente - meu afilhado, mas passou tempo fora, tem coisas que não falamos... - Quantos anos ele tem? - pergunto. - Ele tem - ela responde, e a resposta faz eu sentir um arrepio na espinha. - Parece ter menos - dei ombros e antes que eu pudesse dizer algo, meu pai apareceu na porta, já tirando as botas. - Assim que terminar, vai com o Leonardo lá... - ele começou. - ... sim, eu já sei - respondo - sabe que é provisório. - Sim - ele me encara - mas essas estradas ficam piores a cada dia que passa, não vou arriscar. Escolhe uma pick up, com proteção frontal e tração nas quatro rodas. - Porque não vai comigo? - pergunto. - Tenho um compromisso - ele responde - aliás, todos temos. - Sim - Joana revira os olhos discretamente. - Ninguém me comunicou nada - eu digo. - Vou buscar Débora no aeroporto - ele diz e logo dá de mão em uma maçã, mordendo-a em seguida - ela vai passar o fim de semana, essa noite vamos fazer um jantar... - Certo - eu o encaro - não faço ideia de quem seja Débora a. - Minha namorada - ele diz - acho que não falamos sobre isso. - Na verdade, nós não falamos sobre quase nada - respondo. - Mas vamos ter tempo - ele sorri - vou para o banho, venho comer e depois vou buscar Andrea. Papai m*l sai da cozinha e Joana volta a sentar-se em minha frente: - Se a sua avózinha Josefa estivesse viva, perambulando pro essa terra... - Não me diga que estaria decepcionada? - eu a encaro rindo. - Mulher nenhuma no mundo seria boa para o Cadinho dela - riu Joana - mas essa tal Débora, sem sombra de dúvidas é a pior escolha possível. - Obrigada por ser tão sincera - debochei - acho que eu vou adorar conhecer ela. - Certamente vai - riu Joana - ao menos já está avisada. Tentei voltar minha atenção ao meu almoço - apesar de serem duas da tarde, mas novamente alguém entrava na cozinha para tomar minha atenção: - Melhorou? - Leonardo pergunta, agora veste jeans limpo e uma camiseta preta, além de ter tirado as botas e calçar um tênis. - Pelo menos não fede - eu brinco. - Acho que a princesa esqueceu como é viver na Fazenda... Terminei de comer em silêncio e subi para o meu quarto, calcei um tênis e peguei minha bolsa. Enquanto guardava o meu celular, enxerguei as marcas em meu pulso direito: eu nunca me livraria delas. Tentei esconder com uma pulseira, peguei meus óculos escuros e desci. - Não pode sair assim - Leonardo disse assim que cheguei ao pé da escada. - E porque eu não poderia? - debocho. - Porque os caras não sabem se comportar, e eu preciso ir em uns lugares... - ele responde. - Eu não vou trocar de roupa - digo decidida. - E eu não vou defender você - ele responde - vamos, já perdi tempo demais hoje. Caminho em silêncio até a pick up dele, modelo novo, limpa por dentro e com ar condicionado, não seria tão r**m assim, afinal. Ele estava ainda mais sério do que antes: - Quando eu for pegar os remédios, na agropecuária, você fica na caminhonete, certo? - ele diz. - Tudo bem - suspiro - não pretendia ir a nenhum lugar, estou indo praticamente arrastada, então não é bem um passeio turístico. - Seu pai que pediu que eu trouxesse você - ele tenta se justificar. - Hoje cedo você parecia querer companhia - respondo. - Isso foi antes de passar algumas horas com você - ele diz debochado. Não falei mais nada. Apenas encarei o sol brilhando longe nos campos: pouco me importava o que aquele cara pensava sobre mim, ele não era ninguém, ninguém mesmo...
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