Não tão má, madrasta

1490 Words
            Assim que cheguei em casa, Joana fez a gentileza de lembrar-me que estaríamos dando um jantar em honra a chegada da namorada do meu pai: -Acho que devo pedir que vista algo um pouco mais formal esta noite, querida - disse a mulher sorrindo. - Tudo bem - respondo - não vou decepcionar meu pai, ao menos não hoje…  - Não seja c***l - ela riu.         Entrei em meu quarto e me permiti um banho longo e demorado: onde é que eu estava com a cabeça quando pensei que eu teria paz e sossego no interior? Eu pensei que aqui, nesse fim de mundo, eu poderia apenas descansar e fugir de tudo por um tempo, mas eu tinha descansado muito pouco ou quase nada e tinha tido uma chegada e um primeiro dia muito mais intensos do que eu havia planejado.           Eu ainda vestia um roupão atoalhado quando alguém bateu na minha porta, fazendo com que eu apenas ajustasse o roupão e abrisse a porta sem muita cerimônia: - Nossa - Leonardo disse envergonhado, virando-se para o outro lado como se eu estivesse totalmente sem roupas - eu sinto muito, eu não queria… - Interromper meu momento de sossego? - eu ri encarando ele, achando graça de seu visível desconcerto - Tudo bem. Precisa de alguma coisa? - Na verdade - ele suspira um pouco mais aliviado - pensei em ver como você estava. - Estou bem, obrigada - respondo. - Sinto muito - ele repete. - Tudo bem - eu sorrio - até depois.           Fecho a porta antes que ele diga mais alguma coisa e começo a realmente pensar no que eu devo vestir. Nessas horas que eu detesto ser mulher, porque se eu fosse homem, como Leonardo, eu poderia vestir uma calça jeans e uma camisa qualquer, e as pessoas nem mesmo iriam reparar se a camisa era a mesma do evento anterior ou se era corte slim, ajustada perfeitamente ao corpo, parecendo ter sido feita sob medida para cair perfeitamente sobre todos aqueles músculos, como a que ele estava usando… Em que momento eu havia reparado em tantos detalhes assim?           Volto minha atenção ao guarda roupas e sou novamente interrompida por uma leve batida na porta. Corro para abrir e me deparo com o meu pai: - Oi filha - ele diz sorridente. - Oi - respondo um pouco decepcionada. - Está tudo bem? - ele pergunta. - Sim, está - saio do caminho deixando-o entrar - e você? Fez boa viagem?  - Sim - ele responde - bem tranquila. E aí? Deu tudo certo na cidade? - Sim - eu respondo - e obrigada. Acho que no fim das contas eu gostei de fazer a troca… - Ah, que bom - ele sorri - mas não agradeça, desfrute… - E a sua namorada? - pergunto curiosa. - Está no banho - ele diz - receberemos alguns amigos esta noite. - Sim, eu já estou sabendo - digo rindo - não se preocupa que eu não vou descer de moletom nem de roupão… - Perfeito - ele se aproxima e beija minha testa - queria que tivéssemos mais tempo para conversar. - Ah, mas vamos ter em breve - eu digo. - Claro - ele parece nervoso - mas eu acho que preciso te dizer uma coisa. - Uhm - eu o encaro - tudo bem. Pode dizer… - Eu vou pedir a mão de Isabella em casamento, esta noite - ele diz a frase tão rápido que eu por pouco a compreendo. - Nossa - eu digo sem esconder a minha surpresa - bem, felicidades então. - Sei que eu deveria… - ele ensaia um pedido de desculpas. - Tá tudo bem - eu o abraço - eu te amo e quero que seja feliz, pai, sempre. - Obrigada - ele sorri - sua aprovação é bem importante para mim.              Meu pai sai do quarto e eu fico alguns minutos me recuperando do choque daquele comunicado: papai vai casar novamente. Não bastasse todos os padrastos com os quais eu precisei conviver, agora eu teria madrasta também… Definitivamente, aquela não era uma grata surpresa, principalmente porque eu não fazia ideia do que me aguardava.              Optei por um vestido simples: preto, um palmo para cima dos joelhos, saia levemente esvoaçante, corpo bem marcado na altura da cintura e alças largas. Completei o look com uma sandália preta de salto alto, não fazia ideia do que vestir, mas para mim, aquilo era formal. Fiz uma maquiagem leve e por fim, desci para a sala onde um estranho número de pessoas estava, meu pai não era de receber muitas visitas, então eu estranhava.              Não precisei de mais do que cinco minutos para localizar minha madrasta, muito bem posicionada dependurada no ombro do meu pai que vestia jeans escuros com uma camisa branca e ela, um vestido vermelho escarlate, sandálias douradas, muitas jóias e um sorriso radiante. Os cabelos loiros platinados estavam levemente ondulados e sim, ela era linda, linda demais, inclusive, para casar-se com meu pai: que apesar de ter o seu charme, já não era mais um garoto… Ela parecia não ter mais do que vinte e cinco anos.  - Aí está você - meu pai disse assim que percebeu que eu me aproximava - preciso apresentar para você, a Débora, minha namorada. - Oi, querida - ela se aproxima me dando um abraço apertado - quase que oficialmente a sua… - ela ri - não tão má, madrasta. - Ah, é um prazer - eu retribuo o carinho, apesar de estar confusa com a apresentação.              Afim de digerir tantas informações e o peso da frase de apresentação de Débora, sai para a varanda assim que consegui fugir do meu pai e antes que minhas tias pudessem me enxergar, porque eu não queria conversar e nem mesmo dar nenhuma explicação, ainda mais para elas, que não faziam ideia do que acontecia em minha vida nem quando eu morava ao lado, quem dirá quando mudei para longe. Fugi rapidamente para um canto escuro e respirei aliviada o ar frio da noite, por pouco tempo:  - Já está fugindo, Catarina? - aquela voz grave fez meu corpo todo arrepiar-se. - Não… - respondo - eu só precisava de um ar fresco. - Não estou julgando - Leonardo fumava um cigarro e tinha uma garrafa de cerveja em mãos. - Está fugindo também? - eu pergunto. - Desde que eu me conheço por gente e eu fujo de grandes reuniões de gente - ele deu ombros - não consigo me sentir bem.  - Eu te entendo - suspirei - ultimamente eu estou evitando grandes números de pessoas. - O que achou da sua madrasta? - ele pergunta.  - Achei - eu o encaro - demais para o meu pai. E você? O que acha dela?  - Golpe - ele ri - mas quem sou eu para dizer uma coisa dessas, não é? Seu Ricardo deve saber o que faz da vida dele. - Ele vai pedir ela em casamento - eu digo sem pensar. - De onde tirou essa ideia? - ele ri. - Meu pai me disse, agora a pouco, foi até meu quarto, e falou que essa era a intenção. - Mas nem vai esperar para saber se vocês se dão bem? - Leonardo se aproxima me encarando - Minha família tem essa tendência de não se preocupar muito com minha opinião sobre todo e qualquer assunto - respondo tentando não parecer tão r**m quanto era. - Mas que merda - ele coçou a barba - isso não parece legal. - Na verdade nem mesmo importa - eu digo dando ombros. - Claro que importa, você mora aqui agora - ele diz parecendo um pouco revoltado.  - Provisoriamente, Leonardo - eu respondo. - Leonardo parece muito formal - ele ri - me chama de Léo. - Parece muito íntimo - eu brinco - te conheci ontem. - Para - ele diz - eu já te vi de roupão, isso é bem íntimo. Falar nisso, não deve abrir a porta assim… - Não deveria nem ter batido na minha porta - eu respondo. - Ahn? - ele me encara confuso.  - Esquece - eu suspiro - não quero explicar que a forma com que eu abro a porta de meu quarto é um probleminha meu. - Você tem razão - ele responde. - Costumo ter - eu digo e o deixo na varanda, voltando para dentro em tempo de acompanhar o pedido oficial de casamento do meu pai.             Quando finalmente voltei para o meu quarto, não pude deixar de pensar sobre meu pai e o casamento: e se minha permanência não fosse tão provisória assim e eu realmente precisasse conviver com Débora? E com as irmãs dela - elas pareciam muito intimidadoras com seus cabelos loiros platinados, seus vestidos justos e seus sorrisos perfeitos… Acabei adormecendo logo que consegui enfiar meu pijama de unicórnios e minhas meias fofinhas, eu merecia descanso.
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