Camila Narrando
Eu me encaro no espelho e já sinto a ansiedade subir. É o meu primeiro baile funk, nunca fui e também nunca tive interesse, e eu tô determinada a arrasar, fiquei pensando no que usar, no que fazer pra marcar presença, e agora que chegou o momento, não tem volta. Quero causar mesmo, mas sem parecer que tô me esforçando demais, sabe? Só que também não posso dar bobeira. Vou com tudo, mas preparada, como sempre.
Escolho a calça jeans mais apertada que eu tenho. Sabe aquela que modela o corpo e faz a gente se sentir poderosa? É essa. Combinada com um cropped preto que deixa a barriga de fora, simples, mas sexy na medida. Tô indo pra um baile funk, não pra uma festa formal, então precisa ser algo que mostre atitude.
Pego meu tênis mais confortável. Não vou ser aquela que sai no meio da noite reclamando de dor no pé. O baile é até o sol nascer, e eu pretendo dançar até o chão, então, conforto é prioridade. Mas antes de calçar, encaixo a mini pistola no tênis. Por mais que eu esteja indo curtir, Baile é Baile, né? Não dá pra vacilar.
Pego algumas bijuterias, um anel, umas argolas grandes, e uma corrente fina, só pra dar um brilho. Nada muito chamativo, mas o suficiente pra complementar o look. Aí, finalizo soltando o cabelo. Gosto dele bem natural. Um pouco de perfume, só pra fechar com chave de ouro. Agora sim, tô pronta.
— Camila, tu tá gata demais! — Cecília me diz, encostada na porta do meu quarto, com um sorriso malicioso no rosto.
— Acha? — Eu viro pra ela, dando uma voltinha.
— Se eu fosse você, tomava cuidado, porque vai ter fila de homens querendo você hoje, e a propósito para onde você vai? — ela perguntou sorrindo.
— Eu vou é me garantir, você sabe. — Respondo, piscando pra ela. Cecília sabe que eu não estou só pra brincadeira, mesmo que a noite seja de festa.
Ela vem até mim, me abraça de lado e dá uma olhada no meu look completo, de cima a baixo.
— Cuidado Mana, não esquece que Te amo.
Eu rio, meio nervosa, mas cheia de expectativa. Agora, eu tô a caminho do meu primeiro baile, e a adrenalina já tá correndo nas minhas veias. Sei que vai ser uma noite daquelas, e tô mais do que pronta.
Desci e chamei um Uber, no caminho, sinto a arma presa no tênis. Nem parece que tô levando, mas o peso ali me lembra que eu tô preparada pra qualquer coisa. Passeios na Favela é: diversão, mas sempre com um pé atrás. Não dá pra confiar cem por cento em ninguém, e o baile pode ser tão perigoso quanto emocionante.
— Eu vou ter que te deixar aqui na entrada, moça — disse o motorista do Uber, olhando para mim pelo retrovisor com um ar um tanto apreensivo. Ele olhou para o lado, como se estivesse esperando minha reação.
Eu sorri, tentando parecer mais tranquila do que me sentia por dentro. Era minha primeira vez ali, e por mais que eu soubesse que a Rocinha tinha uma reputação complexa, eu queria ver as coisas com meus próprios olhos. Respirei fundo.
— Sem problema, pode deixar aqui mesmo — falei, já puxando o celular para pagar a corrida. Quando o carro parou perto da entrada, passei o cartão pelo app e agradeci — Valeu!
Abri a porta e saí, sentindo o calor do asfalto e o clima pulsante ao meu redor. O som do carro se afastando ficou pequeno em meio ao burburinho que eu começava a notar.
Assim que pisei fora do Uber e vi a Rocinha de perto, entendi o que ele queria dizer. Na entrada, logo de cara, já dava para perceber como o morro tinha vida própria, e o ritmo era completamente diferente de qualquer lugar que eu já tinha visto. De onde eu estava, já dava pra ouvir o som alto das caixas de som espalhadas por todo canto, o funk dominando o ambiente, e os batidões pareciam vir de todos os lados.
Eu comecei a subir, e a primeira coisa que me chamou atenção foi a movimentação dos garotos armados. Uns com fuzil, outros com pistola, meninos que nem deveriam está na rua, uma hora dessas. Eles andavam pelo morro como se fossem parte da paisagem. Nada ali parecia surpreender ninguém, era como se tudo fosse absolutamente normal. E talvez para eles fosse mesmo.
Tinha uns rapazes de Moto, Oferecendo seus serviços. Achei melhor aceitar, então entrei no Morro de Moto táxi. Fomos subindo e eu fui vendo.
Os caras de boné, sem camisa, com as armas descansando nos ombros.
A cada esquina, a cena mudava um pouco, mas a intensidade era a mesma. Meninas, algumas com jeito de quem veio de longe, talvez de família rica, desciam dos carros como se já soubessem exatamente o que estavam fazendo. Vestidas com roupas justas, saltos altos, maquiagem impecável, elas desciam da zona sul para subir o morro em busca da adrenalina.
Vi uma delas, logo que saiu de um carro caro, se jogando nos braços de um dos garotos armados. Era nítido que essas garotas vinham de uma realidade completamente diferente, mas, parecia que todos estavam de igual pra igual. As barreiras sociais desapareciam num piscar de olhos.
Fomos subindo, chegando cada vez mais perto do batidão. Música dançante, gosto muito, dá até para se divertir no meio de uma missão meio suicida, eu diria.
Chegamos na frente de algo que parecia uma quadra aberta ou um campinho, não deu para identificar, mas tinha muita gente dançando, se jogando, se divertindo. O som estava extremamente alto, e a galera estava curtindo. Desci da moto, paguei o mototáxi e comecei a observar ao redor. Tinha um barzinho logo na entrada, comprei uma cerveja geladinha, já para ir animando.
Comecei a dançar sem me distrair muito, observando tudo e todos. Vi quando ele chegou, parecia que tinha chegado o rei: reverência e exaltação. Observei cada passo dele. Ele subiu em uma espécie de palco, onde havia outros homens, e também garotas. Aproveitei para beber mais uma. Alguns rapazes chegaram em mim, mas dei fora em todos. Homem não pode ver uma mulher sozinha que já vem oferecer companhia. Ai, gente, isso é tão ultrapassado.
Me joguei no Funk, rebolando até o Chão, dancei, bebi, me diverti horrores na minha própria companhia.
Até que senti que alguém estava me observando, e quando olhei em direção ao palco, vi que era ele. Tártaro estava me encarando, e eu sustentei o olhar. Dei um sorrisinho e decidi que já era hora de ir embora.