Camila Narrando
Vou contar um pouco sobre mim, porque tenho a impressão de que poucas pessoas sabem a verdade da minha história. Meu nome é Camila Muniz, tenho 34 anos e sou formada em direito, com pós-graduação na Flórida. Parece bonito, né? Mas o que ninguém vê é que minha vida sempre foi marcada por perdas e uma sede incontrolável por justiça. Ou vingança, depende de como você prefere chamar.
A história começa com a morte da minha mãe. Ela morreu no parto da minha irmã mais nova, Cecília. Eu tinha apenas quatro anos. Pode imaginar o que isso fez com o meu pai? Ele simplesmente desapareceu. Não de forma literal, mas emocionalmente. Ele se afastou de nós, se fechou no próprio mundo, e eu e minha irmã acabamos sendo criadas pelos nossos tios. Eram pessoas boas, de verdade, para mim e para Cecília. Tinham um amor imenso por nós e fizeram de tudo para que a gente tivesse uma infância normal, apesar das circunstâncias.
Eu lembro como eles eram presentes. Me ajudaram nos estudos, me apoiaram quando eu decidi que queria seguir a carreira no direito, me deram conselhos, e mesmo quando eu decidi morar sozinha, aos 18 anos, o respeito e o carinho que eu tinha por eles nunca diminuíram. Só que a vida gosta de arrancar de você o que mais importa, e foi isso que aconteceu quando perdi meu tio, de uma forma brutal. Eu nunca vou esquecer. Isso me destruiu por dentro. Ele não era só meu tio, era a única figura paterna que tive na vida. E foi aí que algo mudou em mim. Nasceu essa sede. Esse desejo ardente por vingança.
Cuidar da Cecília, minha irmã, sempre foi um papel que assumi com naturalidade, porque ela era tudo o que me restava. Mas ela cresceu rápido demais, se casou jovem e construiu a família dela. Fiquei feliz por ela, sabe? Ela estava bem, feliz, com o marido dela, e eu me senti livre. Foi então que decidi passar uma temporada fora do Brasil. Precisava de um tempo para mim, para colocar a cabeça no lugar e traçar meus planos. Fui para a Flórida, fiz minha pós-graduação e, por um momento, pareceu que a vida estava tomando um rumo novo, talvez menos amargo.
Na Flórida, conheci Endrick. Brasileiro também, formado em direito, mas morando fora há tanto tempo que já nem sabia o que era a vida no Brasil. Ele era interessante, inteligente, lindo, e eu me deixei levar. Me apaixonei. A gente vive um romance há dois anos, mas algo em mim nunca conseguiu se entregar completamente. Eu nunca quis casar, nunca quis me prender a ninguém. Não é que eu tenha medo de amar. Eu só gosto de ser livre. Gosto de ditar as minhas próprias regras, sem ter que dar satisfação pra ninguém. Talvez isso tenha sido o primeiro sinal de que nós dois não éramos feitos pra durar. Mas Endrick nunca entendeu isso.
Ele me pediu em casamento várias vezes. Falava sobre como seria a nossa vida juntos, sobre como construiríamos algo sólido. E eu sempre fugia da conversa. Eu sei que não posso me amarrar, não enquanto eu ainda tivesse essa missão não cumprida no Brasil. Porque a verdade é que eu sei, desde o início, que um dia eu voltaria. Eu não posso deixar pra lá a morte do meu tio, não posso fingir que aquilo não aconteceu e também não quero isso. E acredite, eu sei exatamente quem é o responsável por isso: Tártaro, o chefe do Comando Vermelho. Esse homem que eu odeio com todas as minhas forças, mas que, de alguma forma, também parece estar em cada um dos meus pensamentos. Odiá-lo é como uma segunda pele para mim.
Quando Cecília me contou que estava grávida, eu soube que estava na hora de voltar. Vou ser tia, e isso me deu uma sensação boa, de renovação. Mas também me fez sentir que o tempo estava passando e que eu preciso agir. Não dá mais pra adiar. Eu preciso encarar meus demônïos e seguir com meu plano. Foi nesse momento que decidi contar para Endrick que eu vou voltar pro Brasil. Foi ali que as coisas começaram a desmoronar de verdade.
Quando falei pra ele sobre a minha decisão, ele surtou. E não foi aquele surto de ficar bravo ou chateado. Foi algo além. Ele, que sempre foi carinhoso, que sempre me tratou bem, de repente virou uma pessoa que eu não reconhecia. Ele me empurrou, me segurou com força, machucou meus braços. Eu não sei dizer se foi o choque ou a raiva que tomou conta de mim naquele momento, mas a única coisa que eu consegui fazer foi encravar as minhas unhas no rosto dele, o mais fundo que consegui. Minha arma estava no quarto e nós estávamos na sala.
Olhei pra ele e soltei: — O meu pai, que era o meu tio, que me criou como filha, nunca encostou um dedo em mim. Você acha que vou baixar a guarda para um macho que eu mäl conheço!
Acho que nunca vi tanto ódio nos meus olhos refletidos em alguém. Ele me olhava como se eu fosse a vilã da história, mas quem ele pensa que é? Eu nunca dei a ele o direito de me controlar. Nunca dei a ele o direito de decidir por mim. Se tem uma coisa que eu sou, é dona de mim mesma.
Depois disso, saí daquela casa e nunca mais voltei. Deixei tudo para trás sem pensar duas vezes. O que me espera no Brasil é algo muito maior, muito mais importante do que qualquer relacionamento. Endrick era uma distração, algo que talvez eu quisesse acreditar que seria a minha nova vida. Mas eu sempre soube que meu destino estava atrelado a uma outra missão. Tártaro vai pagar pelo que fez com o meu tio. E eu não vou parar até isso acontecer.
Estou voltando para o Brasil. Com uma vontade inabalável. Cecília está bem, e eu, bom... Eu sou uma mulher de palavra. E a minha palavra agora é vingança.