EMANUELLE ALBUQUERQUE - R
(RESIDENTE EM PNEUMOLOGIA)
Se eu não desse 1 bocejo a cada 2 minutos, estaria dando mais. Neste plantão eu tava só o pó da rabiola.
Ok. Eu sei que a gente tem que aprender e quanto mais tempo em campo, mais aprendemos e eu também sei que eu já sou uma médica formada e isso aqui já é o meu presente como médica.
Mas eu ainda me pergunto, porque não desenvolvi o dom de fazer artesanato quando na escola a professora de artes ensinava. Hoje eu estaria vendendo a minha arte na praia, trabalhando enquanto a brisa do mar batia no meu rosto (e estragava os meus cabelos descoloridos).
Eu atendi tanta gente, que agradeço por existir os prontuários dos pacientes, porque sem eles eu não saberia nem do nome de quem eu estava atendendo. A minha mente tá cansada e a única coisa que me lembro bem é que daqui a pouco o meu plantão termina e também sei onde fica a minha casa.
Só faltavam 2 pacientes naquele dia. Dei uma boa olhada nos exames de um deles e fui direto para a enfermaria F, leito 5. Ela estava assistindo novela.
— Bom dia, Dona Katarina. Como a senhora está se sentindo hoje? — eu parei ao lado do seu leito.
— Tô ótima. Só reprisando as minhas novelinhas. — contou animada. Ela já não usava cateter nasal e mesmo assim não mostrava sinais de falta de ar. Coloquei o oxímetro nela só pra ter certeza que estava bem e ela saturava a 99%.
Estava melhor que eu, que ando tão cansada e correndo tanto que devo estar saturando a 8% ou até 97%. Eu estou realmente cansada. Medo de achar um leito vazio e acabar dormindo nele.
— Então, dona Katarina, tenho boas notícias pra senhora. — fechei a porta do quarto e me aproximei dela, animada. É tão bom dar notícias boas aos meus pacientes. Pelo menos eu finalizo o plantão feliz.
Ela abriu um sorriso com um olhar esperançoso. — Notícia boa?!
— Sim. Seus exames mostraram que a senhora está ótima. Não tem mais nenhum sinal de pneumonia. — verifiquei novamente o prontuário dela. — A senhora está de alta! — terminei de concluir animada.
Às vezes eu me empolgo mais do que os próprios pacientes.
— Ô minha filha, eu tava esperando isso desde que cheguei. — ela desceu da maca com minha ajuda. Ela já tem 67 anos. — Meus gatos tão lá sozinhos.
A velha dos gatos.
— Pois agora a senhora vai cuidar deles. Só precisa esperar sua filha chegar pra te levar. Certo? — fiquei de olho pra ela não cair enquanto descia.
— Tá bom. Eu espero. — sentou na poltrona sorrindo.
— Com licença. Vou olhar outra pessoa ali. — saí do quarto sorrindo para ela e deixei a porta aberta.
Fui até o posto da enfermaria e coloquei o prontuário de Dona Katarina junto com os outros.
— Dra. Emanuelle, seu plantão já acabou. Pode ficar tranquila que o Dr. Paulo vai continuar as visitas. — a enfermeira chefe me alertou.
Olhei os exames do outro paciente, por alto, e vi que ele está bem melhor hoje, então eu posso ir embora tranquila.
Devolvi o prontuário dele também. — Tô morrendo de sono, Karla. 24 horas diretas é f.... — cochichei o final e ela riu.
— Sei bem como é. Quando eu entrei aqui, era assim como você. Rosto todo novinho, sem rugas, sem olheiras, com vigor. Agora olha como eu estou. E só tem 2 anos que eu trabalho ali. — ela apertou os lábios em lamento.
E ela tá acabada.
Será que eu vou ficar assim?
Será que ainda dá tempo de assistir aos programas de artesanato?
— Se cuida, mulher. Você é nova. — eu aconselhei saindo de lá.
Eu tô mesmo exausta, mas sempre tento parecer bem pra os pacientes. Afinal, eles pagam muito bem neste hospital. Eu ainda recebo salário inicial, mas mesmo assim, agradeço muito por isso.
Fui para a sala onde deixamos nossas coisas, pra pegar minha bolsa. Nela eu levo minha casa, por causa dos plantões.
— Dra. Emanuelle... Já tá indo também? — o Dr. Gostoso, digo, Dr. Pedro entrou também na sala depois de mim.
Eu tenho um t***o por esse cara viu!
É que ele não se abala nos plantões. Parece que ele tem uma energia... se trabalhando, cansado, ele ainda tem essa energia toda, imagina em outras questões?... Se eu pensar, enlouqueço.
— Vou sim. Preciso descansar, meu plantão acabou. — tirei o jaleco e pendurei no cabide, depois o coloquei junto com os outros jalecos na arara.
— Depois do seu descanso, não gostaria de sair pra tomar alguma coisa? Sei lá... Tem uns barzinhos legais na cidade. — me olhou com aqueles olhos lindos.
Eita que hoje é meu dia de sorte.
— Tá. Pode ser. — fingi não me importar muito com isso, mas no fundo tô pirando.
VOU SAIR COM O DR. GOSTOSO!!!!! AHHHHHHH!!!!!!!
— Te pego às 7h, então?
Pode me pegar às 7, de 4....
— Sim. Tá ótimo. — procurei um dos meus cartões dentro da bolsa e entreguei a ele.Eu amo essa história de carregar cartão profissional. É a desculpa pra dar meu contatinho pra os boys. — Me liga que te dou meu endereço. — sorri saindo com minha bolsa no braço.
A minha bolsa tá pesando uns 10 kg.
Me concentrei pra não sair saltitando. Mas a felicidade é a p***a. O sorriso não desmancha de jeito nenhum. Até o meu cansaço passou depois deste convite.
Eu vou revirar aquele meu guarda-roupas pra achar um look em que eu continue parecendo uma médica bem sucedida.
É que fora do hospital em não ostento uma vida de luxo e também tão tenho cara ou me visto de rica.
Se bem que eu tenho que mostrar quem eu sou de verdade...
Ah, mas é só um peguete. Ele pense o que quiser, desde que seus pensamentos me deem prazer.
Eu sou uma safada...
Quando passei pela porta da frente do hospital, fui surpreendida por uma garota aflita. Essa conseguiu desmanchar meu sorriso.
— Me ajuda, por favor, meu pai tá passando m*l ali. — apontou pra uma van chorando. — Você não é a Doutora dos pulmões?
Eu já sou famosa assim para as pessoas me conhecerem na rua?
Caramba, e eu só divulguei uma foto no i********:!
— Sou sim, mas... — Pensei rápido. Se o paciente está m*l, ele precisa dar entrada no hospital. — Eu vou chamar os enfermeiros pra levá-lo para dentro. — me virei pra entrar de novo hospital, mas ela segurou meu braço e não me deixou sair do lugar. Olhei para trás e ela parecia no cabo de guerra.
— Não, a gente não tem plano de saúde. Ajuda ele, Doutora! — ela chorou e eu fiquei foi assustada com seu desespero.
O pior que este hospital aonde eu trabalho é particular. A velha dos gatos deve ter babás para os gatos. Pra quem chega assim é complicado ser atendido por eles.
Mas eu não n**o ajuda, mesmo morrendo de cansaço. Por isso me tornei médica. Então a acompanhei. — Ok, vamos ver, mas depois você tem que levá-lo pra um pronto socorro.
Como é que ela sabe que aqui não atende e ainda vem pra cá?
Acho que é porque no nervosismo a gente nem pensa direito.
— Tá bom. — ela concordou com a minha ideia e nos aproximamos da van, que já estava com a porta aberta. — Entra aí, que a senhora vai ver ele.
Entrei na van e tinha um rapaz deitado, aparentemente desmaiado. Mas era jovem, não tinha cara de pai.
— Não era seu pai? — estranhei e quando fui olhar pra ela, a garota já tinha sumido e a porta da van foi fechada.
— Desculpa doutora, mas a senhora vai dar um cochilo agora. — o rapaz deitado falou, colocando um pano com cheiro forte no meu nariz. Tudo se escureceu em questão de segundos.