Anne
Theo era o dono da lanchonete onde eu trabalhava durante o dia, e do quarto caindo aos pedaços que eu morava no andar de cima do local que ele me disponibilizou por um preço mais "barato", mesmo eu achando que ele estava me extorquindo.
O lugar era pequeno, apertado e eu precisava dividir com baratas e ratos. Tirei um pouco do meu salário para comprar venenos e itens de limpeza, apesar de não conseguir tirar o mofo das paredes.
Assim que conseguisse mais dinheiro eu me mudaria daquele lugar para um apartamento melhor, mesmo sendo mais caro, eu não poderia continuar ali.
Theo era um velho barbudo esquisito que me causava desconforto, mas foi única disposto a me ajudar quando cheguei em Los Angeles, mesmo eu duvidando das suas intensões para aquilo. Ele era solteiro e não tinha família, apenas aquela lanchonete caindo aos pedaços.
— O que você faz todas as noites para chegar tão tarde? — perguntou quando passei pelo balcão de pedidos com alguns pratos.
Tínhamos apenas um cozinheiro e isso acarretava na demora dos pedidos e clientes rabugentos reclamões. Não suportava trabalhar sob pressão e ainda era humilhada por algumas pessoas babacas.
— Anda me vigiando? — retruquei incomodada.
Não era atrativa a ideia dele me espiando por aí. Sempre me certificava de deixar a porta do meu quarto trancada e com alguns móveis na frente.
Vive com padrastos demais para saber que todo cuidado era pouco perto dos homens. Eles eram sujos, nojentos, e não tinham escrúpulos.
— Você faz barulho no corredor. Deveria ser mais silenciosa. — reclamou.
Eu não fazia barulho, sempre me certificava de andar na ponta dos pés. Respirei fundo tentando não me preocupar com a ideia desse velho me espiando e fui servir mais uma mesa.
A outra garçonete havia sido demitida e agora só restava eu no meio dessa bagunça. A lanchonete não era uma das mais limpas e também não estava em um dos melhores bairros de Los Angeles.
As pessoas que vinham aqui eram pobres e pareciam se contentar com pouco.
Não sei como ainda não denunciaram esse lugar, eu tentava não comer nada ali.
Era fim de tarde quando limpei a última mesa suja e escutei o sininho enferrujado da porta. Suspirei desanimada me preparando para atender mais pessoas e me assustei quando me virei em direção a entrada.
A pessoa que eu menos esperava estava aqui. Nunca pensei que eu viria tanto em tão pouco tempo.
Derek atravessava a porta velha e andava pelo com as mãos no bolso da sua jaqueta de couro, com um olhar sério e avaliador pelo local que com certeza nunca colocou os pés.
Me pergunto o que ele fazia aqui, ou como descobriu onde eu trabalhava. Seria idiotice minha pensar algo assim porque esse cara praticamente manda na cidade e sabe de tudo. Não há nada impossível para ele e agora estou na sua mira.
Não sei os motivos, mas esse cara quer alguma coisa comigo.
Theo o encarou boquiaberto enquanto Derek se aproximava de mim. Não desviei o olhar do homem que me fez tanta raiva na noite passada, o vendo puxar uma cadeira em uma mesa próxima e se sentar despreocupadamente.
Só havia ele de cliente e eu quis ignorá-lo ou expulsá-lo dali, mas eu seria demitida e teria problemas depois.
Respirei fundo e lhe entreguei um cardápio enquanto pegava meu bloco de anotações, esperando que falasse alguma coisa ou folheasse o maldito cardápio.
Derek olhou com desinteresse para o cardápio e pelo seu olhar percebi que ele não veio aqui comer. É claro que ele colocaria um sanduíche m*l feito no seu estômago.
Talvez ele tenha vindo me provocar.
Ele estava me analisando outra vez. Odiava quando me olhavam dessa forma, como se estivessem procurando algo em mim que eu não conhecia ou não sabia o que era.
— O que deseja? — perguntei impaciente depois de um tempo em silêncio.
Derek pensou por um momento antes de cruzar as mãos sobre a mesa.
— Você trabalha em dois lugares! — confirmou olhando com descanso para o lugar à nossa volta.
Ele estava realmente stalkeando minha vida.
— Descobriu isso sozinho gênio?
— Esse lugar é uma porcaria, agora sei porque aceitou o emprego na boate.
— Você não veio até aqui discutir sobre a minha vida.
O olhei com seriedade esperando o próximo passo. Derek deu de ombros e analisou o cardápio.
— Traga-me um café e sente-se à mesa comigo.
— Não faz parte do meu trabalho me sentar com os clientes. — avisei saindo dali para fazer seu pedido.
Sentia os olhos de Derek em mim a todo momento, queimando em minhas costas. O sininho da porta abriu outra vez e um homem alto entrou, ele tinha um olhar divertido e roupas despojadas, junto com um andar preguiçoso enquanto se aproximava de Derek e puxava uma cadeira para se sentar ao seu lado.
— Não sabia que gostávamos de lanchonetes caindo aos pedaços agora. O que é? Irá comprar esse local?
O escutei comentar enquanto me aproximava com o café. Comprar a lanchonete? Por que ele faria isso?
Coloquei o café sob a mesa atraindo a atenção dos homens. O cara desconhecido me analisou dos pés à cabeça com um sorriso. Eu não estava nada atrativa com os cabelos presos em um coque m*l feito no alto da cabeça, e o vestido do uniforme de garçonete estava sujo de suco que uma garotinha derramou em mim a pouco tempo atrás.
— Quem é a gracinha? Acho que te conheço de algum lugar. — o cara passou a mão no queixo pensativo.
— Eu tenho a certeza que não te conheço. — retruquei.
— Joseph. — A voz de Derek era um alerta.
Joseph deixou de me encarar descaradamente e olhou para o amigo abrindo um sorriso malicioso.
— Também me traga um café gracinha. — Joseph pediu.
Fui fazer os pedidos sentindo o olhar de Theo em mim a todo momento. Ele mastigava um chiclete enquanto curiava a mesa dos homens que nunca havia visto passar por aqui.
— Trate aqueles caras bem, quero tirar uma boa grana deles. — alertou quando passei com mais uma xícara de café.
Assenti soltando um suspiro cansado.
Deixei o café de Joseph e fui fingir que estava limpando outra mesa, meu expediente aqui acaba às 10 da noite e quando a lanchonete fechava eu ia para boate.
Mal dormia direito a noite e me sentia sonolenta e horrível durante o dia por causa disso. Outros clientes apareceram no local e eu fui atendê-los, ainda de olho e Derek e Joseph que haviam pedido mais café.
Estou esperando para descobrir o que eles realmente vieram fazer aqui.
Enquanto atendia um casal vi pelo canto do olho Derek atender uma ligação e se levantar logo em seguida. Joseph caminhou em direção a porta e Derek veio até mim colocando uma gorjeta no meu bolso.
— Não precisa vir hoje à noite. — foram suas únicas palavras frias antes de me dar as costas e sair do local fazendo a portinha bater.
Mordi os lábios enfiando as mãos no bolso e pegando as notas de papel. Eram muito mais que eu ganharia em um dia e com certeza muito mais que o preço de um simples café r**m.
Tentei não me sentir desconcertada me lembrando das suas palavras para eu não ir a noite na boate. Agora eu seria dançaria exclusiva sua e teria que obedecer duas ordens. Aquela ideia não me agradava nenhum pouco, porque não o queria mandando em mim por aí.
Derek queria me demitir antes se tudo, seria isso apenas uma desculpa para que eu não voltasse para aquele lugar?
Era confuso.
Respirei fundo e voltei ao meu trabalho ignorando o desconforto no peito e a angústia que aquele cara me fazia sentir.
Quando terminei na lanchonete deixei tudo organizado para o dia seguinte e subi as escadas do fundo para o meu quarto.
Levei um suco e um sanduíche que eu mesma fiz para o jantar e tranquei a porta me sentando na pequena cama dura, observando meu quarto enquanto meu estômago roncava.
Havia apenas uma cama, uma TV velha e um banheiro apertado. Minhas roupas ficavam dentro da mala e eu ameaçadas, mas ao menos eu tinha uma boa vista da cidade pela janela.
Quando terminei de comer o sanduíche r**m, tirei minha roupa suja e entrei no banheiro tomando um banho frio. Estava muito cansada e sonolenta, meu cabelo duro estava me irritando e eu só queria uma boa noite de sono.
Agradeceria a Derek se não o odiasse. Sim o odeio por não me conhecer e querer cuidar da minha vida e me dar ordens.
Não sabia muito da sua vida, só sabia que ele mandava em tudo. Mafiosos eram perigosos e cruéis, e eu não quero de forma alguma entrar no meio do seu trabalho sujo e ilegal.
Porque era assim que eles trabalhavam, fora da lei, traficava armas e drogas pelo o que já ouvi falar. Não queria crescer em meio a dinheiro sujo e não desejava estar no meio quando a polícia o prendesse.
Se o prendesse, a verdade era que muitos policiais estavam no meio dessa merda toda
Era uma cidade sem lei.
Caminho em direção às grades da janela de ferro observando a cidade do outro lado, a vizinhança era barulhenta, mas a visão do céu estrelado era bela.
Sonhava com o dia em que tudo fosse perfeito e eu conseguisse viver uma vida tranquila como a de outras pessoas.
Peguei meu celular velho e digitei o número da minha mãe. Estava com saudades e preocupada, ela não havia me ligado hoje.
" Hum"
Atendeu em um resmungo baixo.
" Está tudo bem mãe?"
" Está"
Ela foi curta e grossa. Deveria estar ocupada ou com raiva de alguma coisa. Era sempre assim, mas eu estava acostumado com seu gênio forte, porque afinal, ela era igual a mim.
Eu tinha a mesma personalidade que minha mãe, os mesmo olhos castanho, o formato da boca, mas não puxei seus cabelos loiros cacheados, os meus eram castanho escuro e lisos demais. Talvez isso pareça com o homem que ajudou a me fazer e depois foi embora, não querendo me conhecer ou fazer parte da minha vida.
Meu pai não me quis e eu também não o queria.
" Você não deveria estar dormindo Anne?"
" Já estou indo, só fiquei preocupada com você, sinto saudades"
" Eu estou bem, vai cuidar da sua vida menina"
Mordi os lábios querendo chorar. Eu só queria que ela ficasse bem, queria que nossa vida fosse diferente. Porque eu só tinha a ela, minha mãe era tudo para mim apesar das suas falhas eu a amava perdidamente e não saberia viver em um mundo em que ela não estivesse nele.
" Boa noite mãe"
" Boa noite pequena Anne"