Não devo ter apagado por muito tempo porque quando acordei ainda estávamos na calçada do Norma e meu corpo deitado no chão. Não totalmente, parte dele estava sobre os joelhos de Andrew.
- O que houve? – pergunto confusa.
- Você desmaiou, do nada. – Peter aponta preocupado.
Eu tento me levantar e vejo dezenas de olhos curiosos direcionados a mim. Que vergonha.
- Me ajuda a levantar, Andrew. – ele já me amparava então seria mais fácil me ajudar.
Andrew me ajuda a levantar e Peter dispersa a pequena multidão que se formou em volta de nós, no meio da terceira avenida.
- Você está bem? – Andrew pergunta e me solta para confirmar minhas palavras, porque ele sabe que eu vou dizer que estou, mesmo não estando bem.
- Estou. – cambaleio quando tento andar. Andrew passa um dos braços atrás dos meus joelhos e me ergue. Eu não luto contra ele e não reclamo. Ele tem razão, eu não estou bem.
Meu coração ainda bate frenético, como um louco, dentro do meu peito e minhas pernas parecem não ter mais ossos. Ainda estou aterrorizada e eles nem sabem o porquê.
Entramos em um táxi, que Peter chamou assim que chegamos ao meio fio da calçada, e reclamo quando ouço Andrew dar o endereço ao taxista, afinal não é o endereço da Indie.
- Aonde estamos indo? – pergunto confusa enquanto olho pela janela.
Peter está no banco da frente e Andrew atrás comigo. Estou muito sonolenta, então deitei minha cabeça em seu ombro.
- Ao Presbiterian. – ele me responde. – Vamos te levar ao médico.
- Eu não quero ir ao médico, Andrew. – choramingo. – Quero ir para a minha casa.
- Emma, você m*l consegue ficar em pé. – ele pega a minha mão direita e a levanta, olhando a tinta vermelha. – Sem contar que você ainda não nos disse o que aconteceu.
- Conto se me levarem para casa. – tento barganhar, mas não tenho sucesso.
Assim que o taxista para em frente ao hospital enorme na Fort Washington avenue, Andrew sai do carro junto com o Peter e ele me pega no colo de novo.
- Eu estou me sentindo melhor. – reclamo. – Não precisa disso.
Andrew me ignora completamente e atravessa a porta de vidro do hospital comigo em seus braços. Assim que um dos enfermeiros nos vê ele corre na nossa direção com uma cadeira de rodas. Provavelmente devido a todo esse alarme que Andrew causou.
Ele me coloca na cadeira que o enfermeiro oferece e enquanto caminhamos para dentro do hospital, o rapaz de uniforme questiona a Andrew o que houve.
- Ela ficou muito nervosa e desmaiou. – ele conta. – Também não anda se alimentando bem.
Reviro os meus olhos, apoio o meu cotovelo no braço da cadeira e deito meu rosto na mão.
Uma bela sexta-feira.
O rapaz, que se identificou com Steve, me acomoda em uma maca e conecta uns cabos ao meu corpo, me ligando a um pequeno monitor. Eu me sento nela, com as pernas penduradas para fora e encaro Andrew, que parece que vai incendiar a qualquer momento.
- Agora me diz o que houve? – Andrew pergunta quando o enfermeiro nos deixa. Ele sai dizendo que uma médica me atenderá em breve e Peter vai até a recepção fazer meu cadastro. – E não me esconda nada, Emma.
Suspiro pesadamente e conto para ele o que eu vi no banheiro e sobre o homem na calçada.
- Como era esse homem? – pergunta enervado.
- Andrew, isso é bobagem. Eu só fiquei impressionada. – me defendo. – A palavra escrita no banheiro pode ter sido um adolescente i****a e de repente o homem da calçada conhece minha revista. – dou de ombros.
- Um homem que conhece uma revista de moda? – ele questiona com sarcasmo e ergue as sobrancelhas.
- Não seja i****a, Andrew. – digo irritada. – Tenho centenas de leitores gays.
- E aí? – Peter pergunta quando se aproxima de nós.
- Emma, foi ameaçada. – Andrew rosna com uma raiva quase palpável. – Embaixo da p***a do nosso nariz, Peter. – ele pega o celular no bolso de dentro do paletó e desbloqueia a tela. – Vou ligar para o Carter e contar tudo a ele.
Ele sai pisando firme e me deixa a sós com o Peter.
- Vai atrás dele. – aponto com a cabeça na direção que Andrew foi. – Ele está mais nervoso do que eu. – Peter hesita por alguns segundos e eu insisto: – Eu estou bem, Peter. Vai.
Ele força um sorriso e vai atrás do Andrew. Acompanho o Peter com os olhos até ele chegar onde o Andrew está.
- Srta. Davis? – giro meu corpo para frente de novo e vejo uma mulher de jaleco branco. Ela não é muito mais velha do que eu, provavelmente não chega aos 35 anos. Tem os cabelos escuros, iluminados por mechas loiras e óculos de grau estilo gatinho em seus olhos.
- Emma, por favor. – peço e sorrio. Aperto a mão que ela me estende e a cumprimento.
- Meu nome é Adison e eu vou te examinar. Pode me contar o que houve? O que está sentindo? – me questiona com calma ainda em pé na minha frente. Nas suas mãos uma prancheta e uma caneta prateada.
- Eu fiquei muito nervosa e desmaiei. – explico. – Mas já estou me sentindo muito bem, foi um exagero virmos aqui.
- As vezes estamos bem por fora, mas algo que desconhecemos está acontecendo. – ela aponta para o monitor com a caneta sem tirar os olhos de mim. – Está vendo esses números? – assinto. – Eles me mostram que você não está tão bem quanto me diz.
Olho para o monitor sem entender nada e a médica continua:
- Sua frequência cardíaca está em 134 batimentos por hora, um pouco acima da normalidade. – ela explica. – Tem algum problema de coração?
- Não. – respondo rápido e n**o com a cabeça veementemente.
- Algum outro problema de saúde? – ela escreve na prancheta conforme vou respondendo.
- Que eu saiba não. – ainda olho para ela, mesmo que sua atenção esteja no papel.
- Nenhum problema respiratório então? – ela ainda se ocupa escrevendo freneticamente na folha presa em sua prancheta.
- Não, nunca tive.
- Toma alguma medicação? – indaga.
- Nenhuma.
- Nem mesmo anticoncepcional? – ela para de escrever e me encara por cima dos óculos.
- No momento não. – respondo envergonhada e ela assente.
- Quando foi sua última menstruação, Emma? – pergunta calmamente.
Eu penso com calma, mas não consigo me lembrar. Talvez outubro ou novembro, não tenho certeza.
- Eu não me lembro. – confesso. – Eu tomava pílula de progesterona até o dia 31 de dezembro, então eu dificilmente menstruava.
- Já estamos em fevereiro. Se você parou a pílula dia 31 de dezembro, deveria ter tido seu ciclo normalmente em janeiro.
- Mas eu não tive. – respondo confusa.
- Existe alguma possibilidade de você estar grávida, Emma? – não sei por que, mas sua pergunta fez o meu coração acelerar e o monitor ligado ao meu peito alarmou.
Calmamente, a médica aperta um botão no painel dele e volta sua atenção a mim.
- Eu achei que estivesse, mas fiz um teste de farmácia há alguns dias e deu negativo. – minha voz soa um pouco triste, não sei porque.
- Bom, eu gostaria de prescrever uns exames para você. – ela respira fundo e sorri para mim com doçura. – Tudo bem?
Eu assinto sem saber o que fazer e ela me deixa ali na maca, sozinha e mergulhada em pensamentos desconexos e sem sentido.
Fico refazendo minhas contas, tentando lembrar meus ciclos e o que eu aprendi nas aulas de biologia, mas nada faz sentido.
O hormônio é excretado pela urina e se minha urina disse que ele não estava lá, é porque não estava, oras.
Não fazia o menor sentido refazer o exame, mas se isso significava que eu poderia ir para casa logo, eu assino os papéis que o enfermeiro trouxe para a autorização dos exames.
Andrew e Peter voltam assim que o técnico do laboratório veio colher o meu sangue e tenho que desviar o meu olhar da agulha ou desmaiaria ao ver aquela menina tão nova tirar com facilidade uns 8 tubos do meu sangue.
Para que tudo isso? – grito mentalmente.
- O que a médica disse? – Andrew me questiona quando a garota do laboratório nos deixa sozinhos.
- Ela desconfia de alguma coisa. Por isso pediu os exames. – eu não precisava dizer a eles que ela desconfiava que eu estava grávida. Não mesmo.
- Vai demorar quanto tempo? – Peter pergunta impaciente.
- Acho que em uma hora os resultados saem. – falo.
- Carter quer te ver. – Andrew avisa. – Se não estiver bem para ir a agência do FBI, ele disse que irá até a sua casa.
- Eu já me sinto melhor, Andrew. – seguro sua mão para lhe transmitir confiança e ele esboça um sorriso. – Obrigada. Vocês dois... – olho para o Peter e ele também sorri. – São dois anjos.
Uma mulher do serviço de nutrição me trás um lanche um pouco depois que chegamos. Na bandeja tem um sanduíche natural, um suco de laranja da fruta e uma maçã. Apesar de ter almoçado consideravelmente bem, eu estava faminta e nem tinha percebido.
Quando eu termino o lanche, o enfermeiro se aproxima de mim e a sua expressão de confusão ao olhar de Andrew para Peter foi hilária.
- Emma, a Dra. Adison já tem o resultado dos seus exames. – ele anuncia e suas mãos começam a desconectar os cabos ligados ao meu tórax. – Ela está te esperando no consultório 3.
Eu pulo da maca e Andrew segura o meu braço.
- Temos que ir com você. – ele avisa. Eu assinto apreensiva e mordo o lábio. Não gostaria que eles fossem, mas preciso me acostumar que não tenho privacidade há um tempo.
Caminhamos os quatro até a porta do consultório e quando paramos Steve abre a porta para que eu entre.
- Quero ir sozinha. – peço a Andrew. – Podem ficar aqui fora?
- Emma, você viu o que aconteceu no restaurante e... – Andrew começa, mas Peter o interrompe.
- Relaxa, cara. – ele diz com a voz suave. – São só alguns passos, ela ficará bem.
Andrew faz uma careta, mas aceita me dar um pouco de privacidade.
Eu entro no consultório e fecho a porta atrás de mim.
- Emma, sente-se. – a médica aponta para a cadeira de ferro preta a sua frente e eu me sento.
- E então? – pergunto com o coração querendo sair da boca.
- Bom... – ela folheia uns papéis em cima da sua mesa. – Encontramos uma deficiência importante de vitamina D e uma anemia branda no seu sangue, mas ambas conseguimos corrigir com a suplementação adequada.
- Que bom. – sussurro e a encaro confusa quando ela desliza para mim uma única folha de papel por cima da madeira branca da sua mesa.
Eu pego a folha em minhas mãos e leio:
Emma Davis. Data de nascimento: 15/04/1990.
BHCG quantitativo: 229.000 mIU/ml.
Gestação compatível com 8 semanas.
A folha escorrega das minhas mãos quando eu entro em completo estado de choque.
A Dra. Adison parece me dar um tempo para digerir o que eu li e nós duas ficamos em silêncio por uns bons minutos.
- Eu... eu... – não sei o que dizer. Não consigo nem pensar. Lembro do dia que fiz o teste na casa da minha mãe e a sensação de vazio que me deixou devastada.
Não sinto o vazio agora, pelo contrário, sinto o meu coração aquecer de uma forma que eu nunca tinha sentido antes, mas a sensação de medo e de pânico que eu estou sentindo é bem pior do que o vazio.
Como vou criar essa criança sozinha?
Como vou contar isso para o Lorenzo quando ele, assim como eu tinha, tem convicção de que eu não estou grávida?
Como vou criar essa criança em meio a tanto pânico e medo?
A última pergunta arrepia todo o meu corpo e uma lágrima solitária se desprende dos meus olhos.
E se a cosa nostra pegar o meu bebê?
- Emma? – eu encaro a médica a minha frente com os olhos fixos nela. – Sei que está em choque, é normal. Você tinha um negativo e agora isso. – ela aponta para os papéis em cima da mesa. – Sabe que tem alternativas se não quiser ter esse bebê. – meus olhos caem para o meu colo e sinto o gosto amargo da bile no interior da minha boca. – No estado de Nova Iorque o aborto é legalizado e seu tempo de gestação é o momento ideal para a interrupção.
- Preciso vomitar. – me levanto ignorando suas palavras e corro até o banheiro do consultório.
Todo o meu lanche vai embora quando me jogo no chão e me inclino sobre o vaso sanitário.
A Dra. Adison continua sentada em sua poltrona, atrás da sua mesa.
Quando meu estômago para de produzir os espasmos, eu me levanto do chão e dou descarga. Lavo minha boca quando chego a pia e a seco com papel toalha.
- Me desculpa. – peço envergonhada. – Isso acontece com frequência quando estou muito nervosa.
- E quando se está grávida. – ela me lembra e sorri docemente.
- É... tem isso também. – digo sem jeito.
- Emma, eu vou prescrever uns remédios e vitaminas para você. Quero que você vá para casa e pense no que quer fazer. – a médica diz. – Quero que saiba que o estado lhe... – a interrompo.
- Eu quero o bebê. – afirmo com uma emoção que eu nunca senti antes e muito menos sei dizer da onde veio. – Não sei como fazer isso porque minha vida está uma loucura, mas não quero tirá-lo. – digo emocionada. – Eu... eu fiquei tão triste com aquele negativo, tão confusa. Eu não o queria, mas queria. Entende? – ela assente e ri. – É um pedaço dele para mim, a certeza de que o que vivi foi real.
- Então o pai não é nenhum dos dois lá fora? – seu tom tem um leve divertimento.
- Não, eles são policiais. – arregalo os meus olhos porque sei que falei demais.
- Tudo bem. Sigilo médico, lembra? – relaxo quando ela me lembra e ela ainda sorri para mim. – Vou marcar uma consulta com um ginecologista para você na próxima sexta, tudo bem?
- Não pode ser você? – questiono chateada. Adison é tão atenciosa e doce, ia adorar ter a companhia dela pelos próximos 9 meses.
- Infelizmente, não. Não é minha especialidade. – ela torce os lábios e depois sorri. – Gosto de artérias e corações.
Torço o nariz fingindo nojo e me despeço dela depois de pega os papéis e receitas que ela me deu.
- E então? – Peter indaga assim que saio do consultório.
- Gastrite. – minto. – Vou ter que passar na farmácia e comprar uns remédios antes de irmos para casa.
Andrew assente e me entrega a minha bolsa. Compramos os remédios em uma farmácia perto do hospital e quando saímos, Peter chama um táxi.
Eu peço a eles para irmos para casa e no caminho eu ligo para Christian. O comunico que não voltarei mais para a revista hoje e conto a ele parcialmente o que aconteceu. Ele não me questiona e não me pergunta mais nada quando digo que estou indisposta.
Andrew e Peter me deixam no meu apartamento e seguem para o deles.
Eu vou direto para o banheiro e tiro toda a minha roupa para tomar um banho de banheira. Olho o meu reflexo no espelho e percebo que meu corpo continua magro, apenas com as mesmas curvas de sempre.
Aliso o meu ventre plano e sorrio ao lembrar que Lorenzo estará comigo para sempre.
O pensamento me enche de paz e acho que agora sei como o Lorenzo se sentia ao me proteger com tanto afinco.
O mundo está desmoronando a minha volta, está tudo muito instável e eu não tenho certeza de absolutamente nada, mas tudo o que eu desejo agora é que esse ser humano microscópico que está em mim cresça e seja a pessoa mais feliz do mundo.
Eu vou me dedicar a protegê-lo assim como o seu pai fez comigo e nada, nem ninguém vai fazer m*l a ele.
Ao meu filho.
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