- Lorenzo narrando:
- Anna, quanto tempo. – exclamo surpreso e um sorriso surge nos meus lábios.
- Não é possível! – ela se joga nos meus braços e eu desço do banco alto do bar para retribuir seu abraço. Anna foi uma grande amiga na época da faculdade, ela e Klaus. A quem eu não vejo também a um pouco mais de 8 anos. – Você voltou? – pergunta surpresa e se afasta para me olhar.
- Por pouco tempo. – sorrio e tomo um gole do meu uísque.
- Não consigo acreditar, sério! – ela senta no banco ao meu lado e sua expressão ainda me mostra o quanto ela está, realmente, surpresa em me ver. – Fazem o que, uns 7 anos?
- Quase 8. – a corrijo.
- Uau! – sua boca se abre e ela olha para dentro do bar. – Você continua o mesmo, não mudou nada.
- Tirando a barba e algumas tatuagens a mais. – comento divertido. – Você continua muito bonita, Anna. Ainda tem todos os homens de Viena aos seus pés?
Anna sempre foi muito bonita e seu corpo, tipicamente europeu, apesar de não chamar muita atenção era extremamente sensual, eu diria quase s****l. Ela era uma mulher provocadora, quente, não tinha um cara na faculdade que não corria atrás dela. Eu era o amigo sortudo que transava com ela quando estávamos entediados ou quando alguém partia o coração dela. Sem cobranças e sem laços, apenas s**o.
Não sinto orgulho disso, mas ter s**o bom e consensual ao seu alcance não era r**m para nenhum dos dois.
- Ah, por favor. Já não sou mais aquela menina ingênua, Lorenzo. – ela me olha e chama o barman ao levantar o dedo indicador. – Amadurecer me ensinou a como lidar com os homens. Isso significa que não tenho s**o com frequência, mas meu coração sai ileso sempre.
- Parece um bom negócio. – pego um cigarro no maço e o acendo com o meu isqueiro.
- Desde quando você fuma? – Anna me questiona confusa. Eu solto a fumaça que traguei e o barman se aproxima por trás do balcão. – Um dry martini, por favor. – ela pede a ele e gira a cabeça na minha direção. – E então? – ela aponta para o cigarro entre os meus dedos.
- Desde quando precisei de alguma coisa como válvula de escape. – ela franze o cenho, mas não me pergunta porque precisei da válvula de escape. Eu a agradeço mentalmente.
- Me conta o que tem feito? No que você trabalha. – ela pede curiosa.
- Não tem muita coisa para dizer, Anna. – digo cansado. – Perdi meus pais quando voltei para a Sicília e virei policial.
- Policial? – ela exclama surpresa e balança a cabeça. – Então você não assumiu os negócios do seu pai?
- Eu já não assumiria de qualquer jeito. – digo sério.
Anna e Klaus sabiam da minha vida de uma forma bem resumida. Ninguém sabia que meu pai era consigliere da máfia e nem nunca saberão.
As vezes eu me sinto um ingrato figlio di puttana, porque era o dinheiro do meu pai que me proporcionava uma vida de luxo quando eu era mais novo, mas eu nunca tive orgulho da sua forma de ganhar a sua fortuna, apesar de amar o meu pai acima de qualquer coisa.
- Que loucura! – volto a olhar para ela e afasto os pensamentos sobre o meu pai. – E como virou policial?
- Uma longa história. – me limito a dizer e dou mais um trago no meu cigarro. – Talvez a admiração por armas e o gosto pela adrenalina tenham ajudado. – sorrio.
Não podia dizer a ela que minha decisão foi influenciada por um desejo insano de vingança. Uma vingança justa e honesta.
Ficamos durante horas sentados no bar, bebendo e conversando sobre como estava a nossa vida atualmente. Relembramos algumas coisas da época da faculdade também como o dia que o Klaus vomitou na monitora de sociologia porque estava de ressaca, a cara de nojo dela foi impagável.
Anna me contou que se casou aos 28 anos e que não deu certo, não durou nem 1 ano. Quando seu ex-marido bateu nela pela segunda vez, ela o denunciou e desde então vive sozinha e em paz, palavras dela. Eu me segurei para não perguntar o nome dele completo ou iria procurá-lo e mostrar a ele em quem ele deveria bater. Talvez encarando um homem do meu tamanho ele não se sentisse tão confiante. Covarde.
Ela me contou que trabalha como assessora de um grande político de Viena e dá aulas na mesma universidade em que nos formamos, também de ciências políticas. Além de bonita, Anna se tornou uma mulher inteligente e extremamente interessante. Nem parece aquela garota rebelde e pseudo-punk que conheci há uns anos.
Já estávamos no meio da madrugada quando percebo que Anna está embriagada demais e decido que é hora de irmos embora. Estou a pé, mesmo assim vou acompanhá-la até em casa, nem que seja de táxi. p**o a nossa conta e saímos juntos do bar.
Sinalizo para um táxi quando chegamos a calçada, com o outro braço eu amparo a Anna. Ela dá o seu endereço ao taxista, mas quando chegamos na porta da sua casa, grande e bonita por sinal, ela não acha as chaves dentro da bolsa.
- Verdammt – ela rosna em alemão. – Onde está essa m***a? – ela joga a cabeça para trás e a deixa no encosto do banco do carro. Fecha os seus olhos enquanto pragueja outras palavras em alemão.
Dou meu endereço ao taxista e ele volta todo o caminho, até parar na porta do meu prédio. Eu p**o a corrida e a ajudo subir as escadas.
- Isso é constrangedor. – ela diz embolado. – Como não sei onde enfiei minhas chaves, Lorenzo?
- Está tudo bem, Anna. Você pode ficar na minha cama, amanhã procuramos as chaves com calma. - digo calmamente quando entramos em casa. - Eu vou ficar no sofá.
Ela suspira cansada e eu mostro o quarto para ela.
Imediatamente ela se joga na cama e apaga. Tiro as botas de salto fino dos seus pés e a cubro com o cobertor.
Vou para a sala sozinho após fechar a porta do quarto atrás de mim. Anna está bêbada demais, provavelmente só acordará amanhã.
Tiro as coisas dos meus bolsos e a arma do cós da calça. Acendo um cigarro e me sento no sofá, esticando minhas pernas para o outro lado do sofá.
Pego o meu celular e vasculho atrás de algum sinal da Emma, mas não encontro mais nada. A última coisa dela no meu celular é aquela mensagem de voz. Escuto a mensagem mais três vezes, só para ouvir a voz dela.
Eu sei sou um, i****a, masoquista do c*****o.
Afasto o celular de mim quando a vontade de ouvir sua voz em tempo real se torna quase uma necessidade. Trago o meu cigarro e penso em Anna, deitada na minha cama. Seria tão mais fácil, afinal já nos conhecemos, conhecemos nossos corpos, nossos gostos... não seria como começar tudo de novo. Seria como voltar da onde paramos.
Mas não é a Anna que eu quero. Não é a Anna que meu corpo anseia. Não é pela Anna que minha mente grita.
É pela Emma, pela maldita mulher que me deixou.
- Emma narrando:
Olho para o calendário em cima da minha mesa... 14 de fevereiro, sexta-feira.
Faz 11 dias que voltei para NY. Todos esses malditos dias sem nenhuma notícia do Lorenzo.
Confesso que tem sido difícil para mim. A falta que ele me faz é paralisante, entorpece todos os meus sentidos. Já nem consigo mais disfarçar a falta que ele me faz ou a vontade de largar tudo e voltar para a Sicília.
Por que ainda não o fiz? Porque ele simplesmente já me deu provas suficientes de que não me quer mais.
Talvez já tenha até me esquecido ou arrumado outra para ocupar o meu lugar. Tenho tentado não pensar nisso, com todas as minhas forças.
Lançamos a edição de fevereiro na quarta-feira, só tem dois dias, e essa edição foi uma das mais vendidas da Indie. Tanto nas bancas, como na internet.
Eu deveria estar feliz... e estou, de verdade.
Mentira.
Estaria, se não fosse esse maldito buraco no meu peito que insiste em me embriagar com a dor. Acho que já até me acostumei com ele.
Há alguns dias Christian me contou que ele e Lauren, sua ex-noiva, voltaram. O que me deixou extremamente feliz, mas ao mesmo tempo completamente sozinha. Não posso exigir muito da atenção dele quando ele está namorando, é injusto com ele e principalmente com a Lauren, que sempre teve ciúmes de mim. Então decidi me afastar.
- Emma? – ouço a voz da Amy e olho para a porta da minha sala. – Estou indo almoçar, precisa de alguma coisa antes que eu vá?
- Não, Amy. Obrigada. – sorrio para ela e antes dela fechar a porta, ela se abre completamente.
- Ok! Vamos lá! Vou te levar para dar uma volta e comer alguma coisa. – Peter diz entrando na minha sala como um furação. – Anda, levanta! Não aguento mais ver você assim.
Andrew entra logo depois dele.
- Ele tem razão, Emma. – ele diz. – Você tem se alimentado muito m*l.
- Eu não estou com fome, Andrew. – digo sem emoção e giro minha poltrona em direção a vidraça da minha sala.
- Não perguntei se está com fome. – ele diz calmamente e gira minha poltrona de volta para a mesa com as suas mãos. – Eu disse que você precisa comer e que por isso vai se levantar e ir com a gente.
Suspiro exausta e me levanto. Não vai adiantar discutir, então cedo a eles. Pego meu sobretudo e minha bolsa, assim como o celular em cima da minha mesa.
- Podemos, pelo menos, ir ao Norma? – pergunto um pouco mais animada. – Dá para ir a pé e tem um sorvete de pistache maravilhoso na calçada.
- Aonde você quiser. - Andrew sorri. - Desde que você coma e se distraia um pouco.
Caminhamos pela terceira avenida até o Norma. Eu, Andrew e Peter. Um de cada lado do meu corpo. Quem vê de longe pensa que somos apenas mais um trio de amigos na grande rua movimentada, mas Andrew e Peter caminham sempre alerta. Sei que, por baixo dos óculos escuros, os olhos deles já varreram a rua inteira atrás de alguma coisa que possa me colocar em perigo.
Quando chegamos ao Norma eu peço o meu prato favorito, espaguete a carbonara e uma água com gás.
Enquanto esperamos a comida Peter nos conta animado como foi sua infância no Brooklyn e a grande ironia da vida que foi ele ter saído de lá para se tornar um agente do FBI.
Andrew dividiu com a gente sobre a disputa amigável pela guarda dos seus filhos com a Maggie e como ela tem se tornado mais flexível em relação aos horários para ele ver as crianças.
A companhia deles me anima um pouco e me faz esquecer do Lorenzo por algumas horas.
Me levanto para ir ao banheiro quando estamos prestes a ir embora, pois preciso fazer xixi antes de irmos para a Indie.
Me tranco em uma das cabines para fazer isso e quando saio meu coração parece querer despencar do peito.
FOGO.
Essa é a palavra escrita no espelho a minha frente, em letra garrafais e com um batom vermelho vivo.
Minha primeira reação é de desespero. A adrenalina age rápido no meu corpo. Acelerando o meu coração, secando a minha boca e fazendo minhas pernas fraquejarem.
Me seguro na porta da cabine quando sinto minhas pernas tremerem demais e uma garota entra no banheiro.
- Você viu quem escreveu isso? – pergunto a ela com a voz estremecida.
Ela olha para o espelho, pois aponto para ele, n**a com a cabeça e me encara franzindo o cenho. Deve achar que eu sou louca. Ela entra em uma das cabines e bate a porta com força.
Apoio as palmas das mãos no balcão da pia e encaro o meu reflexo no espelho. Meu rosto denuncia meu desespero. Estou ofegante e com os olhos arregalados, pisco minhas pálpebras com força algumas vezes, mas a palavra não some.
Pelo reflexo do espelho eu vejo a garota sair da cabine na qual entrou e abrir a torneira da pia para lavar as mãos.
Ela está alheia e cantarola alguma música que eu não conheço.
Ela não estava vendo o que está escrito bem a sua frente?
Esfrego meus dedos no espelho quando ela me deixa sozinha e ao olhar para eles estão machados de vermelho. Como sangue.
Saio do banheiro praticamente correndo e me dirijo a calçada, onde Andrew e Peter disseram que me esperariam.
Assim que passo pela porta do restaurante vejo eles no pequeno trailer de aço, escrito sorvete em cima. Peter, como sempre, já tem um na sua mão direita.
Começo a atravessar a calçada ao encontro deles, ainda muito nervosa e impressionada com o que eu vi no banheiro, mas esbarro em alguém no meio do caminho.
- Me desculpa. – peço e ergo o meu olhar. O homem a minha frente para e me encara. Ele tem cerca de 1.80 de altura, cabelos castanhos escuros, está de terno e tem os olhos acinzentados.
- Cuidado por onde anda, Emma. – ele diz com um sorriso malicioso nos lábios, se esquiva de mim e continua caminhando.
Eu tapo a minha boca com a mão esquerda quando o horror toma conta de mim. Eu tenho certeza de que nunca vi esse homem na minha vida, mas ele me chamou pelo nome. Como ele sabia o meu nome?
Andrew finalmente me vê, estamos a poucos metros de distância, e quando seus olhos encontram os meus eu vejo um alerta ligar em sua feição.
Ele caminha apressado até mim e pega a minha mão direita, a erguendo na altura dos seus olhos.
- Você se machucou? – pergunta alarmado olhando a tinta vermelha na minha mão.
- Eu estou enlouquecendo, Andrew. – digo pausadamente, sem conseguir respirar direito.
- Emma, o que houve? – ele não olha para mim, seus olhos varrem ao meu redor, provavelmente procurando pelo perigo ou o que me deixou nesse estado.
- Estou enlouquecendo. – sussurro fracamente.
Depois disso só sinto seus braços me amparando e a escuridão me tomando por completo.
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