Capítulo 2

3105 Words
Na segunda acordei super disposta, diferente de como me senti o domingo inteiro. No sábado a noite, depois que liguei para o Lorenzo, eu chorei até pegar no sonho. Domingo eu acordei com uma ressaca terrível do vinho. Algo cem vezes pior do que a dor de cabeça e o enjoo do avião. Christian não foi embora e passou o restante todo do final de semana comigo. Dessa vez eu nem precisei pedir, ele viu que eu realmente precisava de alguém comigo naquela hora. Ele pediu comida pelo Delivery, pois eu não deixei que ele saísse do meu apartamento para nada. Agora que ele estava perto de mim, ele também se tornaria um alvo para a máfia, se eles quisessem realmente me atingir. Na segunda de manhã bem cedo eu pedi a Peter que levasse o Christian em casa, ele também morava no Queens, a poucos minutos da minha casa. Quando me levanto da cama, me dirijo ao banheiro e tomo um banho rápido de chuveiro. Fevereiro é o ápice do inverno em NY. Em Manhattan, devido os imensos arranha-céus, a sensação térmica é ainda pior porque a corrente de ar que se forma entre os prédios é terrivelmente gelada. Me arrumo e coloco umas três camadas de roupa. Coloquei uma meia-calça grossa embaixo da minha calça flare branca, uma blusa social verde menta, um suéter marfim e meu sobretudo marrom claro. Quando eu chegar na revista tenho que tirar a metade dessas peças ou morro de calor com a calefação do prédio. Faço uma maquiagem simples, básica e deixo o cabelo solto. Ansiedade de voltar a minha revista me consome e logo o meu estômago começa a reclamar pelo meu nervoso, mas eu o ignoro. Não me sinto feliz e disposta assim há semanas. Quando chego a sala, Andrew e Peter já estão por lá. Encostados no balcão da cozinha, pelo lado da sala, discutindo sobre alguma coisa que eu garanto ser futebol americano. Não são nem 8 horas da manhã e eles já estão impecáveis em seus ternos perfeitamente esticados. Peter veste um terno preto com uma gravata da mesma cor e uma camisa branca por baixo. Andrew está com um terno azul marinho, camisa branca de botões por baixo e uma gravata estampada horrorosa e torta. - Bom dia! – os cumprimento assim que eles me veem. - Bom dia, Emma. – respondem em uníssono. - Não vai tomar café? – Andrew me questiona quando ele vê que estou ajeitando minha bolsa para sairmos. - Tomo na revista. Vocês já tomaram? – devolvo a pergunta. Eles se entreolham e já sei a resposta. – Tudo bem. Vamos passar na Dunkin Donuts no caminho. Peter vibra como uma criança com a notícia. Eu não resisto, caminho até o Andrew e ajeito a sua gravata. - Não tinha gravata para adultos nessa loja? – brinco. Andrew me olha sério e ergue uma das sobrancelhas. Peter explode em uma gargalhada escandalosa. - Canso de falar isso para ele. – Peter disse divertido. – Fica queimando o meu filme saindo desse jeito, mas Maggie só compra essas coisas terríveis para dar a ele de natal. - Quem é Maggie? – pergunto olhando para Andrew enquanto ainda refaço o nó em sua gravata. Estamos tão perto um do outro que consigo ver a profundidade dos seus olhos, mas não consigo distinguir se as suas íris são verdes ou azuis. Andrew é mais alto do que eu, como a maioria das pessoas no mundo, mas não tão alto quanto o Lorenzo. - A mulher dele. – Peter quem me responde. - Minha ex-mulher. – Andrew o corrige ainda olhando em meus olhos. – E não é ela quem me dá essas coisas, são as crianças. - Você tem filhos? – pergunto surpresa quando me afasto após terminar o nó da gravata. - Dois. Henry de 10 anos e Melissa de 6. – ele sacode os ombros suavemente e seus lábios fazem uma curva quase imperceptível para baixo. Andrew parece triste ao falar dos próprios filhos. - Onde estão os seus filhos agora? – pergunto com cautela e olho para Peter. - Maggie tem agido como uma... bruxa, é isso. – ele responde e Andrew o repreende. – Mas é verdade, parceiro. A mulher te traiu e ainda acha que tem direito sobre as crianças. – Peter parece estar indignado com a tal Maggie, ele quase esbraveja e mexe o corpo inquieto enquanto fala dela. - Não quero falar sobre isso. – Andrew diz sério. Sua expressão lembra uma carranca. Ele nos deixa perto do balcão da cozinha e sai do meu apartamento. - Não liga para ele. – Peter diz. – Ele descobriu a traição dela depois do natal, ainda está de luto porque a ama. – ele revira os olhos e desencosta do balcão. – Vamos, estou doido por umas rosquinhas de chocolate. Andrew já nos espera dentro do carro, no banco do motorista. Sua feição está um pouco melhor do que antes, mas ele ainda está sério e ficou calado durante todo o caminho. Inclusive durante o nosso café-da-manhã no Dunkin. O trajeto até a revista demora mais do que o previsto devido o trânsito tradicional na ponte Robert F. Kennedy. Se você vier a Nova York e não pegar trânsito para entrar em Manhattan, então você não veio a NY direito. Quando Andrew estaciona na garagem do prédio meu coração já bate completamente fora do ritmo dentro do meu peito. Minhas mãos estão suando e minha respiração entrecortada. Ansiedade... é ela quem comanda o meu corpo agora. Cada célula do meu corpo ansiou por esse nível de estresse somente para poder voltar a fazer o que gostamos. Trabalhar na minha revista, que é um filho para mim. - Está tudo bem? – ouço a voz do Andrew e o olho. Acabamos de entrar no elevador e em apenas 4 andares chegaremos na Indie. - Só nervosa. – respondo com a voz tremida. – Espero por isso há alguns dias. – forço um sorriso, mas pelo nervosismo, tenho certeza que saiu uma careta.  - Vai dar tudo certo. – ele sussurra e toca o meu braço. – E você está segura aqui. Assinto e desvio os meus olhos dos dele. Sua intensidade me incomoda. Quando a porta do elevador se abre no segundo andar da Indie eu vejo todos, sem exceção, os meus funcionários parados em frente ao elevador. Tem faixas e balões coloridos pendurados no teto. Todos eles direcionados a mim e escrito coisas relacionadas a boas-vindas. Meus olhos se enchem de lágrimas enquanto caminho até eles e puxo um por um para um abraço, os agradecendo individualmente pelo carinho comigo. Christian é o que tem o sorriso mais largo. Parado na ponta esquerda do corredor de pessoas, ele foi o último que cumprimentei. Na sua mão direita tem uma revista nossa e quando ele a ergue, eu vejo que é o exemplar de janeiro. O único em toda a história da minha revista que eu não participei da produção. Olho para a capa e vejo uma modelo plus size, linda e completamente a vontade na frente da câmera. Ela está com uma maquiagem iluminando o seu rosto e seu corpo de perfil. Veste apenas um camisão de botões jeans, deixando a lateral do seu corpo perfeito a mostra, tapando só o necessário com a camisa. Leio, rapidamente, os tópicos com letras menores no canto da capa. Love-se: Assuma seu corpo, seu rosto e sua idade. Liberte-se: Menos tendências, mais estilo e atitude na moda. Enxugo meu rosto quando lágrimas se desprendem dos meus olhos e não me importo de ser vista assim por mais de 30 pessoas. Aliso a capa com carinho e quando ergo o meu rosto, vejo todos os outros a minha frente, emocionados também. - Eu não tenho palavras para agradecer a vocês por um trabalho tão perfeito. – digo com a voz embargada. – Não sabem como eu desejei estar aqui com vocês, mas vocês fizeram um trabalho incrível! Obrigada por cuidarem de tudo tão bem. Christian segura a minha mão e a aperta suavemente, me dando segurança e me impedindo de desabar. Alguns me cumprimentam de novo antes de voltarem as suas mesas e eu nunca vou esquecer tanto carinho e o amor que eu recebi de pessoas que não precisam, necessariamente, me amar. Eu nunca duvidei que a Indie é uma grande família, mas hoje eu tive certeza disso. Caminho com Christian, Amy, Andrew e Peter até a minha sala. Amy me abraça mais uma vez, emocionada, e me diz pela terceira vez Bem-vinda de volta, Emma. - Nós vamos ficar por aqui. – Andrew anuncia quando chegamos a mesa da Amy, enquanto Peter já se jogava no sofá de couro branco ao lado da minha porta. Entro na minha sala com o Christian e além de estar do jeito que eu deixei, ela está limpa e perfumada. Tem flores para todos os lados. Rosas brancas e lírios, as minhas preferidas. - Obrigada, Christian. – o abraço quando as lágrimas ameaçam a voltar aos meus olhos e ele retribui. - Eu não sei o que aconteceu com você na Itália e prometi não te perguntar sobre isso. – ele começa. – Mas eu queria que você sentisse o quanto te amamos por aqui e o quanto você é importante para nós, não só para a Indie. Olho ao redor do grande cômodo da minha sala, clinicamente todo branco, tudo escolhido por mim e sinto um aperto forte no meu peito. Apesar de todo o carinho que recebi não estou completa. A Indie não é a Indie sem a Reese e eu não sou mais a mesma sem o Lorenzo. Até quando esse buraco no meu peito vai ameaçar me sufocar? Essa percepção é assustadora. Admitir que Lorenzo ficou com um pedaço de mim é aterrorizante, porque se eu nunca mais vê-lo não conseguirei me sentir completa novamente. Caminho em direção a minha poltrona e me sento, giro suavemente de um lado para o outro e sem saber o que fazer reorganizo, timidamente, algumas coisas em cima da mesa branca e laqueada a minha frente. - Quer conversar? – Christian pergunta com carinho. Eu olho para ele e balanço a cabeça em negativa. Prendo o lábio inferior entre os dentes com medo de voltar a chorar na sua frente. – Sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabe? - Obrigada. – agradeço com a voz embargada. - Vou ver se podemos começar a reunião. – assinto e ele deixa a minha sala. Me levanto, tiro o sobretudo, o suéter e pego minha bolsa em cima da mesa. Procuro pelo meu celular e ao encontrá-lo vejo que tem apenas uma chamada não atendida da minha mãe. Nada do Lorenzo. Absolutamente nada. Nem uma mensagem de texto ou de voz. Nenhuma tentativa de contato comigo da parte dele, mesmo que eu tenha tentando contato com ele durante todo o final de semana. É quando eu finalmente entendo. Ele não quer falar comigo, a realidade é essa. Ele com certeza viu as minhas mensagens e as dezenas de ligações nas suas notificações. Se não retornou foi porque não quis e essa realidade nova é tão dolorosa para mim quanto foi ter que deixá-lo na Sicília. Sempre me esforcei muito para não me envolver com ninguém, justamente por causa disso. Dor, culpa, traição, despedidas... O amor não é um sentimento solitário. Ele é um compilado de sentimentos, que dependendo do caminho que você tomar, pode ser a sua ruína. Sem contar a química cerebral do amor. Hormônios e sensações maravilhosas quando se está no auge da paixão, mas quando você se decepciona os hormônios liberados são feitos para detonar o seu sistema, mais ainda. Como se já não bastasse seu coração estar no fundo do poço, seu cérebro decide que é hora de f***r o corpo inteiro. Retorno a ligação para a minha mãe, mas é a Reese quem atende. - Emma! – sua voz soa animada e isso é muito bom. - Oi, Reese. Cadê a minha mãe? - Ela foi ao mercado. – diz simplesmente. - Sozinha? – questiono preocupada. – Alguém foi com ela? - Fica calma, Emma. Tem policiais aqui o dia todo, mas a sua mãe nem imagina. – ela ri enquanto me tranquiliza. - Estou na revista. – digo realizada. - Que maravilha! – ela exclama. – Como estão todos aí? - Curiosos. – rio. – Querendo saber o que aconteceu comigo e porque você não voltou. - Um monte de fofoqueiros, isso sim. – ela ri. - Você viu a revista de janeiro? – pergunto a ela e olho a revista em cima da minha mesa. - Vi na internet. – ela diz. – Ficou linda, não é? – sua voz soa quase infantil. - Maravilhosa. – digo satisfeita. – Eu já sabia que eles eram bons, mesmo assim me surpreendi. Batidas suaves são dadas na minha porta e eu peço que entre. - Emma, a reunião começará em 15 minutos. – Amy me avisa colocando só a cabeça dentro da minha sala. - Obrigada, Amy. – ela fecha a porta e eu estou sozinha de novo. – Vamos ter uma reunião agora. – aviso a Reese. - Não vai perguntar pelo Lorenzo dessa vez? – indaga com cautela. - Lorenzo não quer saber de mim, Reese. Acho que preciso parar de querer saber dele também. – digo triste. – Você tinha razão... para que me torturar a esse ponto, não é mesmo? - Eu sinto muito, Emma. – sua voz está tão triste quanto a minha. - Peça para a minha mãe me ligar quando chegar, tudo bem? – me despeço da Reese e desligo a ligação. Confiro meu estado no espelho do banheiro e deixo a sala em direção a sala de reuniões. Os balões e toda a decoração de boas-vindas, que estavam na recepção, agora estão na sala de reuniões. Tem também uma mesa enorme de café-da-manhã, mas só de olhar meu estômago embrulha. Depois da confraternização e de cumprimentar uma dúzia de pessoas, finalmente começamos a reunião. Convido Amy para se sentar no lugar que sempre foi da Reese, do meu lado direito, e Christian se senta no meu lado esquerdo. - Gostaríamos de te mostrar o que pensamos para a edição desse mês, Emma. – Christian diz e Amy me entrega o esboço da capa. Na foto está um rapaz n***o, alto e magro, mas com o corpo bem definido e uma mulher asiática. Dá para ver de longe a química entre eles, o que me leva a crer que são um casal. - Adam teve a ideia de falarmos sobre relacionamentos inter-raciais. Com vários depoimentos de todos os tipos de casais. - Amy explica. - Isso é incrível! – digo animada e assinto veementemente. – Essa capa está linda! As fotos são suas? – pergunto a Lucca. - Não, mas a ideia foi. – ele sorri. – Quem tirou foi um amigo meu, que é fotógrafo. Olho minuciosamente cada fotografia em minhas mãos. É claro que os modelos ajudam, mas as fotos são sensacionais. - Quero ele na nossa equipe, Lucca. – afirmo e me viro para Christian. – Não temos um fotógrafo só nosso, temos? – ele n**a com a cabeça e um sorriso bonito enfeita o seu rosto. - Então veja se o seu amigo quer o emprego, Lucca. Faço questão. – ele assente animado e Vivian se levanta. - Em relação a moda... – ela caminha até mim e me entrega seu esboço. – Eu pensei em publicarmos sobre a moda boyfriend. Isso virou uma febre. - E o que é exatamente? – pergunto confusa e olho as fotos que Vivian me entregou. - É basicamente uma tendência onde as mulheres usam roupas mais largas, confortáveis. Em alguns casos, literalmente, roupas masculinas... na maioria dos casos do próprio namorado. - Por isso boyfriend... – concluo. - Exatamente! – Vivian diz satisfeita. Imediatamente a minha mente projeta as vezes que usei as roupas do Lorenzo. Na maioria das vezes suas blusas sociais, usadas. Eu gostava das usadas, com o cheiro peculiar da sua pele, do seu perfume. Me lembro perfeitamente do dia que cheguei a sua casa, quando ele estava na academia e dos seus dedos desfazendo cada botão da sua blusa preta que eu vestia. - Emma? – Christian me chama com cautela e toca o meu braço. - Uhn? – o encaro confusa, só depois que desvio os meus olhos para ele é que percebo que eu encarava o vidro da mesa fixamente. - E então... o que acha? – ele me questiona. - Achei sensacional. – olho para Vivian e depois para Cintia. – Escolha para mim as fontes e os Layouts, por favor. Confio em você. – ela sorri e assente. Me levanto com o m*l estar repentino que eu senti e todos me olham confusos. - Me desculpem, eu não me sinto bem. – olho para o Christian e seguro o seu ombro para mantê-lo sentado, quando ele ameaça se levantar. – Por favor, continuem sem mim. Eu saio apressada da sala e assim que entro na minha sala corro até o banheiro e despejo todo o meu café-da-manhã na louça fria do vaso sanitário. Quando meu estômago termina de me castigar eu vou até a pia e escovo os meus dentes. Enquanto faço isso percebo que passei m*l sem motivo, dessa vez eu nem estava nervosa e minha gastrite só ataca quando o nível de estresse se tornava insuportável para mim. - Você está bem? – ouço a voz da Amy antes dela entrar no banheiro. Cuspo a espuma na pia e enxáguo a minha boca antes de deixar o banheiro. – Você está pálida, Emma! Ela me segura pelo braço e caminha comigo até a minha poltrona. - Preciso que marque uma consulta para mim. – peço a ela. – Um gastroenterologista ou um clínico, qual estiver disponível com a data mais próxima, por favor. - Devo me preocupar? – sua testa faz um pequeno vinco de preocupação e seguro a sua mão para tranquilizá-la. - Eu estou bem. – garanto a ela. – Pode chamar o Andrew para mim? Acho que quero ir para casa. Amy sai da minha sala sem questionar nada e os agentes também não me interrogam com seus porquês. Desejei tanto esse dia, o dia que poderia voltar a trabalhar, participar das reuniões e das escolhas da revista... e agora que estou aqui, tudo o que eu quero é ir para casa. - x -
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