Entre Livros e Solidão

1654 Words
19 anos, 11 meses e vinte nove dias depois... Lembro-me como se fosse ontem, saí da igreja e caminhei calmamente em direção à biblioteca, mais uma vez nesta semana fui em busca de um livro de romance, assim que passei pelas portas da biblioteca minha amiga sussurrou pra mim diretamente do balcão. — Você não vai acreditar! - Sussurrou Marta enquanto tentava conter a própria empolgação. Marta era um pouco gordinha, tinha cabelos cacheados que sempre estavam presos e arrepiados, costumava usar roupas largas e as vezes até mesmo masculinas, ela usava óculos redondo que parecia não precisar muito. — Não faça suspense Marta. - Disse tentando ser breve. — Chegou a coleção de crepúsculo, inteira, desde crepúsculo até sol da meia noite, também tem aquele livro que a filha da protagonista está adulta e... — Se eu fosse você, cessaria com a conversa fiada e iria arrumar a estante de poesia, Marta. - Falou Jennifer. Jennifer era uma mulher de quarenta e cinco anos, era uma das mais velhas da vila, para ser sincera a nossa vila é completamente estranha, todos me olham torto como se eu fosse uma praga e a pessoa mais velha tem 49 anos de idade. Marta havia recebido a biblioteca de herança de sua avó, mas em um incêndio a maioria dos exemplares de livros acabaram queimados. — Obrigada pela informação Marta, mas é melhor você ir, eu só vim te dar um oi, e ver se você estava bem, de qualquer forma tenho que voltar para a igreja, eu sou vigiada dia e noite pelas freiras, como se eu fosse uma prisioneira. — Você sabe que eles apenas cuidam de você, quer dizer você é órfã de mãe e nunca conheceram seu pai... - Marta pegou um pano e um livro embaixo do balcão, logo colocou em cima do mesmo, era crepúsculo. Dei um sorriso tênue, segurei o livro e fui para a igreja novamente. Igreja era como chamávamos o convento da nossa vila, pois tinha realmente uma igreja que cresceu para ganhar quartos e outras áreas. dizem que saqueadores queimaram as casas e a igreja serviu como abrigo e orfanato. Enquanto andava pela vila as pessoas procuravam estar afastadas de mim, eu já estava acostumada com isso, até porque são dezenove anos com tal coisa acontecendo. Logo cheguei a frente da igreja e respirei fundo, estava na hora de voltar para dentro do convento ao qual eu não havia escolhido entrar. Ao adentrar o convento novamente, segurei o livro perto do corpo e andei rapidamente para o quarto, quando lá cheguei caminhei até minha cama e olhei em volta para ver se estava vazio. O quarto tinha piso todo de mármore, as paredes tinham tinta branca desbotada, naquele quarto em específico tinham cerca de dez camas, cada cama tinha um pequeno armário ao lado, todos com três vestidos, dois calçados e roupas íntimas suficientes para uma semana, deveríamos lavar nossas roupas a cada dois dias, era uma das regras do convento mas, pessoas como eu que gostavam de usar dois vestidos em um único dia costumávamos lavar todos os dias. Ao lado da cama, na frente do pequeno armário que ficava encostado a parede, havia um pequeno tapete para que não colocássemos os pés no chão descalço, pois o demônio poderia puxar nosso pé. Depois de alguns minutos contatando o óbvio, vi que não tinha realmente ninguém no quarto, me ajoelhei e movi a pequena cômoda com rodinhas ao lado de minha cama para colocar o livro em meu esconderijo secreto, era pequeno e não cabia muita coisa, mas ficavam apenas coisas importantes pra mim. Levantei o piso do chão e guardei o livro junto ao meu diário, após isso coloquei o piso no lugar novamente e arrastei a cômoda com rodinhas novamente, quando terminei me assustei com uma freira entrando. — Você perdeu a reza de meio dia! - Afirmou ela com o rosto sério. — Fui a procura de marta para chamá-la e acabei me atrasando. — Mentirosa, estava a procura das obras de satanás, bem que sabíamos que você não daria boa coisa. Quem é o garoto, sua meretriz? - Rosnou ela. — Garoto? que? não! - Eu dei um suspiro me sentando na cama. — É até engraçado você pensar isso de mim, se colocarmos na ponta do lápis que ninguém da vila se aproxima de mim, a não ser minha melhor amiga. É como se eu estivesse com algo contagioso, as pessoas passam por mim, me encaram mas não dão bom dia, olham pra mim mas não me vêem, e eu nem sei o que fiz pra isso acontecer. Não é culpa minha eu ter nascido, nem minha de meu pai ter sumido, ou de minha mãe ter morrido, a verdade é que me sinto sozinha, porque até mesmo aqui neste convento todo mundo me olha torto, tem ódio de mim, e eu não sei o que eu fiz para merecer isso. - Não aguentei mais segurar, e acabei chorando, o semblante da freira caiu mas ela forçou um leve sorriso, seus olhos tiveram um leve brilho de lágrimas e seu sorriso forçado tremeu. — Tente não se atrasar para a missa das 18:00, está bem? - Eu a observei se afastar, foi a primeira vez que vi no olhar daquela freira algo além de "estar a frente de uma órfã". Na manhã seguinte eu completaria Vinte anos, não estava animada, mas eu poderia ficar o tempo inteiro na cama como todas ficam, uma tentativa de dizer que nos presenteiam. — Uhum, Eu estarei lá... - Afirmei sem muito ânimo, apenas para vê-la me olhar como se eu fosse uma criança. — Não comeu nada até agora, as merendeiras disseram que não te viram desde a noite passada, faça o favor de descer e comer, não queremos o demônio sugando suas forças. - Disse a freira se retirando do quarto. Eu fiquei alguns segundos tentando entender qual a relação do serviço das trevas com a pouca de energia pela falta de alimento, aqui neste convento estava acostumada a ouvir demônio isso, demônio aquilo, Para ser sincera se elas soubessem que o tinhoso não faz metade das coisas que elas dizem ficariam chocadas ao perceber que elas o estão chamando ao invés de o afastar. Me levantei e caminhei em direção ao espelho, meus cabelos cacheados estavam um pouco ressecados o castanho escuro estava sem brilho e desgrenhado, meu vestido longo que tinha caimento até a canela era branco, um tom sóbrio. Usava um sapato social feminino preto que não era tão confortável assim, causava calos nos pés mas, truques de mulher sempre eram bem vindos: absorventes dentro do tênis para deixar macio e talco para evitar chulé. Meus olhos castanhos esverdeados estavam com leves olheiras, eu suspirei e caminhei em direção a saída do quarto, a verdade é que a muito tempo não dormia muito bem. Caminhei pelos corredor indo em direção ao refeitório que ficava no andar inferior. No meio do corredor acabei topando com Marina, uma garota metida, para ser sincera ela me enjoava. Marina tinha um par de olhos castanho claro, cabelos ondulados e hidratados mesmo que recebermos um shampoo barato por mês. Ela tinha por volta de 1.70 de altura e se achava a melhor só porque conseguia cantar no tom. — Olha só quem está aqui, a faltosa. - zombou ela rindo. — Não quero confusão Marina, só me deixa passar. Tentei desviar dela, mas ela colocou o pé na frente me fazendo cair e sujar minha roupa de poeira. — Ops, que desastrada. - Disse ela rindo enquanto continuava o caminho dela. — Metida dos infernos. - eu resmunguei enquanto levantava e batia a mão em minhas roupas para tirar a poeira. — Um dia ainda vou fazer com que ela engula aquele sorrisinho patético. - Eu rosnei enquanto seguia meu caminho indignada. Ao chegar no refeitório pego uma das bandejas e me aproximo do balcão, elas já estavam tampando tudo para guardar, mas ao me ver irmã Izabel colocou para mim um prato com o que havia sobrado de alimento. irmã Izabel era uma senhora de quarenta anos de idade, era uma das pessoas mais simpáticas que conheci, tinha uma pele afrodescendente que em minha opinião era muito bonita, cabelos afro que davam um charme a ela, usava um colar fino de ouro com uma cruz e só o que sabíamos sobre ela é que foi criada aqui dentro do orfanato. —Minha querida, mais alguns segundos e ficaria sem comer, da próxima vez venha mais cedo para que não fique com fome! - Disse ela colocando almoço pra mim. — Me desculpe irmã Izabel, acabei me atrasando. — Sem problemas, hoje sobrou até sobremesa, e como você é a última de hoje ganha dose extra de doce de leite! - irmã Izabel piscou pra mim. — Oba! - disse só ver ela colocar um copinho extra pra mim. Costumávamos comer doce de leite em um copinho de gelatina, doce de leite era meu doce favorito. me sentei em uma das mesas, rezei agradecendo pelo almoço e então comecei a me alimentar. Às 18:00, como prometido, fomos para a missa de nosso amado orfanato-convento, rezamos, cantamos vários louvores e algumas de nós foram jantar, mas eu estava sem fome e fui para o quarto me deitar, assim que as jovens que estavam almoçando terminaram de comer, vieram para o quarto. Às 20:00 todas apagaram as luzes e eu esperei que todas estivessem dormindo para em silêncio levantar e usar a rodinha para arrastar minha cômoda em silêncio. Tirei o piso e liguei uma lanterna na intensidade mais baixa para que a luz não acordasse ninguém, peguei meu diário e o livro "crepúsculo" para ler, me enfiei em baixo das cobertas e abri o mesmo para ler. As horas se passaram rapidamente e quando me dei conta, acabei dormindo com o livro ao meu lado.
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