CAPÍTULO DOIS
AURORA JOHNSON
Despedi-me de todos antes de sair de casa para o trabalho. Dei um abraço forte nos meus pais e disse a eles que tudo ficaria bem. Durante o café da manhã, meu irmão não falou quase nada, estava pensativo demais e sei que estava com medo de ir para a cadeia.
A sorte do meu irmão é que, como ele é réu primário, pode responder em liberdade, mas ainda assim corre um grande risco de ser preso injustamente.
Saí de casa e andei cerca de dez minutos até a lanchonete do senhor Wilson. Ao chegar, cumprimentei a todos e fui até os fundos da lanchonete para trocar de roupa; tirei meu vestido estampado, coloquei o uniforme rosado com o avental branco e já comecei a fazer o que sempre fazia. Atendi os clientes, indo de mesa em mesa, abrindo um sorriso falso para todos e assim segui até o meu horário de saída, sem parar. Passei o dia praticamente sem comer, somente beliscando algumas coisas. O senhor Wilson é um velho barrigudo, rabugento e muito exigente, não gosta de moleza e, se pararmos um minuto, ele já quer descontar do nosso salário. Agora, o que menos quero é isso.
Algumas pessoas achavam estranho a namorada do filho do prefeito trabalhar em um local como aquele, mas acontece que sempre gostei de trabalhar e, mesmo namorando alguém rico, eu nunca deixei Gustavo me sustentar. Por incrível que pareça, Gustavo entendia, mas isso não importa mais.
E, por falar nele, hoje de manhã, quando acordei, percebi que o lado do meu olho esquerdo tinha um corte devido às agressões de Gustavo ontem à noite. Meu braço também ficou com uma marca roxa; felizmente consegui esconder o corte com o meu cabelo castanho e comprido.
Sei que estou cometendo um erro não contando aos meus pais, mas neste momento, eles não precisam de mais problemas. Meu pai o mataria se soubesse das agressões e não precisamos de mais um Johnson com risco de ir para a cadeia.
Consegui sair do trabalho mais cedo e, como o trabalho do meu pai fica próximo à lanchonete, decidi dar uma passada lá para ver se ele já estava liberado para sair. Muitas vezes faço isso, e esse era o único tempo que tinha sozinha com ele; gosto muito de conversar com o meu pai.
Cheguei na empresa e entrei; como sempre, todos no hall me olharam como se eu fosse um ET. Com certeza, pelo fato de eu estar despenteada e com uma roupa nada elegante para eles, mas eu simplesmente ignoro. Mais uma vez olhei admirada a minha volta; é tudo tão bonito e a cada vez que volto aqui parece maior e com mais luxo.
Parei de babar no hall da empresa e, quando cheguei próximo à recepção, Valéria me viu e abriu um sorriso muito grande.
— Aurora! Há quanto tempo! — Valéria é uma mulher de quarenta anos, muito simpática e bonita que se tornou uma espécie de amiga. Ela é uma morena de olhos castanho-escuros, cabelo encaracolado e longo, e tem um corpinho que daria inveja em muitas jovens.
— Eu sei, faz duas semanas que não venho aqui, mas é que o trabalho tem ocupado muito o meu tempo.
— Eu entendo e... — Ela parou de falar quando fixou seus olhos bem atrás de mim; virei-me lentamente para ver o que era e quase caí para trás.
Uau!
Fixei os meus olhos na figura que atravessava o hall e vinha em minha direção. Ele também fez o mesmo, prendendo completamente a minha atenção.
Quando chegou perto de mim, desviou o olhar e, com uma voz grossa e rouca, disse:
— Valéria, você pegou os documentos com Lídia, como eu havia pedido?
— Sim... Eu... Eu achava que mandaria alguém vir buscar. — Ela entregou rapidamente os tais documentos a ele.
— Se eles não fossem tão importantes, eu não teria vindo pessoalmente buscar. — Engoli em seco quando ele me encarou com aqueles lindos e hipnotizantes olhos azuis, uma tonalidade de azul tão intensa e tão clara que poderia até transmitir uma certa inocência, mas seu rosto mostrava completamente o contrário.
Uma placa escrito, PERIGO!
Ele trajava um terno cinza que moldava perfeitamente seus músculos e é bem alto, observei seu rosto mais um pouco e fiquei ainda mais surpresa por constatar que ele não é só lindo, ele é um Deus Grego! Queixo quadrado, lábios carnudos, barba um pouco grande, mas aparada, cabelo castanho-escuro curto, penteado para trás, a pele dele tem um leve tom de bronzeado que parece até natural, é incrível.
Pare de olhar para um desconhecido assim, ele vai achar que você é louca! — Me reprimi mentalmente.
— Claro, senhor.
— Quem é você? — Arregalei os meus olhos.
— Eu... Eu... Eu. — Droga! Nunca gaguejei tanto na minha vida.
— Ela é filha do contador da empresa, o senhor Johnson. —Valéria disse e eu a agradeci mentalmente.
— Não sabia que ele tinha filha, estou surpreso, ele parece tão anti-social que pensei que nem esposa tinha. — Ele me encarou por alguns segundos. — Bom, preciso ir.
— Senhor! O senhor Johnson queria muito falar com o senhor hoje, mas como não veio à empresa...
— Marque para amanhã, agora não tenho tempo, tenho coisa melhor para fazer. — Ele se virou para sair e por impulso eu disse:
— O senhor já está aqui, não custa nada falar com ele. — Valéria me olhou como se eu tivesse dito algo terrível.
— O quê? — Seu tom de voz era baixo e ameaçador.
— É... O que o meu pai tem para dizer... É muito importante. — Ele ergueu uma sobrancelha e com ar de deboche disse:
— Todos têm algo importante para me dizer, mas eu não tenho tempo para todos, ele é precioso para perder com gente que não significa nada para mim. — Já não gostei dele.
— Desculpe, "Senhor eu não tenho tempo para todo mundo". O que custa só ouvir o que meu pai tem a dizer? — Pude ver claramente a raiva em seus olhos.
— Escuta aqui, menina. Quem você pensa que é para vir na minha empresa e falar assim comigo? — Engoli em seco e fiz o possível para não parecer que ele me intimidava.
— Senhor Del Frari... Desculpe a Aurora... É... É que ela está...
— Está de saída. — Disse ele, interrompendo Valéria.
— Certo, eu saio, mas fique sabendo que o senhor é um arrogante e sem educação. — Saí o mais rápido possível de lá antes que ele dissesse alguma coisa, ou me jogasse para fora a ponta pés.
Que homem mais i****a!
MATTEO DEL FRARI
— Valéria, quero a entrada dessa mulher na minha empresa proibida!
— Claro, senhor. — Sem dizer nada, saí da empresa sentindo uma raiva muito grande.
Quem essa mulher acha que é para falar com Matteo Del Frari dessa forma?
Edgar, meu motorista, deu partida no carro assim que entrei. Quase quebrei a porta. Ele perguntou se havia acontecido algo, e eu respondi que era somente estresse do trabalho.
No caminho do restaurante para encontrar meu amigo e sócio, Marco, pensei naquela maldita menina. A aparência dela me chamou muito a atenção, assim que a vi; confesso que fiquei surpreso por se parecer tanto com Valentina, mas ainda assim, ela tem a sua própria beleza.
Por mais petulante que tenha sido, isso não apagou a beleza dela, muito pelo contrário, ver a fúria em seus olhos acinzentados quando eu disse que não iria falar com seu pai foi... Excitante!
— Edgar, ligue para Lídia. — Rapidamente ele discou o número dela e colocou o celular conectado ao bluetooth do carro. Lídia é minha secretária.
— Senhor. — Ela atendeu.
— Contate Damien e peça para ele encontrar algumas informações sobre uma pessoa.
— Sim, qual o nome?
— Aurora Johnson, ela é filha do contador da empresa.
AURORA JOHNSON
— Essa marca no seu rosto foi o desgraçado do Gustavo, não foi? — Rubens perguntou.
Estávamos no meu quarto. Eu contei a ele sobre o que ouvi da conversa dos nossos pais e nós dois estávamos tentando encontrar algum jeito de ajudá-los.
— Sim. — Vi ele apertar com força seus punhos.
— Eu mato esse desgraçado. — Disse alto.
— Nem pense em fazer nada, você já está com problemas demais por causa dele.
— Eu sei, Aurora, mas você é minha irmã! Não posso permitir que esse cara faça isso com você, não de novo. — Ele me olhou com seus tristes olhos verdes.
— Sei como é difícil toda essa situação, mas temos que tentar fazer o máximo possível para resolver, começando por evitar mais problemas. — Rubens bufou.
— Está bem, mas assim que eu sair dessa e a nossa família estiver com tudo nos eixos de novo, vou socar a cara daquele i*****l até desfigurá-lo.— Dei-lhe um sorriso fraco.
— Mudando de assunto, acho que o papai não vai conseguir um empréstimo com o chefe dele, não depois do que eu fiz. — Meu irmão me olhou confuso.
— Como assim?
— Antes de vir para casa eu passei no trabalho do papai, como faço sempre.
— E? — Me incentivou a prosseguir.
— Acontece que acabei encontrando esse tal de Del Frari e não fui muito educada com ele.
— E por que não foi?
— Não consegui me segurar... ele tinha ido à empresa buscar alguns papéis e depois ia embora, mas Valéria disse que o papai queria falar com ele, que disse não poder porque tinha coisa melhor para fazer. Eu não aguentei e disse que não custava nada ouvir meu pai. A questão é que ele não gostou disso e ficou furioso quando eu disse "Escuta aqui, Senhor eu não tenho tempo para todo mundo". Me mandou sair da empresa dele e eu, antes disso, o chamei de arrogante e sem educação. Aposto que por isso ele não vai querer ouvir o papai e muito menos emprestar algum dinheiro. — Me joguei na cama.
— Bom, concordo que talvez isso possa causar a negação do empréstimo ou até mesmo a oportunidade de o papai falar com ele, mas acha mesmo que, se ele conseguisse, o Del Frari emprestaria cinquenta mil dólares a um simples contador?
— Não é impossível, talvez ele fosse levar em conta os doze anos de trabalho do papai. Ele praticamente está ali desde quando a DEL FRARI foi fundada.
— Acorda, maninha. Estamos falando de Matteo Del Frari, um homem muito temido não só em Dallas, mas também em todo o Texas. As pessoas têm medo dele. — Rubens tem razão, quando Valéria o viu entrar por aquela porta, o que vi em seus olhos não foi respeito, admiração e nem mesmo segundas intenções, eu vi medo!
— Não entendo o porquê de as pessoas terem tanto medo dele.— Não senti medo; óbvio que ele é intimidante, mas não me deu medo, muito pelo contrário. Matteo Del Frari me fez sentir raiva ao ouvi-lo falar daquele jeito não só comigo, mas com Valéria também, que a propósito é mais velha que ele, pelo que vi. Ele deveria tratá-la com um pouco de respeito.
— A falta de informação é que causa medo. — Agora é minha vez de olhar confusa para meu irmão.
— Como assim, Rubens?
— Se você pesquisar sobre ele não vai achar muita coisa, o cara é um verdadeiro mistério. Tem muito repórter que daria um rim para saber mais sobre ele. Nem mesmo o papai, que trabalha naquela empresa desde que foi fundada, sabe de mais coisas.
— Não acho que isso seja motivo para ter medo dele.
— Devemos temer aquilo que não conhecemos, Aurora.
— Posso até entender a parte do "temido", mas por que ter medo? O que ele fez para as pessoas terem medo dele?
— Por que uma das poucas informações que a mídia tem dele é que ele já matou alguém. — Arregalei os meus olhos.
— O quê? Mas, isso é grave! Ele não foi preso por isso?
— Ninguém sabe.
— Quem ele matou?
— Ninguém sabe também.
— E se isso for invenção? Sabe como a mídia adora aumentar ou inventar as coisas.
— Prefiro não arriscar, sei que a mídia pode estar mentindo em relação a isso, mas por que eles iriam inventar algo tão grave?
— Para conseguir mais dinheiro ou sei lá como isso funciona.
— Aurora, Rubens, o jantar está na mesa. — Gritou Ana do corredor.
— Nós já vamos. — Respondeu Rubens na mesma altura.
— Acho que vou ter que ir lá para tentar me redimir. Papai ainda não deve ter conseguido falar com ele, posso tentar reverter essa situação.
— Já pensou na possibilidade de só piorar? — Fiz uma careta para meu irmão.
— Não custa tentar, devemos fazer o que estiver ao nosso alcance para conseguir esse dinheiro. Não é só a nossa casa que está em jogo, a guarda de Ana também; ela só tem onze anos, seria horrível ela ir para um orfanato e ficar longe de nós.
— E o que exatamente pretende fazer?
— Ir até aquela empresa amanhã sem que o papai saiba e só sair de lá quando conseguir falar com Matteo Del Frari.